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China e Rússia reagem a pressão de Biden e reforçam aliança contra os EUA

Sob sanções, países pedem reunião na ONU e criticam americanos, que vão à Otan prometer mais cooperação

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São Paulo

China e Rússia se uniram em uma resposta conjunta à ofensiva promovida pelo novo governo americano, do democrata Joe Biden, que adotou medidas agressivas contra os dois rivais desde que assumiu, em janeiro.

Em um encontro presencial na China, os chanceleres dos dois países pediram uma reunião dos membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas —além de chineses e russos, fazem parte do órgão EUA, Reino Unido e França.

Lavrov (esq.) e Wang se cumprimentam durante o encontro de chanceleres na cidade chinesa de Guilin
Lavrov (esq.) e Wang se cumprimentam durante encontro na cidade chinesa de Guilin - Lu Boan/Xinhuan

"Em um momento de crescente turbulência política global, a reunião é particularmente necessária para estabelecer diálogo direto sobre como resolver os problemas comuns da humanidade", afirmaram Wang Yi e Serguei Lavrov, em comunicado.

"Nós notamos a natureza destrutiva das intenções dos EUA, baseadas nas alianças político-militares da Guerra Fria e em novas alianças fechadas no mesmo espírito, para minar a arquitetura legal internacional centrada na ONU", afirmou Lavrov em entrevista.

Wang completou. "Devemos ser garantidores da justiça nos assuntos internacionais", afirmou o chinês, defendendo uma "ordem mundial baseada na lei internacional que obedeça a valores universais como paz, desenvolvimento, justiça, democracia, equanimidade e liberdade".

O representante de uma ditadura comunista elencar valores associados ao Ocidente para criticar os EUA é uma dessas confusões típicas do mundo atual.

Desde que assumiu, após passar a campanha eleitoral sendo chamado de fraco e titubeante pelo derrotado Donald Trump, Biden adotou uma assertividade não vista no antecessor. Antes, já havia flexionado músculos militares voltados aos dois rivais.

Após um começo algo promissor com Vladimir Putin, estendendo o último acordo de limitação de armas nucleares, passou a sistematicamente atacar o presidente russo.

Primeiro, determinou sanções a autoridades ligadas ao Kremlin devido à prisão do líder opositor Alexei Navalni, cujo envenenamento no ano passado Biden diz ser obra do serviço secreto russo.

Prometeu punições por ações de hackers contra órgãos americanos e, repetindo as acusações de 2016, afirmou ter havido um dedo no Kremlin na eleição americana de 2020. Cereja do bolo, cometeu um ato inédito e concordou, numa entrevista, que o presidente americano seria um assassino.

Apesar de ser um país em dificuldades econômicas, a Rússia ainda é uma potência militar convencional formidável, em especial em sua periferia de atuação, e tem um arsenal nuclear comparável ao dos EUA.

Já as cartas contra a China foram colocadas depois por Biden à mesa, como se ele tivesse servido o caso russo como aperitivo.

O democrata manteve a acusação derradeira de Trump em sua Guerra Fria 2.0 contra Pequim ao seguir chamando o tratamento dado pela ditadura à minoria muçulmana uigur como um genocídio.

Na semana passada, após a China deixar claros seus termos de engajamento com os EUA, Biden e o líder Xi Jinping promoveram um encontro do secretário de Estado americano com o chanceler chinês no Alasca.

Um dia antes do evento, os EUA aplicaram sanções a 24 autoridades chinesas pela repressão aos movimentos democráticos de Hong Kong. Os chineses reagiram mal e, ante uma abertura dura pelo secretário Antony Blinken do encontro, promoveram uma inusual troca de farpas públicas com seus anfitriões.

Nos dias que antecederam a reunião, Blinken esteve no Japão e na Coreia do Sul, países receosos do afastamento promovido por Trump. Uma semana antes, Biden fizera uma reunião virtual com seus pares no Quad, a aliança de rivais da China no Indo-Pacífico.

Para completar, nesta semana a União Europeia aplicou sanções a autoridades chinesas devido à repressão aos muçulmanos de Xinjiang. EUA, Canadá e Reino Unido acompanharam os europeus, com o apoio verbal de australianos e neozelandeses.

A China retaliou e aplicou sanções a membros de organizações europeias e promoveu a reunião com Lavrov. O russo, aliás, afirmou também nesta terça que a relação entre seu país e a UE "está destruída", condenou as sanções aos chineses e também as aplicadas ao Kremlin pelo bloco no caso Navalni.

De seu lado, Biden seguiu em frente. Também nesta terça, Blinken esteve em Bruxelas para reunir-se com o comando da Otan, a aliança militar criada em 1949 para conter a União Soviética. Nos anos Trump, o clube foi relegado a segundo plano e chamado de obsoleto pelo americano. "Nós queremos revitalizar a aliança", disse Blinken em entrevista, na qual foi anunciada uma cúpula de seus 30 membros.

Com efeito, ele colocou o "crescimento militar da China" no mesmo pé das "tentativas russas de desestabilizar o Ocidente" como ameaças a serem trabalhadas pela Otan.

O desenho conflituoso pode ser uma forma de trazer as partes à mesa, com os EUA buscando uma posição de força que percebe ter perdido nos últimos anos. Por ora, só causou o efeito contrário.

Mas há limites para a retórica sino-russa. Do ponto de vista econômico, os países já têm uma interligação razoável, com Moscou fornecendo commodities energéticas e material militar, e Pequim, entrando com produtos ao consumidor e de alta tecnologia.

Mais que isso dependeria de mercados internos equivalentes, o que não existe.

Militarmente, a proximidade também existe, mas não há complementaridade estratégica: a Rússia não tem uma indústria naval forte para ajudar as necessidades vitais chinesas no campo e não precisa de forças terrestres de Pequim nos seus flancos mais expostos.

Há outros fatores, como a instabilidade na Ucrânia, quintal geopolítico russo, e a Coreia do Norte. O novo embaixador da ditadura de Kim Jong-un em Pequim afirmou nesta terça que ambos os países precisam de "unidade e coordenação contra forças hostis".

"Poderia uma aliança russo-chinesa lançar um assalto naval no Oriente e um ataque terrestre no Ocidente? Talvez. Pode falhar. Se funcionar, iria disparar opções existenciais (nucleares) ou criar alianças contrárias", ponderou em texto da consultoria Geopolitical Futures nesta terça George Friedman.

Um dos maiores especialistas geopolíticos, o americano diz que é mais lógico que tanto Rússia quanto China acabem buscando uma acomodação com o Ocidente. "Para tanto, ambos precisam estar convencidos de que os EUA não estão interessados. A melhor leitura é que os EUA saibam que a barganha está chegando e por isso estão se mostrando hostis a ela", escreveu.

Mas ele faz um alerta. "Os chineses já cobriram a aposta americana. Os russos farão isso logo. Agora é a hora dos insultos e ameaças, antes que façamos negociações que podem fracassar apesar de tudo isso."

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