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Diário de confinamento: 'Com avanço da crise, aumentam a tensão e as divergências'

Governo anuncia neste sábado (4) uma possível prorrogação do estado de alarme

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Barcelona

Dia #21 – Barcelona – Sexta, 3 de abril. Cena: hoje, e só hoje, me dei conta que estamos na primavera –há quase 15 dias.

A Espanha hoje contabiliza 117.710 casos de Covid-19, com quase 11 mil mortos.

Especialistas analisam que nos aproximamos de uma estabilização de casos. O governo estuda a possibilidade de estender o confinamento por mais duas semanas, até o final de abril. Pelo menos.

Socorro. Mas vamos.

Mulheres dançando na sacada de um prédio, em Barcelona - Nacho Doce - 3.abr.20/Reuters

Essa sensação de gato-que-subiu-no-telhado atiça, claro, o ambiente político. Com o avanço da crise, também aumentam a tensão, as divergências e os momentos deixa-eu-subir-no-caixote-de-fruta pra fazer discurso.

Se é assim agora, fico pensando como vai ser quando vier a rebordosa do confinamento, e a nação —o planeta— tiver que juntar os pedaços.

Nesta semana, Pablo Casado, do PP, líder da oposição, acusou o governo central de enfrentar a crise com um "coquetel explosivo de arrogância, incompetência e mentiras". Ainda por cima convidou-o a consultar seu expertise, desenvolvido, segundo Casado, em crises anteriores como a do ebola, em 2014 (quando, durante o governo do PP, uma enfermeira espanhola foi o primeiro caso —e o único confirmado na Espanha— fora do continente africano). Hmm.

Em entrevista para um canal de tevê, Casado reclamou da má gestão de recursos, disse que o premiê Pedro Sánchez não entra em contato pra conversar "há dez dias" e que a oposição vem apoiando as decisões governamentais mesmo sem ter acesso antecipado aos textos integrais (humm).

E aproveitou pra cair matando com a faquinha antissocialista não-Ginsu nos dentes em cima de seu xará, líder do Podemos, partido da coalizão governamental: "Pablo Iglesias começa a dizer que a propriedade privada está submetida ao interesse geral. Já vemos aonde leva isso. Leva à Venezuela ou à Grécia", disparou.

Por outro lado, algumas de suas sugestões ecoam considerações, em certa medida, populares. Uma delas: destinar um pagamento extra aos trabalhadores de saúde, "pelo risco que assumem", e suspensão de impostos aos demais que seguem na ativa durante o confinamento. Outra: cotas zero para empresas e autônomos inativos (no momento, em conjunto com a Fazenda, foram aprovadas moratórias de dívidas e cotas).

Cotejar críticas e histerias de todos os lados não é tarefa fácil.

Nem, aparentemente, recordar a história recente: apenas dois anos atrás, membros do então situacionista PP estrelavam escândalos de corrupção. Mais exatamente, o maior escândalo de corrupção da história da Espanha democrática, registrado nas fábulas adultas como "caso Gürtel".

Em miúdos: quase 40 pessoas envolvidas em uma grande rede de subornos, desvios de fundos públicos e caixa dois desbaratada ao longo de 11 anos de investigação, com saldo final de 29 condenados a um total de 351 anos de prisão e 245 mil euros (R$ 1,4 milhão) de multa para o PP —primeiro partido da história espanhola a ser condenado por corrupção.

Em 2018, o então chefe do Executivo, Mariano Rajoy (PP), teve que ir a público pedir perdão "a todos os espanhóis". Ele saiu de cena em junho do mesmo ano após uma moção de censura do Parlamento, deixando o lugar para Sánchez, atual primeiro-ministro.

Uma frase de Rajoy ficou famosa na época. Em mensagem de texto ao ex-tesoureiro do PP, logo após este ser imputado por suas escusas movimentações de muchos milhões de euros na Suíça em 2013, ele escreveu: "Luís, (...) seja forte".

Uma imagem na tevê me chamou a atenção ontem. Entre os cidadãos saindo às ruas espavoridos, vestidos tipo filme do ET apocalíptico, a reportagem mostrava um flagra noturno tomado de um helicóptero numa praia na Galícia. Homens foram surpreendidos descarregando pacotes de alguma droga de um barco, os torsos nus, as calças enroladas até os joelhos —mas bem protegidos do vírus. "Até o narcotráfico está usando máscaras e luvas!", exclamava a voz em off, quase que aprovadoramente. Muito bem, sejamos fortes.

“Músicas para Quarentenas” podem ser escutadas aqui.


DIÁRIO DE CONFINAMENTO

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