Trump muda discurso, recomenda máscaras e diz que pandemia 'vai piorar antes de melhorar'

Presidente reage à queda nas pesquisas eleitorais e às críticas de sua gestão contra coronavírus

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Washington

Pressionado por pesquisas que apontam um cenário cada vez mais difícil para sua reeleição, Donald Trump decidiu testar uma mudança de postura diante da pandemia que já matou mais de 140 mil pessoas nos EUA.

O aparente novo comportamento inclui a defesa do uso de máscaras no combate ao coronavírus, o retorno das aparições diárias para falar da crise com gravidade e a suspensão de grandes eventos de campanha no momento em que o país mergulha em novos recordes de casos de Covid-19.

Não é a primeira vez que Trump ensaia um tom mais sério frente à pandemia. Seu histórico errático, portanto, exige cautela ao avaliar transformações que podem ser pouco consistentes e tomar rapidamente outro rumo caso não surtam o efeito eleitoral esperado pelo republicano.

Mas, nesta terça-feira (21), o presidente decidiu cristalizar a mais nova direção.

O presidente dos EUA, Donald Trump, durante entrevista coletiva na Casa Branca, em Washington
O presidente dos EUA, Donald Trump, durante entrevista coletiva na Casa Branca, em Washington - Leah Millis/Reuters

Em um discurso curto e sem improvisos, Trump leu frases sobre a seriedade da crise e falou em defesa das máscaras, do distanciamento social e da cautela na ocupação de bares e restaurantes, após meses vociferando justamente o contrário.

"Infelizmente [o cenário] vai ficar pior antes de melhorar. É uma coisa que não gostaria de dizer, mas é como é", afirmou o presidente em sua primeira entrevista coletiva sobre a pandemia desde meados de abril.

"Quando não for capaz de fazer distanciamento social, use a máscara. Se você gosta ou não, elas têm um impacto. Elas vão ter um efeito e precisamos de tudo que puder ajudar."

O presidente não defendia o uso das máscaras e só se deixou ver publicamente com uma no dia 11 de julho. No início da semana, postou uma mensagem no Twitter para dizer que "muitos dizem ser patriótico usar a máscara" e, nesta terça, deu um novo passo ao tirar uma do bolso e mostrá-la às câmeras.

"Eu carrego a máscara, não tenho problema. Quando estou no elevador, com meus seguranças do Serviço Secreto, eu uso."

Trump não estava acompanhado de nenhum especialista de sua equipe e respondeu a poucas perguntas no evento desta terça, ao contrário do que fazia habitualmente quando o tema era a pandemia.

Sem Anthony Fauci, principal autoridade de doenças infecciosas dos EUA e figura recorrente na Casa Branca no início da crise, o presidente sinalizou que não pretende dividir holofotes enquanto tenta garantir seu palanque eleitoral em horário nobre.

Nos poucos mais de 20 minutos em que ficou diante dos jornalistas, Trump tentou passar uma mensagem de liderança, reforçando a ideia de que a prioridade dos EUA é desenvolver a vacina.

Mas, em vários momentos, usou informações falsas, como quando disse que os testes são um sucesso no país e insistiu na tese de que o vírus "vai desaparecer" em algum momento, sem apresentar uma proposta nacional de combate à doença.

A motivação para a mudança de comportamento do presidente bebe nos dados que mostram sua popularidade em queda e na contrariedade de líderes republicanos que se afastaram de suas diretrizes, cientes de que o negacionismo e a falta de liderança não funcionam em uma crise dessas proporções.

Levantamentos nacionais e em estados-chave para a disputa à Casa Branca mostram Trump muito atrás de seu adversário, o democrata Joe Biden, e refletem a insatisfação de uma grande parte da população americana com a condução da pandemia pelo presidente.

Pesquisa divulgada pelo Washington Post/ABC News no fim de semana coloca Biden 15 pontos à frente de Trump: 55% a 40%, enquanto dois terços dos entrevistados dizem ter pouca ou nenhuma confiança no republicano quando o assunto é coronavírus.

"Eles vão me julgar sobre a pandemia, mas também sobre economia, sobre os empregos que criei. O ano que vem será um grande ano", disse o presidente ao ser questionado sobre como os americanos iriam avaliar sua postura diante da pandemia nos últimos meses.

Com o avanço vertiginoso dos novos surtos em pelo menos 43 dos 50 estados americanos, Trump passou a enfrentar resistência de aliados que não viam mais eficácia na sua retórica de negação.

Governadores republicanos, como os do Texas e da Flórida, por exemplo, reviram seus processos de retomada econômica e passaram a defender o uso da máscara pela população a despeito do que dizia Trump —essas regiões reabriram atividades de forma precoce com estímulo do presidente e agora estão no novo epicentro da crise no país.

Apesar de o uso de máscara ter virado uma batalha política entre o senso coletivo e a liberdade individual nos EUA, pesquisas mostram que 65% dos americanos dizem utilizar o item de proteção na maior parte do tempo ao saírem de casa —e esses índices têm aumentado conforme a situação piora nos EUA.

Acuado pela realidade dos números, Trump começou a ensaiar as mudanças. Além da posição sobre as máscaras, o presidente já havia feito mudanças pontuais no funcionamento de sua campanha e nesta semana intensificou negociações para aprovação de mais um pacote econômico no Congresso que pode chegar a US$ 1 trilhão (R$ 5,17 trilhões).

Entre os estímulos, estão recursos para reabrir escolas, apoiar pequenas empresas, impulsionar os testes para Covid-19 e manter o fluxo de dinheiro para os americanos enquanto a crise se aprofunda.

O governo americano já distribuiu cheques de US$ 1.200 (R$ 6.200) a pessoas que ganham até US$ 75 mil (R$ 387 mil) por ano e, segundo o líder da maioria no Senado, Mitch McConnell, deve haver uma nova rodada de pagamentos.

Depois do fiasco de seu comício em Tulsa —esvaziado e que resultou em diversos casos de Covid-19 entre apoiadores e sua equipe—, o presidente desmarcou um evento em New Hampshire alegando mau tempo e disse que, a partir de agora, fará telecomícios, telefonando a seus eleitores em vez de reuni-los sem distanciamento social em ambientes fechados.

Na semana passada, Trump anunciou a substituição de seu coordenador de campanha, o especialista digital Brad Parscale, por seu número dois, o veterano assessor republicano Bill Stepien.

A troca foi considerada uma mostra de que o presidente finalmente admitiu, mesmo que só internamente, que sua campanha não vai bem e que era preciso mexer peças no xadrez da sua equipe.

A avaliação dos especialistas é que modificações no time e no funcionamento de sua campanha não devem mudar a percepção de grande parcela dos americanos que o vê como um líder pouco eficaz para guiar o país durante a pandemia.

Para isso, o presidente deveria mudar decisões que tomou e rever posicionamentos, considerando, inclusive, mais uma ordem nacional de quarentena.​

Sem estratégia clara sobre qual é a proposta para seu segundo mandato ou mesmo como atingir em cheio Biden, Trump parece seguir um caminho titubeante até encontrar uma posição que reverta o cenário que hoje é bastante ruim para o presidente.

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