Líderes bem-sucedidos no combate à pandemia unem empatia a postura firme

Segundo analistas, faltam solidariedade e acolhimento da população a Bolsonaro e Trump

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Bauru

Durante o enfrentamento da pandemia, índices de popularidade e de aprovação de líderes mundiais estão relacionados à maneira como os governos respondem ao avanço do novo coronavírus —mas há exceções.

De acordo com analistas ouvidos pela Folha, os presidentes Jair Bolsonaro, do Brasil, e Donald Trump, dos Estados Unidos, contrariam a tendência de aproximação das populações aos seus líderes em momentos de crise, seja ela causada por uma emergência de saúde pública, como a atual, ou por guerras, atentados terroristas e eventos de igual importância.

“As pessoas acreditam que apoiar o líder do país em um determinado contexto é importante quando veem que o líder está reagindo de uma maneira que parece sensata e razoável”, explica Fernando Bizzarro, pesquisador do Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade Harvard.

No Brasil, a pesquisa mais recente realizada pelo Datafolha mostrou que a avaliação geral de Bolsonaro ficou estável em relação ao último levantamento, realizado em dezembro. Hoje, 38% classificam a gestão do presidente como ruim ou péssima. Outros 33% dos entrevistados afirmam que o governo é bom ou ótimo, e 26%, como regular. Em dezembro, eram 36%, 30% e 32%, respectivamente.

A aparente estabilidade da avaliação do governo Bolsonaro contrasta, entretanto, com a imagem do líder brasileiro no cenário internacional. O jornal inglês Financial Times, por exemplo, publicou nesta semana o editorial “A autodestruição do Trump tropical”, com o subtítulo “Como Bolsonaro está montando a causa de seu próprio impeachment”.

De acordo com o jornal, “qualquer sentimento positivo se evaporou em meio a uma tríplice crise: um aprofundamento da emergência de saúde pública, uma profunda recessão econômica e calamidade política”.

A comparação com o presidente americano não é aleatória. Buscando alinhamento total com os EUA, Bolsonaro tenta, de acordo com Bizzarro, manter uma “posição antiestablishment” e consolidar sua “marca de diferente” ao rejeitar, à semelhança do líder americano, as medidas de isolamento social como tentativa de conter o coronavírus.

Para a professora de relações internacionais da ESPM Carolina Pavese, os dois líderes têm perfis muito similares e “confundem assertividade com agressividade”.

“Vemos em ambos traços de personalidade que, em líderes políticos, são características perigosas e contrárias ao perfil ideal de um líder para lidar com essa crise.”

À frente do país que se tornou o novo epicentro da epidemia, Trump já começa a pagar o preço político de sua postura em relação à Covid-19 —negacionista, a princípio, e, hoje, conflituosa, com governadores, conselheiros, China e a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Segundo o Instituto Gallup, a aprovação de Trump foi de 49%, no meio de março, para 43% no meio de abril, enquanto a média das pesquisas compiladas diariamente pelo site FiveThirtyEight confirma que o melhor período do republicano foi justamente quando ele deu peso à pandemia.

Para Bizzarro e Pavese, o líder republicano perdeu seu principal trunfo político para tentar a reeleição em novembro. “Os EUA tinham uma excelente projeção de crescimento, mas agora são ameaçados por uma retração violenta como não se via desde a crise de 1929”, diz Pavese.

Carlos Melo, cientista político e professor do Insper, avalia que “recomendações esdrúxulas” de Trump, como a sugestão de injeções de desinfetante para combater a Covid-19, corroem a imagem do presidente e colocam em risco sua vitória nas urnas.

“Talvez seu eleitorado mais fiel não o abandone, muito parecido com o que se dá aqui no Brasil em relação a Bolsonaro, mas ele ganha desafetos. No caso de uma eleição em que o voto não é obrigatório, a postura dele pode ser muito prejudicial”, analisa Melo.

Entre os líderes europeus, Pedro Sánchez, primeiro-ministro da Espanha, teve a maior queda de popularidade, de acordo com pesquisa realizada pelo Gabinete de Estudos Sociais e de Opinião Pública (Gesop). No final de março, 44% dos espanhóis aprovavam a gestão do premiê. Em abril, a cifra caiu para 30,3%.

