Descrição de chapéu Coronavírus

O que aconteceu com três casos emblemáticos de combate à pandemia?

Saiba como estão a restritiva Nova Zelândia, a permissiva Suécia e o meio-termo Japão

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São Paulo

Três dos países mais desenvolvidos do planeta, três abordagens diversas e emblemáticas contra a Covid-19.

Na Nova Zelândia, a opção foi pelo endurecimento das regras de isolamento social. A Suécia adotou modelo oposto e virou símbolo de permissividade. Entre os extremos, o Japão achatou a curva da doença, mas agora sofre um crescimento do número de casos.

As escolhas mostram como a receita para combater o coronavírus não segue um modelo único nem entre países que passam longe do negacionismo de governantes.

Pessoas com máscaras visitam mercado nas ruas de Tóquio, no Japão
Pessoas com máscaras visitam mercado nas ruas de Tóquio, no Japão - Philip Fong - 1º.ago.20/AFP

Examinados de perto, os casos também revelam algumas nuances, que destoam da imagem que seus países projetaram na crise.

A inegável história de sucesso neozelandesa teve como efeito colateral o aumento no sentimento xenófobo. A flexibilidade sueca levou a número maior de mortes, mas contou com amplo respaldo popular. No Japão, o conceito de uma sociedade ultradisciplinada sofreu abalos.

Restritiva, Nova Zelândia vê crescer preocupação com racismo

Com medidas rígidas de isolamento, população bem-informada e uma líder que inspira confiança, a Nova Zelândia se tornou o padrão-ouro nas estratégias de combate ao coronavírus.

O país da Oceania foi um dos primeiros a se declarar livre da doença, no começo de junho, mas a curva já vinha caindo acentuadamente desde abril. Houve 1.560 casos, com 22 mortes.

A Nova Zelândia fechou totalmente o comércio não essencial, as escolas e as fronteiras e entrou em virtual paralisia durante cinco semanas. Conseguiu esclarecer a população sobre o perigo da doença e minimizar a desinformação.

Segundo pesquisa conduzida pela Universidade Massey, uma das maiores do país, realizada entre 26 de junho e 13 de julho, 94% dos entrevistados disseram ter conhecimento de que o vírus pode ser transmitido por pessoas que não apresentam sintomas.

Também 94% afirmaram ser falso que apenas idosos podem contrair a Covid-19, e 84% cravaram não ser verdadeiro que a hidroxicloroquina, defendida por líderes da direita populista como Donald Trump e Jair Bolsonaro, pode prevenir ou matar o vírus.

A premiê da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, durante entrevista coletiva sobre a crise do coronavírus, em Wellington
A premiê da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, durante entrevista coletiva sobre a crise do coronavírus, em Wellington - Marty Melville - 8.jun.20/AFP

“Muito do crédito vai para a liderança política e científica, que transmitiu mensagens de saúde claras e simples, com cordialidade e empatia, que tiveram ressonância com o público”, diz o professor Jagadish Thaker, um dos coordenadores da pesquisa.

Numa escala de 0 a 10, a primeira-ministra Jacinda Ardern recebeu nota 8,45 para seu desempenho como comunicadora durante a crise. Ela é favorita para obter um novo mandato na eleição marcada para 19 de setembro.

Apesar de a Nova Zelândia ser um caso de sucesso, a pesquisa mostrou como a doença deu novo relevo a algumas cicatrizes na sociedade local.

Uma das principais é a marginalização da minoria maori, povo originário do país, que perfaz 15% da população. Entre membros desta etnia, 20% disseram ter perdido seu emprego durante a crise, contra 11% entre os neozelandeses brancos.

“A pandemia trouxe à superfície injustiças históricas profundas, e claramente mostra a necessidade de ações mais focadas para ajudar os maoris a voltar ao mercado”, afirma Thaker.

A doença também consolidou sentimentos latentes contra outra minoria, a dos descendentes de imigrantes da China, país que é o berço da doença. É uma comunidade pequena, com 5% da população, mas influente economicamente no país.

