Descrição de chapéu The New York Times

Fortuna 'próxima do infinito' de bilionário que abusava de menores pode ser mentira

Riqueza de Jeffrey Epstein talvez se deva menos a sua perícia matemática e mais a conexões com poderosos

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The New York Times

Quando procuradores públicos federais americanos anunciaram acusações por tráfico sexual contra Jeffrey Epstein, nesta semana, ele foi descrito como "um homem de recursos quase infinitos".

As autoridades argumentavam que, com sua vasta riqueza —e dois jatinhos particulares—, o risco de fuga era muito elevado.

Epstein costuma ser descrito como bilionário e financista brilhante, e sempre esteve em contato com os poderosos, entre os quais ex-presidentes e futuros ocupantes do posto.

Mesmo depois de se admitir culpado, em 2008, em processo envolvendo prostituição na Flórida, ele continuou a se promover como mago das finanças que usava modelos matemáticos complexos para orientar seus investimentos e muitas vezes citava como amigos pessoais ganhadores do Prêmio Nobel.

O financista Jeffrey Epstein em foto para o registro de agressores sexuais do estado de Nova York - New York State Division of Criminal Justice Services/Reuters

Dizia a potenciais clientes que o investimento mínimo para trabalhar com ele era de US$ 1 bilhão. Em seu pico, no começo da década de 2000, uma reportagem sobre ele afirmava que Epstein tinha 150 empregados e escritórios no Villard Houses, uma edificação histórica na Madison Avenue, em Manhattan.

Boa parte disso parece ter sido ilusão, e existem poucas provas de que Epstein seja de fato bilionário.

A riqueza dele talvez dependa menos de sua perícia matemática do que de suas conexões com dois homens —Steven Hoffenberg, um dia proprietário do jornal New York Post e notório fraudador, condenado por operar um esquema de pirâmide de US$ 460 milhões; e Leslie Wexner, bilionário fundador de cadeias de varejo como The Limited e presidente executivo da empresa que é dona das lojas Victoria's Secret.

Hoffenberg foi parceiro de Epstein em duas tentativas frustradas de tomada de controle acionário na década de 1980, uma das quais envolvendo a companhia de aviação Pan Am, e mais tarde afirmaria que Epstein foi parte do esquema que o levou à prisão —embora Epstein jamais tenha sido acusado nesse processo.

Com Wexner, o vínculo pessoal e financeiro de Epstein há muito desperta a curiosidade de associados do magnata do varejo, o único investidor nos negócios de Epstein que é identificado publicamente.

A empresa de Epstein, a Financial Trust, não publica balanços ou relatórios de desempenho financeiro auditados que confirmem suas afirmações de competência nos investimentos. Em documento citado em um processo judicial de 2002, Epstein disse ter 20 empregados, muito menos do que o número mencionado pela imprensa na época.

Seis anos mais tarde, ele perdeu grandes quantias na crise financeira. E amigos e patronos, incluindo Wexner, abandonaram-no quando ele se declarou culpado no processo sobre prostituição, em 2008.

Epstein, 66, sem dúvida é muito rico. Seus imóveis —uma das maiores mansões de Manhattan, uma propriedade em Palm Beach, um apartamento em Paris, uma ilha no Caribe e um grande rancho no Novo México— valem mais de US$ 200 milhões.

Em 2002, sua companhia de investimento afirmou ter US$ 88 milhões em capital de investidores.

Ele parecia estar fazendo negócios e operando moedas por intermédio do Deutsche Bank até alguns meses atrás, de acordo com duas pessoas informadas sobre suas atividades de negócios.

Com a possibilidade iminente de acusações federais, o banco encerrou o relacionamento com Epstein. Não se sabe ao certo quais eram os valores de suas contas quando foram fechadas.

Reid Weingarten, advogado de Epstein, não respondeu a mensagens solicitando comentários.

