Nova York tem queda nos despejos após criar lei do aluguel para proteger inquilinos

Legislativo estadual também debate reforçar medidas, como conter alta de aluguéis comerciais

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São Paulo

Em junho de 2019, Nova York aprovou uma série de regras para regular o mercado de aluguéis residenciais, de modo a proteger os inquilinos.

Com 74 páginas, a lei dificultou o aumento dos valores cobrados e o despejo em caso de atraso e abriu caminho para que locatários tenham preferência para renovar contratos e ficar na mesma casa por muitos anos.

Apartamentos na rua 72, em Nova York - Katherine Marks/The New York Times

Seis meses depois, enquanto o governo debate criar medidas adicionais, que englobariam imóveis comerciais, o número de despejos caiu 18%.

Entre junho e outubro do ano passado, com a nova lei em vigor, houve 35 mil processos judiciais a menos para retirar inquilinos, na comparação com 2018, segundo levantamento do Wall Street Journal.

Os donos agora precisam esperar 14 dias de atraso no pagamento para levar o caso à Justiça. Antes, eram apenas 72 horas.

Apesar da mudança na lei, o mercado segue aquecido na cidade. O valor médio dos aluguéis subiu cerca de 5% ao longo de 2019, na comparação com o fim de 2018, segundo estudo da consultoria imobiliária Douglas Elliman.

Um apartamento de um quarto em Manhattan custa em média US$ 3.648 dólares (R$ 17 mil) mensais, por exemplo.

A prefeitura estipula quais serão os percentuais máximos de reajuste por tipo de imóvel. A última decisão limitou a 2,5% os aumentos para boa parte dos apartamentos, mas essa regra não se aplica a todos. A diferença ocorre porque várias leis foram criadas ao longo dos últimos cem anos para regular os aluguéis. Dependendo de quando o prédio foi feito e de seu tamanho, os inquilinos e donos podem ter mais ou menos regras a seguir.

As mudanças do ano passado afetam todos os contratos, mas não tratam dos percentuais de reajuste. A novidade foi que os donos precisam avisar a alteração com ao menos 30 dias de antecedência, o que dá mais tempo ao inquilino para contestar o valor.

As regras tentam conter a alta de preços das moradias, que acaba por elevar o número de moradores de rua. Sem conseguir pagar aluguel, pessoas mais pobres correm o risco de ficar sem teto.

Entidades que reúnem donos de apartamentos, no entanto, afirmam que as restrições vão piorar a crise a longo prazo, pois desestimulam os proprietários a colocar mais imóveis para alugar no mercado.

"As novas regras fazem pouco para resolver a falta de moradia acessível na cidade. As mudanças poderão reduzir o aumento dos aluguéis, mas não resultarão em mais unidades habitacionais para as famílias que precisam", escreveu em um artigo James Whelan, presidente do Rebny (Conselho do setor imobiliário de NY).

Whelan estima que a cidade precisará de 400 mil novas casas nos próximos 20 anos, se a população crescer conforme as projeções oficiais. Em média, dois em cada três moradores de Nova York vivem em casas alugadas.

Um estudo do Rebny reportou uma forte queda nas vendas de edifícios com aluguel residencial após as mudanças, pois investidores passaram a evitar esse tipo de negócio por receio de problemas com inquilinos.

A nova lei também permite que os moradores peçam ressarcimento de valores considerados exagerados nos últimos dez anos, mesmo que o dono agora seja outro.

Outra crítica dos gestores é que as medidas desestimulam a renovação dos apartamentos, questão importante em uma cidade repleta de prédios antigos, porque o gasto com as melhorias não pode ser repassado inteiramente aos inquilinos.

Já defensores das regras consideram que o direito à moradia deve prevalecer sobre a busca pelo lucro. Também argumentam que, quando os habitantes são forçados a se mudar, as cidades perdem aos poucos a sua identidade.

"As cidades [com aluguel regulado] funcionam muito melhor do que as que não foram. Compare Londres e Paris com cidades latino-americanas, onde é um faroeste, vale tudo, e o mercado faz o que quer", comenta João Whitaker, ex-secretário municipal de Habitação de São Paulo (na gestão do petista Fernando Haddad).

