Polícia dos EUA tentava remover extremistas de suas fileiras. Então veio o ataque ao Capitólio

Ao menos 30 agentes participaram da invasão do Congresso, insuflado por Trump, em 6 de janeiro

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The New York Times

Por mais de três décadas o xerife Chris West, de Canadian County, no Oklahoma, dedicou sua vida à proteção da lei e da segurança pública.

Veterano dos Marines americanos, ele passou 28 anos como policial rodoviário no Oklahoma, ascendendo à categoria de capitão e então, em 2017, sendo eleito xerife de seu condado natal. Em 2019, ele foi reconhecido como “Xerife do Ano de Oklahoma”, e no ano passado foi eleito para um segundo mandato de xerife, tendo concorrido como candidato único.

Então aconteceu o 6 de janeiro.

West disse que colocou seu distintivo de xerife e seu papel oficial de lado quando foi de carro até Washington para apoiar o presidente Donald Trump. “Fui como cidadão, como Chris West, a pessoa”, ele disse em entrevista coletiva em El Reno, a sede do condado, depois de retornar.

Segundo seu relato, West marchou até o Capitólio agitando uma bandeira de Trump e gritando palavras de ordem como “Stop the Steal!” (parem com o roubo) e “We love Trump!” (amamos Trump). Mas não teria participado da invasão do Capitólio. Ele criticou o ataque.

Grupos de extremistas em confronto com forças de segurança durante ataque ao Congresso dos EUA, em janeiro - Shannon Stapleton - 6.jan.21/Reuters

Suas ações dividiram opiniões em Canadian County, que abrange partes de Oklahoma City e de áreas rurais a oeste da cidade. Vários milhares de pessoas assinaram uma petição reivindicando seu afastamento, e um número ainda maior de pessoas endossou uma petição contrária em apoio a ele.

West é um dos pelo menos 30 policiais e outros agentes da lei que participaram da manifestação de 6 de janeiro. Muitos deles agora enfrentam investigações internas, e três foram presos por acusações federais ligadas à invasão do Capitólio.

A presença deles exacerbou perguntas que vêm fervilhando em fogo baixo há décadas: quantos agentes da lei em todo o país subscrevem ideias radicais ou antigoverno, e exatamente como os órgãos de segurança pública podem extirpá-los de suas fileiras? Os líderes das forças de segurança dizem que agentes de ordem pública precisam obedecer a padrões mais rigorosos do que cidadãos particulares quando se trata de aceitar os resultados de uma eleição e cumprir seus deveres.

Reunidos em conferência online na semana passada, chefes de polícia das maiores cidades norte-americanas concordaram em tentar cooperar para bloquear o ingresso em suas fileiras de membros de organizações de extrema direita ou outras pessoas com posições radicais.

“Não apenas na sociedade maior, mas especialmente nas profissões que envolvem serviço ao público e confiança do público, existe zero espaço para visões extremistas, independentemente da ideologia de quem as tem”, explicou Art Acevedo, chefe de polícia de Houston e presidente da Associação de Chefes de Grandes Cidades, que abrange funcionários policiais seniores de quase 90 cidades americanas e canadenses. A meta do presidente Joe Biden de combater o extremismo doméstico vai depender em parte da possibilidade de se frear a expansão do extremismo nos departamentos policiais e forças militares, destacaram especialistas.

A preocupação com o extremismo nas fileiras policiais está presente há muito tempo, mas, segundo autoridades policiais e de segurança pública, depois do 11 de Setembro a perseguição a jihadistas ganhou precedência sobre o esforço para combater ameaças domésticas.

Durante sua Presidência, Trump em vários momentos se declarou amigo da polícia, e muitos sindicatos de policiais o endossaram. Os policiais têm os mesmos direitos que todos os cidadãos de apoiar candidatos políticos de sua escolha, mas, segundo os especialistas seniores da polícia e segurança pública, o problema acontece quando eles dão um passo além e participam de ativismo antigoverno.

Recentemente, durante protestos motivados pela morte de George Floyd sob custódia policial, organizadores de extrema direita, ansisos por recrutar veteranos policiais ou militares, retrataram-se como aliados das forças da lei, disse Brian Levin, ex-policial e diretor do Centro para o Estudo do Ódio e Extremismo, da Universidade Estadual da Califórnia em San Bernardino.

Várias entidades falaram em ajudar a preservar a lei e a ordem, ao mesmo tempo em que disseminaram afirmações distorcidas sobre fraude eleitoral ou caos durantes protestos do Black Lives Matter. Foi uma “falsa aliança”, disse Levin, mesmo porque essas organizações procuram enfraquecer o governo. Durante protestos, os membros dessas entidades frequentemente agitam a bandeira Thin Blue Line —uma bandeira americana em preto e branco com uma linha azul marinho no meio, supostamente simbolizando solidariedade com a polícia.

Alguns participantes do ataque ao Capitólio em 6 de janeiro agitaram essa bandeira, ao mesmo tempo em que policiais do Capitólio eram atacados e um deles era morto. Acevedo disse que a bandeira “foi sequestrada por extremistas. Essas pessoas agem como se fossem tão pró-polícia, mas espancam policiais”.

