Trump demite assessor que pressionava por ações militares no Irã e na Venezuela

John Bolton foi primeiro membro do governo americano a se aproximar de Bolsonaro

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Washington e São Paulo | Reuters

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, demitiu nesta terça-feira (10) seu assessor de segurança nacional, John Bolton, por divergências sobre a forma de conduzir a política externa americana em relação a Irã, Coreia do Norte e Afeganistão.

O ex-assessor de segurança nacional, John Bolton, durante reunião do Salão Oval, em Washington
O ex-assessor de segurança nacional, John Bolton, durante reunião do Salão Oval, em Washington - Joshua Roberts - 2.abr.19/Reuters

O assessor era o principal representante no governo da chamada linha-dura, que defende uma atuação mais enfática de Washington contra adversários geopolíticos e não descarta o uso da força militar. Essa ala ganhou força durante a gestão de George W. Bush (2001-2009).

No Twitter, o presidente americano escreveu que informou a ​Bolton na noite de segunda (9) que seus serviços não eram mais necessários. "Discordo fortemente de muitas de suas sugestões, assim como outras pessoas do governo, por isso pedi a John que renunciasse ao cargo."

O agora ex-assessor, porém, deu uma versão diferente na mesma rede social. Bolton afirmou que ofereceu sua renúncia na noite de segunda e que Trump pediu para conversar no dia seguinte. 

John Bolton foi o primeiro assessor do governo Trump a se aproximar do presidente Jair Bolsonaro. 

No fim de novembro de 2018, após a vitória do brasileiro nas eleições, Bolton fez uma visita à casa de Bolsonaro e o convidou para um encontro com o presidente americano.

Em novembro de 2018, Jair Bolsonaro recebeu o então assessor de segurança nacional dos EUA, John Bolton (o segundo da direita para a esquerda), para um café da manhã em sua casa - HO/Jair Bolsonaro’s Press Office/AFP

A dispensa do assessor ocorre em um momento em que Trump promove tentativas de retomar as relações com Irã e Coreia do Norte, o que incomodou integrantes da ala linha-dura do governo, como o próprio Bolton —ele é o terceiro a ocupar o cargo desde o início do mandato do presidente, em janeiro de 2017.  

Segundo fontes próximas ao governo americano, o anúncio de Trump aconteceu após uma dura conversa entre os dois na noite de segunda sobre um acordo de paz entre os EUA e o Taleban.

A reunião secreta com os líderes da milícia afegã, marcada para o último domingo (8), em Camp David, residência oficial a cerca de 100 km da Casa Branca, e cancelada de última hora por Trump, teria sido um dos pontos da discórdia.

Bolton era veementemente contrário às negociações. Fontes alinhadas à visão do ex-assessor de segurança afirmam que os EUA poderiam retirar 8.600 tropas do país e manter os esforços contra terrorismo sem chegar a um pacto com o grupo.

Em outras ocasiões, Trump brincou com as visões pró-guerra de Bolton. Em uma reunião no Salão Oval, disse que "John nunca tinha visto uma guerra da qual não gostasse".

O secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, uniu-se ao presidente ao afirmar que também pensava haver pontos em que suas visões eram diferentes das de Bolton. Disputas internas entre eles eram comuns. 

No pronunciamento realizado nesta terça (10), Pompeo disse que o cargo de Bolton faz parte da equipe que "atua diretamente com o presidente" e que, por isso, Trump necessita "pessoas em quem ele confia e cujo esforços e julgamentos o beneficiem".

Em maio, reportagem do jornal The Washington Post revelou que Trump estava insatisfeito com os conselhos de Bolton.

Membros do governo afirmaram que o presidente se sentia frustrado por acreditar que o assessor o induziu a pensar que seria fácil substituir rapidamente o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, por um jovem oposicionista.

Atualmente, o governo americano reconhece Juan Guaidó como presidente interino do país sul-americano e o apoia. 

Trump também se queixava do fato de que a postura intervencionista de Bolton destoava de sua visão de que os EUA deveriam manter distância de atoleiros no exterior. ​

Ex-embaixador americano na ONU entre janeiro de 2005 e outubro de 2006, durante o governo de George W. Bush, Bolton também foi o responsável pelo colapso de uma reunião em fevereiro entre Trump e o ditador norte-coreano, Kim Jong-Un, em Hanói, após recomendar a adoção de uma lista de exigências que o autocrata rejeitou.