"No Brasil, as leis que não interessam ao mercado imobiliário não pegam."

Para Valter Caldana, professor de urbanismo do Mackenzie, as medidas são como um remédio, e cabe ao governo encontrar a dose exata. "Toda intervenção nos preços é uma operação muito delicada, que deve ser usada quando o problema chega a um nível insuportável."

Para ele, esse tipo de medida deve ser tomada por prazo curto e vir acompanhada de outras ações, como o investimento em locação social, como está sendo feito em Berlim, e em financiamento para a construção.

O Legislativo estadual de Nova York, onde há maioria democrata, discute se aumenta a aposta na regulação.

Está em debate agora mudar as regras para aluguéis comerciais, para facilitar a vida de pequenos negócios —tanto empresários que ocupam pequenas lojas nas ruas há décadas quanto jovens empreendedores que buscam espaço para uma startup.

A cidade enfrenta uma onda de pontos comerciais vazios em algumas áreas.

Uma proposta apresentada em novembro prevê que, caso não haja acordo sobre o valor do aumento entre inquilino e proprietário, o caso deve ser levado para arbitragem externa. Haveria também uma taxa de vacância a ser paga pelo dono, caso o local fique vago por longos períodos.

Em janeiro, foi apresentada uma proposta no Senado estadual para reforçar também as regras residenciais e proibir aumentos acima de 3% ao ano (a menos que a inflação supere 2%). Atualmente, a limitação de aumento vale apenas para algumas categorias de moradias. Os despejos sem razão também seriam dificultados.

Enquanto seguem as discussões, proprietários e imobiliárias no estado de Nova York têm buscado brechas na lei, como juntar apartamentos para formar um maior e, assim, escapar das regras para moradias menores.

Outro ponto polêmico é a limitação a US$ 20 da taxa que o corretor recebe do locatário ao fechar o negócio e dos depósitos de garantia, limitados a um mês de aluguel.

Moradores relatam que as imobiliárias seguem cobrando algumas centenas ou milhares de dólares para fechar os contratos. "Eu sabia que se reclamasse da taxa, seria simplesmente deixado de lado", disse ao New York Times Drew Flannelly, que pagou uma taxa de US$ 100.

A disputa entre donos e inquilinos segue também no mundo digital. Voltado aos proprietários, o aplicativo MyRental pesquisa a vida dos interessados em alugar, para levantar se há histórico de atraso de mensalidades, despejo ou envolvimento em algum crime.

O app dá uma nota a cada pessoa e promete prever as chances de o futuro morador atrasar o pagamento, danificar o imóvel ou ficar por um período longo. E se houver problemas, a ferramenta é capaz de gerar uma petição pronta, com as provas anexadas, para que o dono entre na Justiça.

De outro lado, a plataforma JustFix busca ajudar os inquilinos a se defender de processos, também de forma automatizada. E também ajuda a cobrar os donos que demoram a fazer reparos nos apartamentos.

Já no site Localize é possível pesquisar dados sobre a futura casa, como ocorrências no passado (presença de ratos, elevadores que quebraram) e também construções previstas nos arredores, que podem fazer bem (uma nova linha de metrô) ou mal (um prédio que bloqueará a iluminação solar) para a rotina.


Regras aprovadas em Nova York em junho

  • Processo de despejo só pode ser levado à Justiça após 14 dias. Antes, prazo era de três dias 
  • Aumentos deverão ser avisados com até 90 dias de antecedência; inquilinos que moram na mesma casa há mais tempo precisam ser informados antes
  • Garantia para contratos não pode ser maior do que o valor de um mês de aluguel
  • Imobiliárias podem cobrar no máximo US$ 20 de taxa dos locatários para fechar contratos

Propostas em debate agora

  • Limitar aumentos a 3% ao ano 
  • Dificultar despejo sem motivo
  • Caso não haja acordo sobre o aumento entre donos e inquilinos, caso seria levado para arbitragem 
  • Cobrar taxas de imóveis comerciais vazios por longos períodos
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