Um policial de Houston, Tam Dinh Pham, veterano de 18 anos na força policial, demitiu-se logo antes de ser detido em 19 de janeiro por acusação de entrada ilegal no Capitólio. Pham, 48 anos, primeiro negou a acusação e depois, segundo a queixa criminal, disse a agentes do FBI que fora ao Capitólio porque queria “ver a história” sendo escrita. Dois policiais de uma cidade pequena da Virgínia também acusados criminalmente foram demitidos.

Pham não foi vinculado a nenhuma organização extremista, mas Acevedo utilizou seu exemplo para conduzir um exercício de chamado e resposta com cadetes policiais em seu primeiro dia de treinamento, no mês passado. A polícia de Houston divulgou um vídeo do exercício, incluindo os seguintes trechos:

“Se algum de vocês presentes nesta sala neste momento acredita que alguém precisava estar no Capitólio naquele dia, saia daqui agora! Vocês me entendem?”

“Sim, senhor!”

“Porque vocês não vão sobreviver neste departamento se tiverem essa mentalidade. Vocês entendem isso?”

“Sim, senhor!”

“Existe lugar para ódio?”

“Não, senhor!”

“Há lugar para discriminação?”

“Não, senhor!”

“Há espaço para uma milícia neste departamento ou em qualquer outro departamento policial?”

“Não, senhor!”

Acevedo interrogou os cadetes, perguntando quatro vezes se eles entendiam que teriam que denunciar qualquer policial com posições extremistas. Recentemente um cadete que se gabava de pertencer à Irmandade Ariana, uma gangue neonazista criminosa, foi denunciado por um colega e exonerado.

“Acho que estamos todos furiosos agora porque temos policiais que acham que é tudo bem invadir nosso Capitólio nacional”, Acevedo disse aos cadetes. “Essas pessoas são traidoras absolutas de nossa nação, do juramento que prestamos ao assumir o cargo.”

O número de extremistas presentes nas forças de segurança é desconhecido; a polícia os descreve como um setor marginal, como é o caso no público geral. Com 18 mil órgãos de segurança pública no país, muitos deles pequenos e com recursos escassos, há uma colcha de retalhos de regras e práticas de como identificar e afastar pessoas vistas como ameaças. A demissão não é automática.

Um policial de Filadélfia fotografado em 2016 com uma aparente tatuagem nazista não foi demitido em parte porque o departamento não tinha uma regra declarada relativa a tais tatuagens. Em 2019, o departamento, entre outras restrições, proibiu seus policiais de ostentarem tatuagens promovendo a violência ou vistas como lascivas.

A Suprema Corte limitou os direitos de liberdade de expressão de funcionários públicos que falam em sua capacidade oficial, restringindo-os a questões de interesse público, comentaram especialistas, e aos casos em que o bem público pesa mais que os interesses individuais. Mas agentes da polícia do Condado de Los Angeles demitidos por participarem de gangues e que contestaram sua demissão foram reintegrados à corporação em alguns casos.

Patrick Yoes, presidente nacional da Ordem Fraterna da Polícia, disse que pessoas com posições extremas têm tanta probabilidade de estar presentes no setor de segurança pública quanto na sociedade como um todo. “Pode haver a percepção de que temos um problema grave com isso em todo o país, mas essa percepção não condiz com minhas observações”, ele disse.

Mesmo assim, ele e muitos outros preveem que haverá uma triagem mais rigorosa. Segundo Acevedo, os testes com polígrafo aplicados a candidatos a policiais em Houston, enfocando uso de drogas ou atividade criminal no passado, serão ampliados para incluir opiniões antigoverno.

O FBI qualificou o extremismo doméstico como ameaça importante, mas não articulou uma resposta aos extremistas presentes nas forças de segurança, disse Michael German, ex-agente do FBI que trabalha com reformas da polícia e do setor de segurança pública no Centro Brennan de Justiça da Universidade de Nova York.

Ele e outros especialistas destacaram que os policiais geralmente sabem quem endossa visões de extrema direita, mas tendem a proteger uns aos outros.

Em Franklin County, no Kentucky, cinco defensores públicos pediram ao xerife local para investigar o vice-xerife Jeff Farmer depois que este participou do comício de 6 de janeiro.

O vice-xerife endossou a alegação falsa de que os resultados da eleição teriam sido fraudados e participou de um protesto repleto de “símbolos ofensivos” como uma forca e a bandeira confederada, disse Nathan Goodrich, um dos defensores públicos. “Acho que os departamentos de polícia deveriam assegurar que a credibilidade de seus policiais não seja questionável”, ele disse.

Farmer, que foi posto em licença administrativa enquanto era investigado, não respondeu a uma mensagem telefônica pedindo comentários. Ele foi isentado mais tarde de qualquer infração criminal e recebeu ordens de não postar qualquer coisa em redes sociais que possa refletir negativamente sobre seu departamento.

No Oklahoma, críticos de Chris West disseram que durante meses ele defendeu posições abertamente políticas. Ele se recusou a implementar a ordem de uso de máscara em Oklahoma City para reduzir a propagação da Covid-19 e formou uma “companhia” civil para manter a ordem em eventos públicos. Seus adversários consideraram o grupo uma organização paramilitar. A invasão do Capitólio ocorreu alguns meses mais tarde.

O xerife David Mahoney, presidente da Associação Nacional de Xerifes, disse que repassou ao FBI a informação investigativa que recebeu de que West fizera um telefonema comemorativo de dentro do Capitólio.

West não retornou ligações pedindo comentários, e três dos principais autores da petição em apoio a ele também se negaram a comentar.

Tradução de Clara Allain

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