A mídia norte-coreana se referiu a Bolton em maio deste ano como um "maníaco por guerra" que "fabricou diversas políticas provocativas como a designação de nosso país como 'eixo do mal'".

Em 2003, durante um período de tensão entre os países, a Coreia do Norte chamou Bolton de "escória humana".

Em relação ao Irã, Bolton defendia uma mudança de regime em Teerã e resistia a acordos que pudessem abrir espaços para negociações.

Ele estava por trás de diversas medidas para aumentar a pressão econômica e política sobre os líderes iranianos e não descartava uma intervenção militar no país. 

A tensão entre Trump e Bolton cresceu nos últimos meses após o presidente recuar da decisão de lançar um ataque aéreo contra o Irã em retaliação à derrubada de um drone americano, em junho. 

Embate com diplomata brasileiro

Em 2002, quando Bolton era subsecretário de Estado Americano para controle de armas e segurança internacional no governo de George W. Bush, ele forçou a saída do diplomata brasileiro José Maurício Bustani, 72, à época diretor-geral da Organização para a Proibição de Armas Químicas (Opaq).

Meses após o atentado terrorista de 11 de setembro de 2001, Bustani passou a negociar a entrada do Iraque e da Líbia na Opaq.

Em novembro de 2001, segundo o diplomata, os países se disseram prontos para se submeter às inspeções e se filiarem ao órgão.

“Quando anunciei que teríamos dois novos membros, Iraque e Líbia, os americanos ficaram alucinados. Eles sabiam que faríamos inspeções no Iraque e isso demonstraria que Saddam [Hussein] não tinha armas químicas. Como já tinham planos de invadir o país, disseram-me que eu não tinha direito de aceitar os dois países sem antes consultar os Estados Unidos”, contou Bustani à Folha em março de 2018. 

Segundo o diplomata, Bolton entrou em sua sala em março de 2002 e lhe disse: “Vim aqui com instruções do vice-presidente [dos EUA], Dick Cheney, para lhe informar que você tem 24 horas para pedir demissão e ir embora".

Em um documento interno do Departamento de Estado, Bolton afirmou que Bustani estava querendo ter “um papel não apropriado” no Iraque, e que a questão deveria ficar a cargo do Conselho de Segurança da ONU —no qual os EUA têm poder de veto.

Em seu livro, “Surrender Is Not an Option" (se render não é uma opção), Bolton relembra a visita que fez a Bustani na sede da Opaq, em Haia.

“Eu me encontrei com Bustani e disse que ele deveria se demitir. Se ele fosse embora no ato, faríamos tudo para dar a ele uma saída graciosa e digna. Se não, nós o demitiríamos", escreveu o americano, para quem o diplomata brasileiro era incompetente.

Segundo Bustani, ​o governo americano entrou em contato com autoridades brasileiras exigindo sua saída e dizendo que o diplomata estava abusando de sua autoridade à frente da Opaq.

“Eu me senti traído. O governo brasileiro não queria desagradar os EUA, então não me defendeu.”

No entanto, na votação final que determinou a saída do embaixador da organização, em abril de 2002, o Brasil foi um dos votos contrários.


Baixas de Trump na política externa

Michael Flynn, assessor de segurança nacional (24 dias) 
Renunciou após mentir sobre conversas com embaixador russo

H. R. McMaster, assessor de segurança nacional (413 dias) 
Afirmou que os russos intervieram no pleito de 2016, o que Trump nega

Rex Tillerson, secretário de Estado (423 dias) 
Ex-CEO da ExxonMobil, discordou sobre a saída dos acordos de Paris e com o Irã

Nikki Halley, embaixadora na ONU (705 dias) 
Defensora de Trump, não explicou o motivo da saída

Jim Mattis, secretário de Defesa (710 dias) 
Renunciou após Trump anunciar a retirada das tropas americanas da Síria

Com informações do Washington Post e do New York Times. Colaborou Patrícia Campos Mello.

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