Entre os entrevistados, 24% disseram que provavelmente deixarão de comer em restaurantes chineses. O mesmo percentual afirma que se recusaria a entrar em um Uber caso o motorista tenha nome chinês.

Preocupado com o crescimento de ataques verbais e em redes sociais direcionados a neozelandeses de origem asiática, o governo lançou em 16 de julho uma campanha nacional com o mote “Racismo não é piada”.

Permissiva, Suécia aposta em ‘lockdown voluntário’

Oitavo país do mundo com maior índice proporcional de mortes por coronavírus, a Suécia se destaca como um ponto quente da pandemia em meio à placidez escandinava. Mas muitos de seus 10 milhões de habitantes não parecem muito abalados.

Pessoas caminham em Estocolmo em meio à pandemia de coronavírus
Pessoas caminham em Estocolmo em meio à pandemia de coronavírus - Jonathan Nackstrand - 27.jul.20/AFP

Com a curva de mortes e casos sob controle, os suecos viraram garotos-propaganda involuntários dos que se opõem ao distanciamento social, inclusive bolsonaristas no Brasil.

Uma pesquisa realizada entre 16 e 20 de julho pela Agência Sueca de Contingências Civis, ligada ao governo, mostrou que 55% da população têm confiança alta ou muito alta na resposta dada à crise.

E que medidas foram essas? Na verdade, o mais correto seria chamá-las de “recomendações”, diz Erik Angner, professor de Políticas Públicas da Universidade de Estocolmo.

“A abordagem sueca baseou-se em orientações e conselhos do governo, em vez de obrigatoriedade. Isso é algo único no mundo”, afirma ele.

No lugar de impor fechamento de estabelecimentos comerciais ou escolas e ameaçar com multas, as autoridades apenas estabeleceram parâmetros.

Pediram à população que trabalhasse de casa na medida do possível, evitasse transporte público e postergasse visitas a casas de repouso de idosos.

Nos restaurantes, proibiram acomodação em pé ou em balcões, mas permitiram atendimento em mesas. Escolas primárias permaneceram abertas.

Segundo o professor, a tradição legal do país levou a que esse formato fosse adotado e aceito.

“Há uma moldura constitucional que dá às pessoas o direito de se mover pelo país. O Poder Executivo não tinha o poder de ordenar um 'lockdown' completo”, afirma.

O Parlamento poderia ter mudado a lei para dar mais poderes ao governo, mas não se mexeu.

Outra característica sueca é o poder das agências especializadas, que têm tradição de autonomia.

“Casais com crianças pequenas puderam enviá-las para creches, a maioria das pessoas pôde trabalhar, manter sua renda, sair de casa. Tudo isso foi importante para manter o apoio às políticas”, diz Angner.

Segundo a pesquisa, 87% dos entrevistados disseram estar seguindo medidas de distanciamento voluntariamente.

O motivo pelo qual a agência nacional de saúde optou por uma abordagem menos restritiva não deixa de ser algo intrigante. Obter a chamada “imunidade do rebanho” não foi um objetivo declarado, mas pode ter sido um efeito colateral da estratégia.

O professor cita duas razões: primeiro, o mandato das autoridades de saúde é amplo e tem de contemplar também os efeitos colaterais do confinamento, como violência doméstica, depressão e suicídio. Além disso, uma abordagem menos radical pode ser mantida por mais tempo.

“As autoridades de saúde queriam restrições sustentáveis, que poderiam manter por um longo período, dado que esse vírus não vai desaparecer em breve”, afirma.

Há alguns sinais aparentes de desconforto, no entanto. A mesma pesquisa registrou uma queda no percentual dos que veem o futuro de maneira positiva, de 68% para 63%. Os que estão pessimistas subiram de 24% para 27%.

Pode ser algum caso de remorso coletivo pelo número de mortos. Ou talvez o fato de a Suécia estar se sentindo um tanto mal-amada na vizinhança.

