Descrição de chapéu The New York Times

Leis estaduais divergentes expõem racha partidário sobre controle de armas nos EUA

Democratas e republicanos têm posições opostas sobre restringir ou não acesso a rifles e fuzis

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Reid J. Epstein
The New York Times

A centenas de quilômetros de distância, mas exatamente na mesma hora da tarde da segunda-feira (22), um atirador abriu fogo dentro de um supermercado em Boulder, no Colorado, e membros republicanos do Senado estadual de Iowa votaram por derrubar a lei estadual que requer autorização para porte de arma oculta. O proponente da lei se disse aliviado porque os habitantes de Iowa poderiam passar a exercer seu direito de uso de armas “sem um bilhete de autorização”.

Mas em Maryland, no mês passado, democratas derrubaram o veto do governador Larry Hogan a uma lei que amplia a checagem de antecedentes de pessoas que compram armas. E democratas na Virgínia aprovaram leis que proíbem o porte de armas no terreno do Capitólio estadual e endurecem o sistema de verificação de antecedentes no estado.

Cliente analisa um modelo AR-15 customizado em loja de armas em Orem, no estado de Utah - George Frey - 4.fev.21/AFP

Os esforços divergentes refletem a diversidade das leis sobre armas que variam de estado a estado, alinhadas com o viés partidário de cada lugar. Enquanto isso, o Congresso não aborda a violência com armas de fogo com qualquer legislação significativa desde 1994, quando uma proibição por dez anos do uso de armas de assalto foi incluída na lei criminal defendida pelo atual presidente Joe Biden.

Desde o massacre de 2012 na escola primária Sandy Hook, em Connecticut, em que foram mortos 20 alunos de primeira série e seis adultos, 13 estados, todos controlados por democratas, promulgaram ou ampliaram a verificação de antecedentes para novas compras de armas. Enquanto isso, 14 estados, todos controlados por republicanos, aprovaram leis autorizando seus cidadãos a portar armas sem passar por qualquer processo de autorização, como faria a legislação proposta em Iowa.

A divisão política entre os estados em relação à política de armas é mais um exemplo de como questões nacionais vêm definindo a política local. Essas questões incluem o direito ao aborto e, na era pós-Trump, os direitos de voto.

“Temos visto estados entrando em ação porque o governo federal não o tem feito”, disse Laura Cutilletta, diretora gerente do Centro Jurídico Giffords para a Prevenção da Violência com Armas de Fogo. “Mas para protegermos verdadeiramente os americanos e todos que vivem no país, precisamos de uma solução federal, porque armas atravessam as divisas entre estados.”

Mesmo assim, a política de armas mudou drasticamente na década passada desde o massacre de Sandy Hook. Desde então, duas grandes organizações que lutam pelo controle de armas, apoiadas pelo ex-prefeito de Nova York Michael Bloomberg e a ex-deputada pelo Arizona Gabrielle Giffords, ela própria vítima de violência com armas, criaram organizações de base em todo o país.

Nas eleições de 2018 e 2020, pela primeira vez, esses grupos gastaram mais em campanhas federais do que a NRA (Associação Nacional do Rifle), que enfrenta dificuldades.

Ao mesmo tempo, o controle de armas tornou-se uma questão nitidamente partidária. No início do mês, quando a Câmara aprovou a checagem de antecedentes, apenas um deputado democrata –Jared Gold, do Maine— votou contra a medida, enquanto apenas oito republicanos votaram a favor.

A grande maioria dos republicanos continua a se opor cabalmente aos novos regulamentos sobre armas, argumentando que a Segunda Emenda é sacrossanta e não deve ser restrita por virtualmente nenhuma legislação. Os republicanos argumentam que a violência com armas de fogo deve ser combatida com medidas como mais policiamento, e não com restrições aos direitos de uso de armas.

Os republicanos também procuram regularmente limitar as restrições em vigor. Em alguns casos, eles tentam capitalizar sobre chacinas para reforçar seus esforços para arrecadar fundos. A deputada Lauren Boebert, do Colorado, reagiu à chacina de segunda-feira em Boulder lançando um apelo por US$ 10 a US$ 25, enquanto alardeava sua adesão aos direitos ao uso e porte de armas.