The home of Jeffrey Epstein, who was arrested Saturday on sex trafficking charges, in Manhattan, July 7, 2019. Even after his 2008 guilty plea in a prostitution case in Florida, he promoted himself as a financial wizard who used arcane mathematical models. Much of that appears to be an illusion. (Yana Paskova/The New York Times)
Casa de Jeffrey Epstein, em Manhattan - Yana Paskova - 7.jul.19/The New York Times

Primeiras influências

A grande oportunidade de Epstein surgiu quando ele lecionava matemática na Dalton School, uma prestigiosa escola particular de Manhattan, na metade dos anos 1970. Ele foi professor particular do filho de Alan Greenberg, presidente do conselho do poderoso banco de investimento Bear Stearns, e acabou contratado pelo banco.

Epstein deixou a companhia alguns anos mais tarde. Ele disse a advogados da Securities and Exchange Commission (SEC), agência federal que regulamenta os mercados de valores mobiliários dos EUA, em uma investigação por "insider trading", que sua saída teve três motivos, de acordo com um artigo da revista Vanity Fair em 2003.

Ele havia sido submetido a medidas disciplinares por emprestar dinheiro a um amigo para a compra de ações, havia problemas em sua conta de despesas, e circulavam rumores sobre um caso entre ele e uma secretária. (Epstein testemunhou que não estava ciente de qualquer "insider trading", e nem ele nem qualquer outro trabalhador do banco foi acusado.)

Em 1981, ele criou a consultoria Intercontinental Assets Group, trabalhando de seu apartamento na East 66th Street. Em 1987, foi apresentado a Hoffenberg, então presidente executivo da Towers Financial.

Hoffenberg declarou em entrevista que foi apresentado a Epstein em Nova York, no pico da onda das tomadas de controle acionário da década de 1980, quando "Merger Mania", de Ivan Boesky era um best seller nacional.

A Towers Financial estava adquirindo dívidas não pagas de hospitais, casas de repouso e companhias telefônicas e tentando recebê-las - um nicho de mercado nada glamoroso. Hoffenberg contratou Epstein como consultor por US$ 25 mil ao mês, e os dois se redefiniram como especialistas em pilhagem de empresas.

Dois de seus esforços de tomada de controle acionário foram fracassos espetaculares. Eles tentaram tomar o controle da Pan Am, e um comunicado à imprensa distribuído pela Towers Financial em novembro de 1987 mencionava uma lista de consultores que incluía o ex-secretário da Marinha John Lehman; John Mitchell, secretário da Justiça no governo Nixon; e Edward Nixon, o irmão do ex-presidente.

Mas a transação fracassou quando um atentado terrorista explodiu um jato da Pan Am sobre Lockerbie, Escócia, levando a companhia à concordata.
 

Uma ascensão rápida

Em 1988, quando Epstein ainda trabalhava para Hoffenberg, ele criou a companhia de investimento que seria o ponto focal de suas conexões com pessoas poderosas: a J.Epstein & Co. Uma dessas pessoas, Wexner, aparentemente se tornaria a pedra fundamental da riqueza de Epstein.

Epstein foi apresentado a Robert Meister, vice-presidente do conselho da gigante dos seguros Aon, em um voo de Nova York a Palm Beach, e claramente o impressionou, de acordo com o relato feito pelo romancista James Patterson em "Filthy Rich", um livro de não ficção.

Meister, que não foi localizado para comentar, apresentou Epstein a Wexner. Os dois parecem ter simpatizado um com o outro quase imediatamente.

Robert Morosky, vice-presidente do conselho da The Limited, surpreendeu-se ao ver Wexner aceitar Epstein com tamanha rapidez. "Ninguém entendia qual era o atrativo dele", disse Morosky.

"Busquei me informar e descobri que ele era professor de matemática em uma escola de segundo grau, e foi só isso que encontrei. Não havia mais informação alguma."

Na época, a revista Forbes estimava o patrimônio líquido de Wexner em US$ 1,8 bilhão, o que lhe valia o 52º posto no ranking de bilionários da publicação.

Administrar o negócio dele seria um negócio lucrativo, mas Epstein fez mais do que isso: uma empresa controlada pelos dois adquiriu uma mansão na East 71st Street, em Manhattan, por US$ 13,2 milhões em 1989, de acordo com registros de imóveis.

