A principal aliança rebelde do Sudão chegou a um acordo de paz com o governo do país com o objetivo de encerrar uma guerra civil de 17 anos de duração.
De acordo com a Suna, agência oficial de notícias do Sudão, a Frente Revolucionária Sudanesa (FRS), grupo que reúne quatro movimentos de guerrilha, aceitou o acordo na noite de sábado (29). A coalizão é formada por movimentos que lutaram em Darfur, assim como nos estados de Kordofan e Nilo Azul.
Uma cerimônia formal de assinatura deve ocorrer na segunda-feira (31) em Juba, capital do Sudão do Sul, país vizinho que ajudou a mediar as longas negociações de paz iniciadas no final de 2019.
O líder dos mediadores e conselheiro do governo sul-sudanês para questões de segurança, Tutkew Gatluak, rubricou os documentos e disse que seu país "colocou em prática o que se comprometeu com o povo sudanês para conseguir a paz".
Segundo a Suna, os protocolos definidos pelo acordo cobrem questões essenciais para o cenário sociopolítico do país, como segurança, propriedade de terras, justiça de transição, divisão de poder e repatriamento de refugiados e deslocados.
Além disso, prevê o desmantelamento das forças rebeldes e a integração de seus combatentes no exército nacional. Dois grupos de resistência, entretanto, se recusaram a participar do acordo: o Movimento de Libertação do Sudão e o Movimento Popular de Libertação do Sudão do Norte.
Neste domingo (30), o premiê sudanês, Abdalla Hamdok, e vários ministros voaram para Juba, onde se reunirão com Salva Kiir, presidente do Sudão do Sul.
"Na declaração de Juba em setembro, todos esperávamos que a paz fosse assinada dentro de dois ou três meses, mas percebemos que as questões eram de uma grande complexidade", disse Hamdok.
"No entanto, conseguimos realizar este grandioso feito, e este é o início da construção da paz."
Os grupos rebeldes se armaram contra o governo estabelecido em Cartum, capital do Sudão, por se sentirem alvos de marginalização política e econômica.
Os guerrilheiros são, em grande parte, oriundos de grupos de minoria não-árabe. O domínio árabe de sucessivos governos em Cartum foi, inclusive, um dos principais alvos dos rebeldes, como no caso do autocrata Omar al-Bashir.
Forjar a paz com os rebeldes tem sido a pedra angular do governo de transição do Sudão, que assumiu o poder meses após a queda de Bashir. A ONU estima que mais de 300 mil pessoas morreram desde 2003 durante os confrontos com os guerrilheiros no país.
Este não é, entretanto, o primeiro acordo de paz entre as duas forças do Sudão. Documentos semelhantes foram assinados em 2006, na Nigéra, e em 2010, no Qatar, mas não funcionaram como uma solução definitiva para a guerra civil sudanesa.
Julgamento de Omar Al-Bashir
O ditador foi deposto pelas Forças Armadas do Sudão em abril de 2019, depois de 30 anos liderando o país com mão de ferro. Sua queda foi precedida por protestos que começaram devido ao aumento no preço do pão e se espalharam rapidamente pelo país, com cerca de 40 milhões de habitantes.
Em julho, Bashir seria julgado pelo golpe militar de 1989 que derrubou o primeiro governo democraticamente eleito no Sudão. As audiências, entretanto, foram adiadas por falta de espaço para os quase 200 advogados do ditador e seus 27 aliados, em meio à necessidade de distanciamento físico para conter a propagação do coronavírus.
Na nova data, 11 de agosto, o julgamento foi novamente adiado porque advogados de três dos réus apresentaram pedidos para que seus clientes pudessem ser libertados sob pagamento de fiança. O pedido foi rejeitado e o julgamento foi retomado duas semanas depois, na última terça-feira (25).
Na nova audiência, porém, o julgamento foi adiado uma terceira vez, até a próxima terça-feira (1º). Um advogado de defesa voltou a argumentar que as medidas estabelecidas pelo tribunal não são suficientes para proteger contra o risco de contágio da Covid-19.
Além disso, a defesa se opôs à decisão do Judiciário sudanês de demitir 152 juízes devido aos seus vínculos com o regime de Bashir. Segundo o advogado, a demissão restringe a liberdade dos juízes para tomar decisões.
O julgamento, entretanto, é único no mundo árabe, já que nenhum golpista bem-sucedido na história recente foi levado ao tribunal.
Bashir é considerado foragido pelo Tribunal Penal Internacional, corte sediada em Haia (Holanda) e responsável por julgar suspeitos de crimes contra a humanidade.
O ex-ditador é acusado de apoiar um genocídio na região de Darfur, no sudoeste do país.
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