“Querem tirar os recursos da nossa polícia. Querem levar nossas armas”, escreveu. “O que achamos que vem a seguir? Não podemos perder esse direito.”

A legislação de Iowa, aprovada na segunda-feira em voto dividido por linhas partidárias, revoga uma série de exigências para os novos proprietários de armas que estavam em vigor havia mais de duas décadas. Ela é consequência das grandes maiorias republicanas no Legislativo estadual.

A dinâmica oposta é visível em outros Legislativos estaduais. Na Virgínia, democratas, começando com a candidatura de Terry McAuliffe a governador em 2013, fizeram campanha pela adoção de verificações de antecedentes e a proibição das armas de assalto.

Quando o partido finalmente conquistou maiorias no Legislativo, após a eleição de 2019, o governador Ralph Northam sancionou uma lei ampliando as verificações de antecedentes e uma chamada lei da bandeira vermelha que autoriza a polícia a obter um mandado judicial impedindo uma pessoa em crise de adquirir uma arma de fogo. Northam também aprovou uma medida que autoriza governos locais a promulgar restrições adicionais ao uso de armas.

Mas os legisladores da Virgínia não proibiram o uso de armas de assalto nem limitaram a venda de pentes de munição de alta capacidade —o tipo de restrição que limitaria a disponibilidade das armas de estilo militar empregadas em muitas das piores chacinas no país.

“Temos trabalhado às margens da prevenção de violência com armas, de maneiras importantes que funcionam. Mas temos oportunidades reais para promover a posse responsável de armas, e ainda resta muito a fazer”, disse o deputado estadual democrata Dan Helmer, da Virgínia, que em 2019 tomou o lugar de um republicano pró-armas. “Leis estaduais não darão conta do recado por si sós.”

Em 2013 o Colorado, estado que tem uma história repleta de massacres, incluindo na escola Columbine, em 1999, aprovou a verificação de antecedentes e a exigência de treinamento para pessoas que compram armas. O estado também proibiu a venda de pentes com mais de 15 balas.

John Feinblatt, presidente da Everytown for Gun Safety, entidade de controle de armas apoiada por Michael Bloomberg, disse na terça que a política do controle de armas “mudou completamente” desde o massacre de Sandy Hook. Ele citou o apoio democrata universal a medidas como verificação de antecedentes e as vitórias de democratas na Câmara em 2018, de parlamentares da Virgínia em 2019 e de Joe Biden no ano passado.

Ele disse que a exigência de verificação de antecedentes deve preceder medidas mais rigorosas de controle de armas, como a proibição do uso de armas de assalto, algo que Biden defendeu em declarações que deu na tarde da terça-feira sobre o massacre no Colorado.

“Não sou curador da ordem, mas estou lhe dizendo que, sem uma lei de verificação de antecedentes, nenhuma das outras leis será tão eficaz quanto poderia ser”, falou Feinblatt. Mesmo assim, há frustração crescente entre ativistas de base e uma comunidade emergente de ativistas do controle de armas que argumentam que simplesmente defender a verificação de antecedentes não é o bastante.

Em 2019, Beto O’Rourke, do Texas, dinamizou sua campanha presidencial com um chamado pela proibição e o confisco de armas de assalto. A proposta era politicamente inviável, mas marcou uma das poucas vezes em que alguém com perfil político nacional se posicionou a favor de reduzir o número de armas em circulação, hoje estimado em quase 400 milhões nos Estados Unidos.

“É só olhar o que foi feito por países pelo mundo afora que quase eliminaram a violência de massa em seus territórios”, disse Igor Volsky, fundador e diretor-executivo da Guns Down America, organização que luta pela redução do número de armas no país. “Sabemos o que fazer, apenas não temos a vontade política de fazê-lo. Raramente vemos o tipo de trabalho ousado de defesa de uma causa vindo do espaço da prevenção de violência com armas que vemos com frequência no espaço da imigração ou LGBTQ.”

Tradução de Clara Allain

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