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Lucas de Abreu Maia

Há poucos indícios de que tendência de radicalização do Partido Republicano será revertida

Trump escancarou porta aos fascistas, mas ela já vinha sendo aberta por gente como Nixon e Reagan

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Lucas de Abreu Maia

Cientista político, foi pesquisador visitante no Massachussets Institute of Technology (MIT) e é doutorando na Universidade da Califórnia San Diego.

Ainda há um caminho democrático possível para o Partido Republicano americano? O carnaval fascista promovido por Donald Trump —que culminou, nesta semana, em Washington, numa quarta-feira de cinzas— provou que há uma ala ultraconservadora que não tem qualquer apego à democracia, às instituições e à lei —e que está disposta a abraçar a violência quando isso lhe convier politicamente.

É possível que seja um ponto de inflexão. Talvez os líderes do partido se vejam obrigados a alijar, de vez, os fascistas que hoje são parte importante de sua base. Mas não há motivo para otimismo.

Os republicanos têm se radicalizado de modo lento, porém constante, há seis décadas: desde que adotaram o racismo velado como plataforma política.

Apoiadores de Donald Trump durante invasão do Capitólio, em Washington
Apoiadores de Donald Trump durante invasão do Capitólio, em Washington - Joseph Prezioso - 6.jan.21/AFP

Donald Trump escancarou a porta para os fascistas, mas ela já vinha sendo aberta lentamente por gente como Richard Nixon e Ronald Reagan. Fechá-la novamente será quase impossível.

Há uma parte significativa do público americano que nunca aceitou a ideia de democracia. São os herdeiros daqueles que foram à Guerra de Secessão defender que negros eram propriedade, não gente. Os mesmos que, quando derrotados, implementaram o sistema legal de segregação racial que vigorou no Sul dos Estados Unidos até meados do século 20.

A aposta dos republicanos é conseguir abraçar essa gente sem se contaminar com sua imundície ideológica. Ganhariam os votos, mas manteriam os extremistas sob controle. A invasão do Capitólio na quarta-feira mostrou que são os fanáticos quem controlam o partido, e não o contrário.

Trump tem o apoio inquestionável da maior parte dos eleitores republicanos. Entre 60% e 70% deles acham que a eleição lhes foi roubada. Por mais que intimamente abomine Trump e acredite de verdade na democracia, como um líder do partido pode se dar ao luxo de abdicar de 70% de seus eleitores?

Por trás do cálculo de todo político americano estão as eleições primárias —uma excrescência institucional, em que os afiliados (invariavelmente os mais radicais) determinam quem vai ser o candidato nas eleições propriamente ditas. Qualquer deputado ou senador que não for considerado trumpista o bastante pela base arrisca-se a perder a nomeação nas próximas primárias.

Talvez o leitor mais otimista aponte para o fato de que o Congresso acabou por certificar a vitória de Biden. Verdade, mas o fez a despeito de seis senadores republicanos e —pasmem— da maioria dos deputados do partido na Câmara.

Deixem-me dizer isso novamente de outro modo, porque essa informação é tão grave que precisa ficar clara: mais da metade dos deputados republicanos se declarou a favor de reverter a vontade do eleitorado só porque sua base não aceita a derrota de Trump.

Há algum motivo de esperança. A vitória democrata foi significativa. É a primeira vez na história moderna dos Estados Unidos que um presidente de primeiro mandato não é reeleito enquanto, simultaneamente, seu partido perde o controle do Congresso.

Pode ser que a derrota faça com que o partido reavalie a trajetória de extremismo que tem adotado há mais de meio século. Por enquanto, porém, é uma esperança com pouca ou nenhuma base na realidade.

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