Ainda há um caminho democrático possível para o Partido Republicano americano? O carnaval fascista promovido por Donald Trump —que culminou, nesta semana, em Washington, numa quarta-feira de cinzas— provou que há uma ala ultraconservadora que não tem qualquer apego à democracia, às instituições e à lei —e que está disposta a abraçar a violência quando isso lhe convier politicamente.
É possível que seja um ponto de inflexão. Talvez os líderes do partido se vejam obrigados a alijar, de vez, os fascistas que hoje são parte importante de sua base. Mas não há motivo para otimismo.
Os republicanos têm se radicalizado de modo lento, porém constante, há seis décadas: desde que adotaram o racismo velado como plataforma política.
Donald Trump escancarou a porta para os fascistas, mas ela já vinha sendo aberta lentamente por gente como Richard Nixon e Ronald Reagan. Fechá-la novamente será quase impossível.
Há uma parte significativa do público americano que nunca aceitou a ideia de democracia. São os herdeiros daqueles que foram à Guerra de Secessão defender que negros eram propriedade, não gente. Os mesmos que, quando derrotados, implementaram o sistema legal de segregação racial que vigorou no Sul dos Estados Unidos até meados do século 20.
A aposta dos republicanos é conseguir abraçar essa gente sem se contaminar com sua imundície ideológica. Ganhariam os votos, mas manteriam os extremistas sob controle. A invasão do Capitólio na quarta-feira mostrou que são os fanáticos quem controlam o partido, e não o contrário.
Trump tem o apoio inquestionável da maior parte dos eleitores republicanos. Entre 60% e 70% deles acham que a eleição lhes foi roubada. Por mais que intimamente abomine Trump e acredite de verdade na democracia, como um líder do partido pode se dar ao luxo de abdicar de 70% de seus eleitores?
Por trás do cálculo de todo político americano estão as eleições primárias —uma excrescência institucional, em que os afiliados (invariavelmente os mais radicais) determinam quem vai ser o candidato nas eleições propriamente ditas. Qualquer deputado ou senador que não for considerado trumpista o bastante pela base arrisca-se a perder a nomeação nas próximas primárias.
Talvez o leitor mais otimista aponte para o fato de que o Congresso acabou por certificar a vitória de Biden. Verdade, mas o fez a despeito de seis senadores republicanos e —pasmem— da maioria dos deputados do partido na Câmara.
Deixem-me dizer isso novamente de outro modo, porque essa informação é tão grave que precisa ficar clara: mais da metade dos deputados republicanos se declarou a favor de reverter a vontade do eleitorado só porque sua base não aceita a derrota de Trump.
Há algum motivo de esperança. A vitória democrata foi significativa. É a primeira vez na história moderna dos Estados Unidos que um presidente de primeiro mandato não é reeleito enquanto, simultaneamente, seu partido perde o controle do Congresso.
Pode ser que a derrota faça com que o partido reavalie a trajetória de extremismo que tem adotado há mais de meio século. Por enquanto, porém, é uma esperança com pouca ou nenhuma base na realidade.
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