Descrição de chapéu Coronavírus

EUA podem enfrentar onda de despejos, e negros serão mais afetados

Veto federal a expulsões terminou nesta sexta; alguns estados estenderam proteção

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São Paulo

No começo da pandemia de coronavírus, os Estados Unidos estabeleceram vetos a despejos para lidar com os efeitos econômicos que chegaram com a crise sanitária.

Conforme as restrições se aproximam do fim, apesar do desemprego e da retração da economia, cresce o risco de uma onda de expulsões capaz de tirar de casa milhões de pessoas nos próximos meses.

Um bloqueio que protegia contratos de aluguel e financiamentos com seguro federal venceu nesta sexta-feira (24). Ele beneficiava 12,3 milhões de moradias, que inclui 30% das casas alugadas do país.

Ativista protesta em San Diego, na Califórnia, com cartaz que diz 'despejos = morte'
Ativista protesta em San Diego, na Califórnia, com cartaz que diz 'despejos = morte' - Mike Blake - 17.jul.2020/Reuters

O governo federal não deu mostras de que irá estendê-lo. O Congresso debate possíveis medidas de auxílio, mas ainda não há nada concreto.

Após o fim dessa moratória, que não cancelou as cobranças de aluguel do período, os proprietários precisam esperar ao menos 30 dias para expulsar os inquilinos.

Um levantamento do Eviction Lab, da Universidade Princeton, aponta que até 28 milhões de pessoas podem ser expulsas nos próximos meses. Como comparação, 10 milhões foram despejados após a crise de 2008.

Outras entidades também alertam para o risco de que milhões de pessoas sejam afetadas, especialmente negros, latinos e imigrantes em situação irregular.

“Essas populações são mais afetadas pelo desemprego, pois muitos trabalhavam no setor de serviços, atingido duramente pela pandemia”, diz Margaret Dewar, professora emérita de urbanismo na Universidade de Michigan. "Esses grupos também tiveram muitos casos de Covid-19, o que compromete a geração de renda das famílias."

Dewar defende que os estados deem auxílios para as famílias mais pobres pagarem o aluguel nesse período, além da criação de mecanismos como o parcelamento de dívidas e apoio para a mediação de acordos entre inquilinos e proprietários.

“Os estados enfrentam queda de arrecadação por causa da pandemia e será necessário dinheiro federal”, avalia. “O importante agora é reduzir a velocidade dos processos de despejo para que as famílias tenham tempo para se reerguer.”

Alguns estados e cidades criaram seus próprios vetos a expulsões, com prazos variados. Nova York o estendeu até agosto. Massachusetts, até outubro. Na Califórnia, a proteção vale por 90 dias após o fim do estado de emergência.

Já em outros estados, a prática foi retomada. No Texas, que vive alta de casos de Covid-19, o veto caiu em maio, e Houston teve mais de 5.000 processos de despejo.

Na cidade de Milwaukee, no Wisconsin, houve quase 2.000 ações após o fim do veto, também em maio. O número é quase o dobro do registrado antes da pandemia.

A desocupação forçada pode contribuir para aumentar a contaminação pelo coronavírus. Quem perde a moradia e não consegue outra acaba indo morar na casa de parentes ou em abrigos públicos, situações que dificultam o distanciamento social. No pior dos casos, podem viver na rua ou passar a dormir em carros.

O problema tende a agravar o número de pessoas sem-teto que têm ido para as ruas em metrópoles como San Francisco e Los Angeles nos últimos anos, devido à alta do preço das casas.

Ser expulso agora pode significar dificuldades mesmo quando a situação econômica melhorar. Uma ação de despejo fica salva nos registros imobiliários por até sete anos, o que atrapalhará os inquilinos na hora de buscar novas casas.

De outro lado, proprietários reclamam que as medidas de proteção prejudicam sua renda. "O setor de aluguel não pode suportar sozinho o fardo financeiro da pandemia", disse Bob Pinnergar, CEO da NAA (Associação Nacional do Apartamento, que reúne locadores).

Segundo ele, metade dos proprietários de imóveis do país são mães e pais que contam com as locações para custear suas aposentadorias.

Há sinais de que os donos estão com pressa de agir. Um levantamento feito pelo Private Equity Stakeholder Project encontrou ao menos cem tentativas de despejo em casos protegidos pelo veto federal.

Se os bloqueios estaduais de fato acabarem nos próximos meses, poderá haver uma onda de expulsões de casa em meio à campanha eleitoral, na qual o presidente Donald Trump busca a reeleição.

Trump teve queda nas pesquisas após minimizar a pandemia. Os Estados Unidos se tornaram o país mais atingido no mundo, com mais de 4 milhões de infectados.

Países como Argentina, Alemanha e Espanha proibiram despejos ao menos até setembro. Os vetos foram acompanhados de medidas como congelamento de preços e linhas de crédito para inquilinos.

A regra espanhola diferencia pequenos e grandes proprietários, dando preferência a auxiliar quem tem poucas posses. Corporações imobiliárias terão de dar descontos e aceitar parcelamentos de dívidas em até três anos.

No Brasil, o presidente Jair Bolsonaro vetou, em junho, o trecho de um projeto de lei que impedia expulsões durante a pandemia.

O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) fez uma recomendação para que juízes evitem aprovar despejos e reintegrações de posse neste momento, mas com pouco sucesso.

“Essa recomendação tem sido ignorada, e as reintegrações seguem em andamento, muitas delas a pedido de prefeituras e governos estaduais”, avalia Danielle Klintowitz, coordenadora do Instituto Pólis.

“Com isso, as pessoas acabam iniciando novas ocupações ou indo para outras já existentes, o que aumenta o risco de contágio pela Covid-19. Ou caem em situação de rua”, prossegue.

Na quinta (23), movimentos populares e centros de pesquisa lançaram a campanha Despejo Zero, com o objetivo de proibir a prática no Brasil. A ação une MST (Movimento dos Sem-Terra), MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e grupos de pesquisa da USP, PUC-SP e UFABC.

No começo de julho, o relator especial da ONU para moradia Balakrishnan Rajagopal questionou a demora do Brasil em tomar medidas para proteger o direito a ter uma casa e pediu ao governo a ampliação da proteção aos pobres.

"Forçar moradores para fora de seus lares, independentemente do status legal de um contrato, é uma violação dos direitos humanos", afirmou Rajagopal, em um comunicado.


Medidas tomadas pelos países sobre despejos

Estados Unidos
Vetou despejos para aluguéis com seguro federal, mas a medida expirou em 24.jul. Diversos bloqueios estaduais seguem em vigor

Alemanha
Proibiu expulsões até setembro e deu crédito para ajudar pequenos proprietários que perderem renda

Argentina
Impediu a prática e congelou preços até setembro. Aluguéis desse período poderão ser refinanciados e pagos a partir de outubro

Brasil
Jair Bolsonaro vetou proposta de proibição, e despejos seguem permitidos

Espanha
Bloqueou despejos até o setembro e oferece crédito para inquilinos. Corporações imobiliárias terão de aceitar parcelamentos de aluguéis atrasados em até três anos

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