Descrição de chapéu Brexit

Boris Johnson assume como premiê e diz que brexit sem acordo é possibilidade remota

Deputado conservador recebe da rainha Elizabeth 2ª tarefa de montar novo governo do país

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O novo premiê britânico, Boris Johnson, acena para jornalistas antes de entrar na residência oficial em Downing Street

O novo premiê britânico, Boris Johnson, acena para jornalistas antes de entrar na residência oficial em Downing Street Ben Stansall/AFP

Londres

O novo primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, disse nesta quarta (24) que a saída do país da União Europeia sem acordo entre as partes é uma possibilidade remota.

Reiterou, porém, que o desligamento vai se concretizar até 31 de outubro deste ano, sem "se" ou "mas", insistindo em sua promessa de campanha –um brexit "do or die" nessa data, ou seja, doa a quem doer.

No primeiro discurso após receber da rainha Elizabeth 2ª a incumbência de formar um governo, o líder conservador afirmou que não deseja um "no deal" (separação sem pacto, o que significaria uma mudança no status da relação entre Londres e Europa da noite para o dia, sem fase de transição).

Johnson é o 14º primeiro-ministro britânico do reinado de Elizabeth, que começou em 1952 —são quatro trabalhistas e dez conservadores.

Boris Johnson em audiência com a rainha Elizabeth, na qual ela o convidou a formar um novo governo - Victoria Jones/AFP

Disse acreditar que seja possível alcançar um entendimento que não envolva controles alfandegários na fronteira irlandesa —a do Norte é parte do Reino Unido, a República (ao sul), país-membro da UE.

Isso, desde que a solução não passe pelo "antidemocrático backstop", o mecanismo que prevê a criação de uma grande união aduaneira temporária para evitar checagens de mercadorias entre sul e norte.

Ninguém quer a volta da fronteira "dura" na ilha, uma das fagulhas de um conflito entre nacionalistas (pró-reunificação das Irlandas) e unionistas (favoráveis à permanência do Norte do Reino Unido) que deixou mais de 3.500 mortos de 1968 a 1998.

O "backstop" é a principal razão (ao menos oficial) para o acordo fechado pela antecessora de Johnson, Theresa May, ter sido recusado três vezes pelo Parlamento britânico, deixando a chefe de governo sem alternativa que não a de renunciar ao cargo.

Os críticos da medida argumentam que ela ataria o Reino Unido ao bloco europeu por tempo indeterminado, comprometendo sua soberania –é fato que, dentro da união aduaneira, Londres não poderia fechar acordos comerciais por conta própria.

A UE tem dito repetidamente, e novamente após a vitória de Johnson, que o dispositivo não será abandonado.

O brexit deveria ter acontecido no fim de março deste ano. Como May não conseguia convencer seus deputados a endossar o pacto acertado com o bloco europeu, foi adiado por algumas semanas, e mais tarde, por alguns meses.

"Vamos fazer um novo acordo, um acordo melhor que vai ampliar as oportunidades do brexit ao mesmo tempo em que vai nos permitir desenvolver uma relação nova e estimulante com o resto da Europa, com base em livre-comércio e apoio mútuo", afirmou Johnson.

Segundo ele, "chegou a hora de agir, de tomar decisões, de fornecer uma liderança firme". Foi uma estocada em sua antecessora, tida por opositores e mesmo correligionários como insegura e demasiado propensa a buscar consensos impossíveis.

Em outro momento, o novo premiê disse que "o problema dos últimos três anos [período transcorrido desde o plebiscito que determinou a saída da UE e também tempo que May passou no cargo] não foram as decisões tomadas, mas a falta delas".

​May não comentou as declarações do novo premiê, mas no começo da tarde, antes de se encontrar com a rainha para entregar seu cargo, a agora ex-primeira-ministra aproveitou sua última sabatina no Parlamento para provocar o líder da oposição, Jeremy Corbyn.

"Enquanto uma chefe de partido que aceitou que seu período no posto tinha terminado, talvez tenha chegado a hora de ele fazer o mesmo", alfinetou, dirigindo-se ao adversário, que antes fizera um balanço marcadamente negativo da gestão da conservadora.

Os correligionários de May foram ao delírio com a estocada.

Em tom mais solene, ela disse esperar que os deputados tenham participação no governo Johnson —uma forma de constranger o novo ocupante do número 10 de Downing Street a repensar qualquer impulso de levar o brexit adiante sem o sinal verde do Legislativo.