“Tivemos restrições para entrar na Dinamarca e na Noruega. Isso é um grande insulto para nós”, diz Angner.

No meio-termo, Japão tem nova onda e arranhão em imagem disciplinada

Em 25 de maio, o Ministério da Saúde do Japão suspendeu o estado de emergência no país em razão da Covid-19 que estava em vigor desde o início de abril.

Pessoas em bar em área boêmia de Tóquio, capital da Japão - Behrouz Mehri/AFP

Na justificativa para a decisão, o órgão alertou: “A correta adoção de um novo estilo de vida para prevenir infecções é pré-requisito para avançar”.

O ministério pedia que as pessoas evitassem espaços fechados, lugares cheios e situações de contato próximo.

Naquele momento, a pandemia parecia vencida, com um número diário de casos abaixo de 50. Desde o começo de julho, no entanto, o Japão vive um crescimento do número de casos, com perto de mil novas contaminações por dia.

Embora a situação ainda esteja longe do pico da pandemia no país, as autoridades se mostram preocupadas. Uma volta ao estado de emergência já é cogitada. Teria a famosa disciplina da população japonesa fraquejado?

“Há um claro sinal de que estamos entrando no período de uma segunda onda de contágio. A situação no início de junho estava relativamente sob controle. No entanto, conforme as pessoas começam a se movimentar, as doenças infecciosas começam a se espalhar”, diz Mikitaka Masuyama, do Instituto Nacional de Graduação em Estudos Políticos, de Tóquio.

Ele considera, no entanto, um exagero dizer que houve desleixo da população. “As pessoas levaram os pedidos do governo a sério, procuraram usar máscaras e ficar em casa o máximo possível”, diz ele.

No início da pandemia, o governo japonês foi criticado por uma suposta demora em tomar medidas para fechar o país. Para Masuyama, a relutância se deve em parte à tentativa de preservar até o limite a Olimpíada de Tóquio, que acabou adiada para 2021.

Outro ponto é o fato de o governo central ter jurisdição limitada sobre todo o país. “O governo não tem autoridade para determinar um 'lockdown'”, afirma.

Pesquisador do Instituto de Política de Saúde Global, também baseado na capital japonesa, Matt McEnany afirma que a população ainda está se adaptando a rotinas de vida e trabalho novas, às quais não estava habituada.

Acostumados a usar máscara mesmo antes da pandemia, muitos japoneses podem ter avaliado que apenas manter essa medida seria suficiente.

“Eu realmente penso que o comportamento do público está contribuindo para a situação, em particular a falta de distanciamento social”, afirma.

“A sociedade japonesa está passando por uma mudança. Algumas pessoas abraçam essa alteração, e outras estão menos confortáveis com ela. Vai levar tempo até o debate entre esses dois grupos se resolver”.

McEnany discorda que o governo tenha atrasado a implementação de ações para combater o coronavírus. Para ele, se houve relutância em tomar algumas medidas, foi em razão de considerações econômicas.

“A economia é sempre uma preocupação no Japão. Afinal, o país passou por quase duas décadas de deflação, e a pandemia está tendo um impacto bastante negativo”, diz.


Como cada um dos países foi afetado

SUÉCIA (população 10.202.491)
Total de casos 80.422
Total de mortes 5.743
Primeiro caso 28.fev
Pico dos casos 28.mar (146)
Primeira morte 28.mar
Pico das mortes 14.abr (115)


NOVA ZELÂNDIA (população 4.925.477)
Total de casos 1.560
Total de mortes 22
Primeiro caso 28.fev
Pico dos casos 28.mar (146)
Primeira morte 28.mar
Pico das mortes 14.abr (4)

JAPÃO (população 125.507.472)
Total de casos 33.049
Total de mortes 1.004
Primeiro caso 15.fev
Pico dos casos 11.abr (743) e 30.jul (1.148)
Primeira morte 15.mar
Pico das mortes 4.mai (49)

Fonte: Worldometers e CIA World Factbook

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