A demora em decretar a paralisação das atividades, de acordo com críticos de Sánchez, é um dos motivos de a Espanha ser o segundo país com o maior número de casos confirmados da Covid-19 —quase 240 mil até a tarde desta quinta-feira (30)—, atrás apenas dos EUA, de acordo com a universidade americana Johns Hopkins.

Para Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da FGV, o coronavírus não é, entretanto, a única causa da queda na popularidade do líder espanhol.

De acordo com o professor, a maneira como Sánchez lidou com a crise foi pior do que outros governos europeus, mas a Espanha já apresentava um cenário de instabilidade política anterior à pandemia.

"A Espanha tem um sistema político fragilizado, um incômodo estrutural no governo, uma coalizão que não é a ideal e um futuro político bastante incerto", analisa.

Para Pavese, da ESPM, os líderes mais bem-sucedidos frente à pandemia são aqueles que unem uma postura de empatia e acolhimento da população à demonstração de postura firme e controlada.

São os casos, por exemplo, de Jacinda Ardern, primeira-ministra da Nova Zelândia, Angela Merkel, chanceler da Alemanha, Moon Jae-in, presidente da Coreia do Sul, e Alberto Fernández, presidente da Argentina.

Enquanto, segundo a professora, Bolsonaro e Trump parecem considerar a empatia como uma demonstração de fraqueza, líderes como Jacinda, Merkel e Emmanuel Macron, presidente da França, apresentam um discurso que reconhece a gravidade da crise e é seguido de uma postura que não gera pânico.

“É como se eles dissessem: ‘O problema está posto, ele é grave, a gente entende e partilha desse medo de vocês, mas a gente vai fazer o possível para enfrentar isso juntos e vamos conseguir”, ilustra Pavese.

A lógica, de acordo com a professora, é que esse posicionamento atraia o apoio e a adesão da população a “medidas politicamente difíceis de implantar”, como o lockdown.

Exemplo disso é a Nova Zelândia que, mesmo tendo imposto medidas mais restritivas de contenção, recebeu reconhecimento internacional. A revista americana The Atlantic se referiu à primeira-ministra neozelandesa como "a líder mais eficaz do planeta" e o Financial Times a chamou de “Santa Jacinda”.

Internamente, 88% dos neozelandeses dizem que o governo tomou decisões corretas em relação ao coronavírus, e 83% afirmam acreditar que a gestão de Jacinda é capaz de lidar com outros problemas nacionais, de acordo com pesquisa realizada pela empresa Colmar Brunton.

Ainda entre lideranças femininas, a postura sóbria e técnica de Merkel também lhe rendeu elogios. “Merkel é uma líder bastante durona, pouco deixa transparecer seus sentimentos, mas ela fez um pronunciamento belíssimo, cheio de sentimento e de coragem”, avalia Melo.

O cientista político se refere ao discurso em que a chanceler alemã comparou a pandemia à Segunda Guerra Mundial.

“Desde a reunificação alemã, não, desde a Segunda Guerra Mundial, não houve um desafio para o nosso país que dependa tanto da nossa solidariedade comum", disse Merkel em pronunciamento transmitido pela televisão.

Os cidadãos alemães parecem estar de acordo com sua líder. Quase três quartos (72%) dos entrevistados pelo instituto Infratest Dimap estão satisfeitos com o gerenciamento da crise causada pelo coronavírus, e apenas 30% têm alguma crítica ao governo.

Na Coreia do Sul, o bom resultado do enfrentamento da pandemia já se traduziu nas urnas. O Partido Democrata, do presidente Moon Jae-in, conquistou a maioria nas eleições parlamentares do país realizadas no dia 15 de abril.

“O povo empoderou nossos esforços desesperados para superar a crise nacional por meio da eleição”, disse Moon em um comunicado após a divulgação do resultado da eleição —uma das primeiras votações nacionais em todo o mundo desde o início da pandemia.

De acordo com Stuenkel, a Coreia do Sul e a maior parte dos países mais bem-sucedidos no enfrentamento do coronavírus têm elementos em comum que geram um ambiente mais propício para lidar de maneira adequada com a crise.

“São todos governos nos quais há uma estrutura clara de liderança, pouca divisão interna e uma boa comunicação.”

Segundo o professor, os índices de popularidade tendem a mudar, entretanto, após as fases mais agudas da crise.

Aqueles que foram afetados em aspectos econômicos, como as pessoas que perderam ou vão perder os empregos, não necessariamente se lembrarão do peso e das outras perdas provocadas pela pandemia.

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