Fazendo um aceno aos partidários do brexit, Johnson acrescentou que, "em caso de ‘no deal’, teremos uma injeção de recursos de 39 milhões de libras". Ele se refere à multa que Londres deveria pagar ao bloco do qual tenta se desvencilhar, se houvesse um acordo (e um "acerto de contas") antes da despedida.

Johnson também foi alvo de um pequeno protesto quando estava se dirigindo para o encontro com a rainha. Um grupo formado por meia dúzia de manifestantes que pedia medidas contra a mudança climática fechou a via pela qual o comboio do novo premiê passava, mas o ato foi rapidamente dispersado pela segurança.

No trecho de sua fala dedicado a temas que não o desligamento britânico da UE, o novo chefe de governo afirmou que irá contratar 20 mil policiais, aumentar os recursos destinados à educação básica e aliviar a carga tributária para estimular investimento e inovação.

Mas não deu detalhes de nenhuma dessas iniciativas. Preferiu o otimismo genérico que caracterizou sua campanha: "Não vou dizer que não vá haver dificuldades pela frente, mas, com energia e determinação, elas serão menos sérias".

E emendou: "Quem apostar contra o Reino Unido vai perder tudo".

Apesar de ressaltar que será o premiê "de todo o Reino Unido" e que "isso significa unir o país, renovar os laços que nos ligam", Johnson sinalizou em outra direção ao montar seu gabinete.

Os ministros (chamados de secretários no Reino Unido) que votaram pela permanência britânica na UE ou que se mostraram favoráveis a uma separação negociada, sem sobressaltos estão fora do governo. Alguns pediram as contas, mas a maioria foi demitida.

É o caso dos titulares da Defesa (Penny Mordaunt), do Comércio Internacional (Liam Fox) e dos Negócios (Greg Clark), entre outros. Há ao menos 16 novos responsáveis por pastas do governo (mais da metade do total), o que representa a maior troca de guarda de que se tem notícia na política britânica sem que o partido no poder (aqui, o Conservador) tenha mudado.

Muitos dos nomes que Johnson trouxe para perto de si se caracterizam pelo perfil radical. Priti Patel, a nova ministra do Interior, defendeu anos atrás a pena de morte.

Já Dominic Raab, que assume as Relações Exteriores e deve ser o vice-premiê, atuou na gestão Theresa May como ministro do brexit e saiu rumorosamente por discordar da suposta falta de firmeza da chefe em relação às condições impostas pelo lado europeu.

No primeiro cargo, Raab substituirá Jeremy Hunt, derrotado por Johnson na disputa pela liderança conservadora. Segundo a imprensa britânica, ele queria permanecer no cargo ou assumir uma pasta mais prestigiosa, como a das Finanças. Não aceitou o posto oferecido (supostamente, a chefia da Justiça) e foi dispensado.

Quem ficou com as Finanças foi o antigo titular do Interior, Sajid Javid, filho de imigrantes paquistaneses. Já Alok Sharma, que nasceu na Índia, foi indicado como novo ministro de Desenvolvimento Internacional —além dele, Patel é filha de indianos que moraram em Uganda e Raab, de tchecos judeus que fugiram do nazismo.

A imprensa britânica já cogitava que Johnson deveria aumentar a presença das minorias no primeiro escalão, o que foi confirmado.

Curiosamente, o novo primeiro-ministro manterá no comando do ministério responsável pelo brexit Stephen Barclay. Ele estava na função quando o plano de May para a saída da UE sofreu três derrotas no Parlamento, no primeiro semestre deste ano.

Principais nomes do novo gabinete

Sajid Javid, 49 Considerado um defensor moderado do brexit, o filho de imigrantes do Paquistão deixa o cargo de ministro do Interior para assumir a pasta de Finanças

Dominic Raab, 45 O deputado é o novo ministro de Relações Exteriores e deve acumular o cargo de vice-premiê, sendo um dos principais responsáveis pelas negociações do brexit

Priti Patel, 47 A filha de indianos assume a pasta do Interior; representante da ala mais radical do partido, já foi ministra de Theresa May, mas saiu após polêmicas

Stephen Barclay, 47 O atual ministro responsável pelo brexit vai se manter no cargo, um dos poucos membros da equipe de May que continuará no gabinete de Johnson

Robert Buckland, 50 O novo ministro da Justiça é um dos poucos membros do gabinete que já defendeu a manutenção do Reino Unido na União Europeia

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