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Montevidéu distribui livros em cestas básicas para enfrentar isolamento

Obras de autores estrangeiros e uruguaios acompanham os alimentos

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Porto Alegre

Entre cenouras, leite, lentilha, produtos de higiene e outros itens de cesta básica, uma surpresa: livros. Para enfrentar o isolamento social durante a pandemia do novo coronavírus, a prefeitura de Montevidéu distribuiu 5.000 obras literárias a pessoas em situação social vulnerável.

O Uruguai tem 424 casos da Covid-19, segundo o governo, em uma população estimada em 3,5 milhões de habitantes.

Entre os autores das obras distribuídas, há clássicos como Hermann Hesse, Aldous Huxley, Alberto Camus, Júlio Verne e George Orwell. A literatura uruguaia foi contemplada com escritores canônicos, como Horácio Quiroga e Juan José Morosoli, e contemporâneos como Fabian Severo. Livros infantis e juvenis também foram entregues.

Livro dentro das cestas básicas que vão ser distribuídas em Montevidéu
Livro dentro das cestas básicas que vão ser distribuídas em Montevidéu - Prefeitura de Montevidéu/Divulgação

“A ideia é que a cesta básica, mais do que algo para superar a emergência, seja um carinho para o coração das pessoas”, disse à Folha Juan Canessa, secretário-geral da prefeitura e idealizador da iniciativa.

“Não se trata apenas de minimizar a crise em termos econômicos, mas de fortalecer o espírito. A literatura e a arte colaboram com isso. A distribuição permite que, em alguns casos, obras cheguem a pessoas que habitualmente não compram livros”, explica.

Administrada pela Frente Ampla (de esquerda), Montevidéu tinha deixado de entregar cestas básicas aos moradores carentes, que passaram a contar com programas federais de distribuição de renda. O secretário explica, porém, que a pandemia exigiu também uma reação municipal.

Em uma tarde ensolarada, uma dupla usando máscara e luvas chegou ao endereço da cantora brasileira Agness Zacura, 40. Mulher trans, ela recebeu uma das “canastas”, como se chamam as cestas básicas no Uruguai.

“Nos cumprimentamos com o cotovelo, sem poder dar um abraço, sem ver os sorrisos porque estavam de máscaras, mas a gente via nos olhos, aqueles sorrisinhos de olhos”, conta.

Zacura fez um “namastê” aos servidores públicos e começou a retirar os itens para higienizá-los. “Quando cheguei ao fundo da caixa, para minha surpresa, tinha uma edição em espanhol do 'Pequeno Príncipe', um livro que eu amo muito, que já li muitas vezes.”

“O livro fala sobre as coisas que realmente importam. É uma perspectiva que parece infantil, mas é profunda, ainda me emociono com ele”, diz ela sobre o livro do escritor francês Antoine de Saint-Exupéry.

A entrega para as pessoas transgêneros é parte do entendimento da prefeitura de que esse público fica ainda mais vulnerável com o isolamento social. “Ter um enfoque em direitos humanos é entender que as pessoas não tem apenas que alimentar o corpo, mas sua cultura, seu saber”, diz Andrés Scagliola, coordenador da Secretaria de Diversidade.

“Ler ajuda a passar mais rapidamente essa época de pandemia que vivemos. Foi uma surpresa porque veio embaixo e todos alimentos. Recebi ‘O Estrangeiro’, de [Albert] Camus”, diz Sofia Saunier, 45, multiartista que mantém um canal no YouTube.

Saunier diz que a quarentena afeta especialmente as mulheres trans que têm na prostituição a única fonte de renda. “Elas não podem sair para trabalhar, os clientes também não vão.”

Trabalhando em um carrinho que vende os “panchos” e “chorizos” típicos do Uruguai, Fiorella Clarissa Moretti, 55, também mulher trans, alegrou-se ao receber a cesta com um livro.

Ela está preocupada com o pagamento do aluguel quando parar de receber o seguro que compensa a falta de trabalho em razão da pandemia.

Moretti tem se dedicado a ajudar em uma cozinha comunitária. “Assim me sinto útil”, conta. “Quero voltar a respirar tranquila.”

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