Na época, esse era o maior preço já pago por uma casa em Nova York.

Epstein também esteve envolvido estreitamente com Wexner em uma empresa que comandou a transformação do subúrbio de New Albany, perto de Columbus, que servia de sede à The Limited.

O projeto criou uma utopia ajardinada com casas em estilo neogeorgiano.

Em 1998, os dois empresários apareciam como copresidentes da New Albany Corp., nos documentos de registro da empresa no Ohio. Os dois tinham mansões na comunidade.

"Creio que os dois temos a capacidade de discernir padrões", disse Wexner à Vanity Fair em 2003. "Mas Jeffrey vê padrões na política e nos mercados financeiros, e eu vejo padrões nas tendências de moda e estilo de vida."

Em 1998 —o ano em que ele comprou Little St. James, uma ilha de 28 hectares ao largo de St. Thomas, no Caribe— Epstein havia mudado o nome de sua empresa para Financial Trust e transferido sua sede às Ilhas Virgens.

Epstein diz ter informado aos clientes que só aceitava investimentos de mais de US$ 1 bilhão.

Documentos empresariais de 2002 pintam um retrato menos impressionante. Thomas Volscho, professor de sociologia no College of Staten Island que está pesquisando para um livro sobre Epstein, recentemente obteve uma cópia do documento, segundo o qual a Financial Trust tinha US$ 88 milhões em contribuições de acionistas.

Em documentos relacionados a um processo daquele ano, Epstein atribui 20 empregados à empresa, muito menos que os 150 reportados pela revista New York na época.

Também foi em 1998 que Epstein assumiu controle integral da casa da rua 71. Wexner transferiu seu interesse na empresa que era dona da casa a Epstein pelo valor de US$ 20 milhões, de acordo com a pessoa informada sobre a transação.

Em 2003, Epstein já dispunha de meios suficientes para prometer US$ 30 milhões à Universidade Harvard, a fim de bancar um programa de dinâmica evolutiva; sua doação inicial foi de US$ 6,5 milhões.

Uma queda espantosa

Mas a crise financeira custou a Epstein parte de sua fortuna, e acusações de abuso sexual contra meninas adolescentes lhe custaram alguns amigos.

O Bear Stearns —que deu a Epstein sua primeira oportunidade— ainda estava entre seus investimentos, na época da crise. De acordo com um processo que moveu mais tarde contra o banco. Epstein detinha cerca de 176 mil ações do Bear Stearns, com valor de quase US$ 18 milhões, em agosto de 2007.

Ele vendeu 56 mil ações, pela cotação de US$ 101, naquele mês. Vendeu as 120 mil ações remanescentes em março de 2018, quando o banco estava quebrando —20 mil delas a US$ 35, e as demais a US$ 3,04, sofrendo pesados prejuízos.

Ele também perdeu cerca de US$ 50 milhões em um dos fundos de hedge do Bear Stearns.

Quando o Bear Stearns quebrou, Epstein já estava envolvido em seu primeiro caso de abuso.

Ele se admitiu culpado por acusações envolvendo prostituição, em 2008, e recebeu uma sentença de prisão que permitia que trabalhasse em casa durante o dia mas também dispunha que se registrasse como criminoso sexual.

Nos últimos anos, Epstein era cliente da divisão de patrimônio privado do Deutsche Bank, que atende pessoas e famílias de alta renda.

O banco lhe garantia empréstimos e contas de investimentos, bem como serviços operacionais por meio de sua divisão de investimentos, dizem duas pessoas informadas sobre o relacionamento.

Em dado momento, o pessoal da fiscalização ética do banco expressou preocupação sobre algumas transações da companhia de Epstein, porque elas poderiam prejudicar a reputação do Deutsche Bank, disseram as fontes.

Os dirigentes do Deutsche Bank desconsideraram essas preocupações, dizem as fontes. Apontaram que as transações nada tinham de ilegal e que Epstein era um cliente lucrativo.

No começo deste ano, o banco encerrou seu relacionamento com Epstein.

Tradução de Paulo Migliacci

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