Descrição de chapéu The New York Times

Partido de direita radical avança em uma Alemanha cada vez mais dividida

AfD teve vitórias em dois estados que faziam parte da antiga Alemanha Oriental

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Melissa Eddy Katrin Bennhold
Berlim | The New York Times

Um partido de direita radical conquistou ganhos importantes no domingo (1º) em duas eleições estaduais que foram observadas atentamente, chegando muito perto dos resultados de partidos que integram a coalizão governante da chanceler Angela Merkel e destacando a divisão política crescente entre os lados oriental e ocidental do país, indicaram os resultados iniciais apurados.

O partido de Merkel e um de seus parceiros de coalizão ganharam votos suficientes para passar à frente da Alternativa para a Alemanha, o partido de direita radical conhecido por suas iniciais em alemão, AfD.

Gottfried Curio, deputado e integrante do AfD, discursa em Abensberg, na Bavária - Andreas Gebert/Reuters

Com isso, eles roubaram o AfD de algo que teria sido uma vitória simbólica importante: a chance de emergir como a força mais poderosa em um dos 16 estados alemães.

Mas os dois partidos governistas sofreram perdas pesadas para o AfD em dois estados que no passado fizeram parte do lado oriental, comunista, da Alemanha, fato que pode enfraquecer ainda mais a confiança dos eleitores no governo de Merkel em um momento em que a economia alemã está começando a desacelerar.

Os resultados destacam uma divisão profunda entre a antiga Alemanha Oriental e o resto do país, divisão essa que o AfD explorou e exacerbou durante a campanha.

Os resultados também confirmam a fragmentação contínua do sistema político alemão do pós-guerra, que durante décadas se caracterizou por dois partidos dominantes representando a esquerda e a direita.

Nos dois estados onde aconteceram as eleições, os outros partidos políticos excluíram a possibilidade de cooperação com o AfD, relegando o partido à oposição.

O AfD conquistou 28% dos votos na Saxônia e 24% no estado vizinho de Brandemburgo –um ganho de 18 e 12 pontos percentuais, respectivamente, em relação à eleição anterior, em 2014.

O que salvou os partidos principais de perderam diretamente para o AfD pode ter sido a urgência com que seus candidatos apelaram pelo apoio dos eleitores no período no período final antes da votação.

O resultado foi uma participação maior dos eleitores, ajudando os partidos principais a conservar sua liderança.

Na Saxônia, as pesquisas de boca de urna indicaram que a CDU (União Democrata-Cristã), de Merkel, ficaria com mais de 32% dos votos.

Em Brandemburgo, seus parceiros no governo, os social-democratas, emergiram como o partido mais forte, mas por uma margem menor. As projeções iniciais indicam que o SPD recebeu cerca de 26% dos votos.

No domingo, depois de iniciados os primeiros resultados das urnas, o governador da Saxônia, Michael Krestschner, disse a jornalistas: “Sabemos que conta quem é o partido mais forte, quem vai definir o governador, quem vai formar o governo. E nós conseguimos fazer isso”.

Eleições nacionais estão programadas apenas para 2021, e Angela Merkel já disse que pretende cumprir seu mandato até o fim. Mas o governo continua impopular, não obstante um estudo recente ter mostrado que já implementou mais de metade de sua agenda proposta desde que chegou ao poder.

Tanto em Brandemburgo quanto na Saxônia, o AfD, em sua campanha, enfocou o ressentimento dos eleitores diante das promessas feitas aos estados da antiga Alemanha Oriental por partidos do mainstream, mas que não foram cumpridas.

Muitos alemães orientais sentem que não são tratados em pé de igualdade com os cidadãos da antiga Alemanha Ocidental.

“Os eleitores se sentem deixados para trás –e foram realmente deixados para trás”, comentou Andreas Kalbitz, 46, líder do AfD em Brandemburgo, que festejou o resultado no domingo como “um resultado fantástico”.

“Tudo que está sendo reivindicado hoje poderia ter sido implementado anos atrás por quem está no governo”, disse.

O apoio aos partidos de direita radical está presente na região há anos, mas no passado era algo marginal, disse Hajo Funke, professor de ciência política na Universidade Livre de Berlim que passou semanas percorrendo a região antes da eleição.

O AfD conseguiu conquistar apoio às suas plataformas, apesar de suas tendências nacionalistas e dos vínculos de seus líderes com extremistas de direita, por que canalizou esse ressentimento popular que continuou sempre fervendo em fogo baixo.

Para Funke, os eleitores “se distanciaram subliminarmente da democracia devido à frustração que sentem pelo modo como foram tratados e sua sensação de serem cidadãos de segunda classe”.

Dias antes da eleição vieram à tona relatos de que Kalbitz teria participado de uma passeata neonazista em Atenas, na Grécia, em 2007, ao lado de 13 outros radicais de extrema direita alemães, incluindo um líder do extremista Partido Nacional Democrático.

Em Brandemburgo, onde os social-democratas estão no poder desde 1990, o AfD baseou sua campanha em questões de segurança, prometendo aumentar o efetivo policial e cortar recursos para organizações de esquerda ou projetos que beneficiam imigrantes.

Embora os imigrantes componham mais de 5% dos 2,5 milhões de habitantes do estado, a ultradireita, em sua campanha, fomentou temores de que o gaste mais dinheiro com habitação e esforços de integração de migrantes do que gasta com os contribuintes alemães.

Promessas semelhantes também surtiram bons resultados para o AfD na Saxônia, estado maior e mais próspero em que os imigrantes representam menos de 5% da população.

Mas, segundo cifras governamentais, não fosse por eles, a população do estado, que não chega a 4 milhões de habitantes, teria encolhido 2% entre 2012 e 2018.

Com cerca de um quarto das cadeiras hoje ocupadas por um partido relegado à oposição, uma coalizão governante pode precisar formar novas alianças que abranjam três ou até quatro partidos.

Um cenário desse tipo pode permitir que o AfD se faça de vítima e reforce seu discurso sobre ser marginalizado pelos partidos tradicionais, ou, como gosta de dizer, “o establishment”.

Mas não foi apenas a direita radical que avançou nas eleições.

O Partido Verde, liberal e pró-refugiados, posicionou-se como alternativa ao AfD e emergiu como o segunda legenda mais popular da Alemanha Ocidental.

E também conquistou um avanço modesto nas eleições na Saxônia e em Brandemburgo.

Os verdes podem ganhar influência grande quando for hora de formar um governo estadual –uma mudança total em relação a cinco anos atrás, quando mal conseguiram ser representados no Legislativo dos dois estados.

Tradução de Clara Allain

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