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Turquia decreta feriado com 'lockdown' para evitar aglomerações pós-Ramadã

Analistas elogiam estratégias de Erdogan no combate ao vírus, mas temem uso político da pandemia

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Bauru

Neste ano, o Eid al-Fitr, celebração que marca o fim do Ramadã, não terá na Turquia as tradicionais reuniões de família e as orações que congregam milhares de muçulmanos.

O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, decretou "lockdown" de quatro dias, a partir deste sábado (23), como forma de tentar conter a propagação do coronavírus.

É a primeira vez que uma medida de restrição é implementada em todas as partes do país que, até esta sexta (22), registrou mais de 153 mil casos e 4.249 mortes, segundo a universidade Johns Hopkins.

A Turquia exibe índice de mortes por milhão de habitantes menor do que o dos países europeus mais afetados pela Covid-19 e o do vizinho Irã. Já em relação aos que fazem fronteira mas têm territórios muito menores, apresenta dados mais altos.

Ponte do Bósforo e mesquita de Ortakoy iluminados em Istambul
Ponte do Bósforo e mesquita de Ortakoy iluminados em Istambul - Ozan Kose - 19.mai.20/AFP

Analistas ouvidos pela Folha avaliam de maneira positiva estratégias adotadas pelo governo turco, mas têm opiniões divididas sobre o uso político que Erdogan tem feito da pandemia.

O toque de recolher imposto para pessoas de até 20 anos e com mais de 65, por exemplo, foi apontado como uma medida acertada do governo.

"A Turquia tentou proteger a população mais vulnerável [idosos] e também o grupo com maior mobilidade [jovens], que podem transmitir o vírus sem apresentar sintomas", analisa Tahir Kihlavuz, pesquisador turco na Universidade Harvard, nos EUA. "O toque de recolher aos finais de semana também ajudou."

Para ele, entretanto, as medidas vieram tarde e levaram o país a uma "fase assustadora", colocando-o entre as nações com os maiores números de casos confirmados. Nesse ranking, o país ocupa, atualmente, a nona posição.

Apesar de ter posicionamento político aposto ao de Erdogan, o turco naturalizado brasileiro Mustafa Goktepe, presidente do Instituto pelo Diálogo Intercultural —antigo Centro Cultural Brasil-Turquia—, reconhece, com ressalvas, acertos do presidente.

Um dos exemplos é o sistema de rastreamento de pessoas que tiveram contato com infectados pelo coronavírus. Diversos países desenvolveram aplicativos para esse tipo de monitoramento, o que tem, inclusive, levantado críticas de ameaças à privacidade dos cidadãos.

Na Turquia, entretanto, o trabalho é manual. Cerca de 6.000 médicos e profissionais de saúde foram treinados pelo Ministério da Saúde local para ir pessoalmente às casas e examinar os moradores.

Quem teve contato com pessoas infectadas é orientado a ficar em quarentena por 14 dias, mesmo que não apresente sintomas. Os que reportam algum tipo de sintoma recebem novas visitas para coleta de amostras e realização de testes de coronavírus.

Esse modelo permitiu que cerca de 1,6 milhão de turcos fizessem exames de detecção da Covid-19 desde os primeiros casos confirmados, em março.

Goktepe classifica a administração de Erdogan como um "regime autoritário e ditatorial" e, em sua avaliação, essas características favorecem a implementação de medidas de restrição.

O cientista político turco e professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo Karabekir Akkoyunlu concorda que a administração de Erdogan é autoritária, "acumulando enorme poder na Presidência às custas do Parlamento, do Judiciário, dos governos locais e da sociedade civil."

Para o professor, porém, é problemático o argumento de que regimes autoritários lidam melhor com crises como a atual porque podem tomar decisões drásticas sem considerar limites constitucionais ou reações da opinião pública. "Nem todos são eficazes como o Partido Comunista Chinês para controlar um país."

"A Turquia ainda tem uma aparência de democracia e uma oposição vocal, apesar dos anos de repressão. Ficou evidente que democracias em que o governo central age em coordenação com os governos locais, como Alemanha, Coreia do Sul e Nova Zelândia, estão mais bem equipadas para responder às crises."

Para Ariel González Levaggi, doutor em ciência política pela Universidade Koç, na Turquia, e professor da Pontifícia Universidade Católica da Argentina, Erdogan é um líder conservador como Donald Trump e Jair Bolsonaro, porém "teve um reflexo mais rápido" para concentrar o poder de decisão na pandemia.

No Brasil e nos EUA, presidentes e governadores protagonizaram uma série de divergências em relação à resposta dada ao coronavírus. O fato de que Erdogan e o Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP) estão no poder há 18 anos oferece vantagem ao líder turco nesse aspecto.

Segundo Levaggi, a pandemia também não mudou a postura do presidente turco em relação à sua política externa. "Erdogan continua em modo de diplomacia de duas vertentes: uma que inclui raiva de seus parceiros ocidentais e outra com tentativas de sedução em nível global por meio da cooperação internacional em matéria de insumos para combater o coronavírus."

A Turquia tem enviado caixas de equipamentos e suprimentos médicos a dezenas de países, sob o pretexto de ajudar no combate ao coronavírus. Os kits são estampados com a bandeira da Turquia e selos do presidente Erdogan.

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