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Plataforma põe estranhos para se olharem por um minuto pela internet

Criado há um ano, site viu fluxo de visitantes crescer 1.000% com as medidas de isolamento social

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São Paulo

A tela em modo de espera sinaliza que o programa está conectando você a uma pessoa-surpresa, potencialmente de qualquer lugar do mundo. A conexão é só por vídeo. Nada de som ou mensagem de texto.

Enquanto o software trabalha, é possível ler as recomendações do projeto Human.Online: “Mantenha o foco nos seus sentimentos e se preocupe menos em pensar. Tente ficar parado e resistir ao impulso de substituir a comunicação verbal por gestos.”

A experiência proposta é a de passar um minuto em silêncio na presença de outro ser humano randômico, criando uma “conexão sincera”, despida de discursos e desprovida de interesses que não o daquele encontro.

Nicolás aparece em um vídeo, com camisa cinza. Ele tem barba e cabelo raspado preto. O vídeo está dentro de uma tela rosa. Em cima, está escrito Human Minute
Nicolás Amaya, co-fundador e CEO do Human.Online - Divulgação Human.Online

Sua câmera liga, e uma silhueta indica a melhor posição dentro do retângulo de imagem. Mais alguns segundos e... Surpresa! Surge outro ser humano —tão interessante e frustrante como somos, a depender da combinação de expectativa, olhar e atitude, tanto de quem observa como de quem é observado.

A plataforma foi criada pelo engenheiro de softwares espanhol Nicolás Amaya, 32, com o “único objetivo de estar com o outro”. Ele desenvolveu Human.Online com o designer e pesquisador de experiência de usuário Ming Lee. Eles se conheceram em um workshop de espiritualidade para homens, em Praga, na República Tcheca. Ao time se uniu o colombiano Felipe Caballero, com quem compartilhavam o desejo de desenvolver uma ferramenta para “desenvolvimento pessoal” que permitisse a construção do que chama de “comunidades sinceras”.

“A plataforma permite uma conexão mais intensa porque ela é direta, entre duas pessoas, e se baseia no sentimento, e não na articulação de discursos e ideias”, defende.

No ar há pouco mais de um ano, o site viu seu fluxo de visitantes crescer 1.000% entre fevereiro e março, quando as medidas de isolamento social e quarentena tomaram a Europa e se espalharam pelo Ocidente no rastro da expansão do coronavírus.

Segundo Amaya, 75% do crescimento das duas últimas semanas vem do Brasil, que passou para a primeira posição entre as nacionalidades dos usuários da plataforma, seguido por Estados Unidos, Canadá, Itália, Espanha, Holanda, Alemanha e Colômbia.

O brasileiro é notório pelo uso intenso de redes sociais —é o terceiro colocado em volume de usuários do Facebook, posição que ocupa também no Instagram, encostado na Índia, segunda colocada.

Para Amaya, as mídias sociais tradicionais, nas quais cada indivíduo se relaciona com muitas pessoas ao mesmo tempo, não são capazes de oferecer esse tipo de experiência mais profunda. “Em tempos perturbadores como estes, as pessoas parecem estar encontrando no Human.Online a sensação de interconectividade, unidade e esperança de que precisam”, arrisca. “Estamos tocados pelos feedbacks positivos recebidos do Brasil.”

A experiência de um minuto de presença do Human.Online foi relatada por usuários à Folha como emocionante, como boba ou mesmo como um tanto frustrante. Também foi comparada a performances da artista plástica sérvia Marina Abramovic, cujo trabalho discute questões como a presença e a interdependência.

A atriz Ana Elisa Mello, 33, fez três sessões seguidas que lhe deram o que pensar. “Primeiro foi um rapaz que parecia indiano, e ficamos nos olhando por um minuto. Depois outro rapaz, que ficou sem graça e cortou a imagem. E, por último, uma garota que queria se comunicar e mostrou uma plaquinha com seu nome e localização: São Paulo”, ri.

Para ela, o mais legal é estar anônimo e manter o outro assim, o que libera os participantes “da ansiedade de ser e estar”.

“Sem definições de quem eu sou e de onde eu venho, a plataforma nos coloca em um outro lugar, sem território”, avalia. Isso, diz, aumentaria a sensação de interconectividade. “Estamos todos vivendo uma mesma situação [por conta da pandemia], e talvez por isso seja possível trocar um olhar de humanidade.”

O gestor cultural Renato Nery, 40, encontrou similaridades entre a proposta da plataforma e as práticas meditativas que segue há dez anos. “Despertar um estado de presença tem muito a ver com a meditação, assim como a observação das emoções e dos comportamentos automáticos”, diz ele, para quem ficar um minuto em silêncio observando o outro é uma maneira de observar a si próprio também.

Nery fez alguns desses encontros nos últimos dias, durante o isolamento. “Por mais que seja um pouco besta num primeiro olhar, se você fizer direito e observando a si, se torna uma experiência muito rica.”

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