Batalha é 'prelúdio da derrota final' dos rebeldes na Síria, diz Assad

Tropas do ditador, com apoio russo, consolidam controle sobre região noroeste do país

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São Paulo

O ditador da Síria, Bashar al-Assad, afirmou nesta segunda (17) que as recentes vitórias de seu Exército no noroeste do país são o “prelúdio da derrota final” dos rebeldes que se opõem a seu governo desde 2011.

Em pronunciamento na TV estatal síria, Assad disse contudo que “essa libertação não significa o fim da guerra ou a rendição do inimigo, mas definitivamente esfrega seus narizes na sujeira”.

Comboio militar turco cruza fronteira rumo à cidade síria de Sarmada, em Idlib
Comboio militar turco cruza fronteira rumo à cidade síria de Sarmada, em Idlib - Rami al-Sayed/AFP

A prudência faz sentido em um conflito que já teve diversos vencedores anunciados, garantindo a derrota mesmo à população civil e aos mortos, cujas estimativas variam de 380 mil a 560 mil. Mas o fato é que Assad tem motivos para celebrar.

A fala ocorreu no mesmo dia em que o Exército da Síria anunciou a recaptura de diversas áreas em torno de Alepo, consolidando assim o controle da região que já foi o centro financeiro do país —e palco de algumas das piores batalhas do conflito, de 2012 a 2016.

A ação atual, centrada na reconquista do último bastião rebelde do país, a província de Idlib logo a leste dali, ganhou fôlego a partir de dezembro. As forças de Assad montaram uma grande ofensiva, apoiadas pela Força Aérea da Rússia, que desde 2015 opera no país a partir de uma base na província de Latakia.

A intervenção de Vladimir Putin salvou seu aliado Assad, que estava à beira de perder a guerra. Naquele ponto, a Síria era uma colcha de retalhos, controlada pelo governo e por facções rebeldes diversas, em especial o grupo terrorista Estado Islâmico.

De lá para cá, os rebeldes foram sendo encurralados. Além do apoio aéreo russo, operam em solo iranianos e do grupo xiita libanês Hizbullah, bancado por Teerã, o que fez crescer o número de ações de Israel contra posições desses seus adversários na Síria.

O Estado Islâmico foi neutralizado, também com a ação de bombardeios de forças ocidentais lideradas pelos Estados Unidos.

Os americanos, contudo, sempre atuaram de forma reticente no país árabe. O então presidente Barack Obama havia prometido intervir caso Assad utilizasse armas químicas contra seu povo, o que fez repetidas vezes.

Nada ocorreu, e a presença militar de Washington sempre foi limitada a ataques aéreos contra o EI. Donald Trump a retirou oficialmente em outubro do ano passado, deixando sem apoio logístico os curdos que foram apoiados pelos americanos desde o começo da guerra civil.

Agora, a resistência à ditadura se resume principalmente a grupos do ramo majoritário muçulmano no país, os sunitas —incluindo entre eles elementos da Frente Nusra, ligada à rede terrorista Al Qaeda.

A questão é que eles são apoiados pela Turquia, país da Otan (aliança militar ocidental) que tem cerca de 5.000 homens na região e estabeleceu 12 postos de observação militar após invadir a Síria em outubro passado, depois que os EUA traíram seus aliados curdos no norte sírio.

O objetivo inicial de Ancara foi alcançado: o estabelecimento de uma zona separando o Curdistão sírio do turco, onde o PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão) está envolvido em um conflito separatista há décadas.

Isso foi feito em coordenação com a Rússia, mas o governo de Recep Tayyip Erdogan decidiu reforçar sua ação e entrou em confronto direto com os sírios aliados de Moscou.

O objetivo declarado da Turquia é estabilizar uma região para repatriar parte dos 3,3 milhões de refugiados sírios que abriga em seu território —ao todo, as Nações Unidas estimam em 6,2 milhões o total de pessoas que fugiram do país e em outros 6,2 milhões, aquelas que se deslocaram internamente.

Esse último grupo foi reforçado por 870 mil pessoas desde que a batalha final de Assad começou, 40 mil apenas neste fim de semana, lotando campos improvisados com papelão e plástico sob o frio do inverno duro da região. É o maior movimento do tipo desde o começo da guerra.

A tática turca também desconsidera o óbvio: por mais que tente garantir a segurança, o que implicaria presença militar constante, enviar os refugiados de volta irá expô-los diretamente às forças repressoras das quais fugiram.

Sírios fugindo dos combates passam pela cidade de Darret Ezza, noroeste de Alepo
Sírios fugindo dos combates passam pela cidade de Darat Izza, noroeste de Alepo - Aaref Watad/AFP

A ofensiva de lado a lado também colocou russos e turcos sob risco de embate, e há duas semanas diversos contatos diplomáticos estão em curso para evitar o pior, incluindo aí telefonemas entre os dois presidentes dos países.

“As tropas da Rússia e da Turquia na Síria, em Idlib, estão em constante contato, observando as mudanças de condições. Elas se compreendem totalmente”, disse nesta segunda o chanceler russo, Serguei Lavrov. Ele disse, contudo, que Moscou seguirá dando apoio a Assad até o fim.

Tem sido assim desde a Guerra Fria, quando a União Soviética era a protetora do regime do pai de Assad, Hafez (1930-2000), que governou de 1970 até a sua morte, legando o governo ao filho.

Para Putin, o sucesso da operação no Oriente Médio, na esteira da retirada americana da região, é uma questão de prestígio internacional e também busca lhe dar peso extra na discussão de conflitos nas suas fronteiras —a guerra civil congelada no leste ucraniano à frente.

Houve 14 mortes do lado turco e talvez centenas do sírio, mas a situação estabilizou-se após um agravamento na semana passada. Erdogan também baixou o tom de sua retórica, que culpava o Kremlin por apoiar Assad, após queixas públicas dos russos.

Enquanto isso, Damasco completou a conquista da rodovia que liga Alepo à capital e tomou cidades importantes perto da fronteira turca, como Sahraa e Nubl.

Não há inocentes entre os beligerantes. Se é verdade que muitos rebeldes remanescentes são violentos e pregam a instalação de um governo jihadista, a ditadura de Assad carrega uma longa lista de acusação de abusos —de tortura ao uso de armas químicas contra seus cidadãos.

Os russos tentam deixar a má fama com Damasco, mas a violência de seus bombardeios nas últimas semanas também tem sido criticada por entidades que lidam com as vítimas da guerra. Dois hospital foram fechados na segunda após ataques aéreos contra Darat Izza, que deixaram vários feridos, por exemplo.
O poderio russo na região, associado à presença de poderosas baterias antiaéreas S-300 e S-400 em sua base de Hmeimim, garante a Moscou o controle aéreo da região. A Turquia usou caças F-16 contra posições sírias, mas apenas dentro da região de Idlib.

Turquia e Rússia têm intereses divergentes, mas trabalhavam juntos após Erdogan se afastar de Trump devido à presença de um conspirador que tentou derrubá-lo nos EUA. Agora se estranham na Síria e na Líbia, onde apoiam rivais na guerra civil da Líbia.

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