Protestos deixam mais 20 mortos em Mianmar após dia mais sangrento desde golpe de Estado

Junta militar impõe lei marcial, e audiência da líder deposta é adiada após queda no serviço de internet

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Reuters

As ruas de Mianmar foram, mais uma vez, palco de manifestações que terminaram com 20 pessoas mortas pela polícia nesta segunda-feira (15), segundo a APP, entidade de apoio aos presos políticos, após a junta militar impor uma lei marcial que deu aos comandantes mais poder para reprimir a população.

Os manifestantes voltaram às ruas apesar da morte de ao menos 39 pessoas no dia anterior, a marca mais sangrenta desde o golpe em 1º de fevereiro, quando o Exército de Mianmar derrubou o governo democraticamente eleito.

As marchas tomaram as ruas de cidades como Mandalay, Myingyan, Aunglan e Rangoon, onde a polícia abriu fogo contra manifestantes, segundo testemunhas e a mídia local.

"Uma garota foi baleada na cabeça, e um menino, no rosto", disse um manifestante de 18 anos em Myingyan, que preferiu não se identificar, à agência de notícias Reuters. "Agora estou me escondendo."

Manifestantes erguem barricadas em mais um dia de protestos na cidade de Rangoon, em Mianmar
Manifestantes erguem barricadas em mais um dia de protestos na cidade de Rangoon, em Mianmar - 15.mar.2021/AFP

As mortes elevam o número total para cerca de 140, com base em uma contagem da AAP. Um porta-voz da junta não respondeu a um pedido de comentários. A emissora estatal MRTV relatou que a lei marcial foi imposta em vários distritos de Rangoon, centro comercial e principal cidade do país, e a Mianmar Now disse que a ordem também foi imposta em várias partes de Mandalay.

O anúncio da lei marcial afirmava que os comandantes militares em Rangoon assumiriam a administração dos distritos, incluindo os tribunais, disse a MRTV.

As cortes marciais têm autoridade para proferir sentença de morte ou longas penas de prisão para uma série de crimes, incluindo traição e dissidência, obstrução do serviço militar ou civil, divulgação de informações falsas e crimes relacionados a associação ilegal.

Numa aparente tentativa de suprimir notícias da turbulência, operadoras de serviços de telecomunicações foram obrigadas a bloquear os dados móveis em todo o país, segundo duas pessoas com conhecimento do assunto. A Telecom Telenor disse num comunicado que "a internet móvel não estava disponível".

A líder civil deposta Aung San Suu Kyi, 75, deveria ter tido uma audiência virtual nesta segunda-feira, mas seu advogado, Khin Maung Zaw, disse à Reuters que a sessão não poderia prosseguir porque a internet estava fora do ar. A próxima audiência será em 24 de março, afirmou.

Detida desde o golpe de Estado, ela responde por acusações criminais que incluem importação ilegal de seis walkie-talkies e uma suposta violação dos protocolos de combate à propagação do coronavírus. Na semana passada, a ganhadora do Prêmio Nobel da Paz foi acusada de aceitar pagamentos ilegais, mas ainda não foi formalmente acusada.

Países ocidentais pediram a libertação de Suu Kyi e condenaram a violência, e vizinhos asiáticos se ofereceram para ajudar a resolver a crise, mas Mianmar tem um longo histórico de rejeição de intervenções externas. Nesta segunda, em Washington, o Departamento de Estado dos Estados Unidos disse que a violência militar contra os manifestantes era "imoral e indefensável".

O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, também exortou os militares de Mianmar a permitir a visita de seu enviado especial para ajudar a acalmar a situação e preparar o terreno para o diálogo e o retorno à democracia.

"O assassinato de manifestantes, as detenções arbitrárias e a suposta tortura de prisioneiros violam os direitos humanos fundamentais e desafiam os apelos do Conselho de Segurança por contenção, diálogo e retorno ao caminho democrático de Mianmar", disse seu porta-voz, Stephane Dujarric.

Os ativistas pró-democracia passaram a atacar fábricas ligadas à China, pois acusam o país de dar apoio aos militares. No domingo (14), ataques contra 32 fábricas num subúrbio industrial geraram os comentários mais fortes de Pequim sobre a turbulência que atinge seu vizinho —sem classificar o ocorrido como um golpe de Estado, o regime de Xi Jinping negou, há algumas semanas, que tenha dado apoio ou consentimento tácito à tomada de poder entre os mianmarenses.

O jornal chinês Global Times disse que as fábricas foram "vandalizadas em ataques violentos" que causaram danos no valor de US$ 37 milhões (R$ 206 milhões) e ferimentos a dois funcionários chineses. A embaixada do país pediu aos generais de Mianmar que parassem com a violência.

"Desejamos que as autoridades de Mianmar possam tomar outras medidas relevantes e eficazes para garantir a segurança das vidas e bens das empresas e do pessoal chinês", disse o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Zhao Lijian.

Ele não mencionou as mortes dos manifestantes.


CRONOLOGIA DA HISTÓRIA POLÍTICA DE MIANMAR

  • 1948: Ex-colônia britânica, Mianmar se torna um país independente
  • 1962: General Ne Win abole a Constituição de 1947 e instaura um regime militar
  • 1974: Começa a vigorar a primeira Constituição pós-independência
  • 1988: Repressão violenta a protestos contra o regime militar gera críticas internacionais
  • 1990: Liga Nacional pela Democracia (LND), de oposição ao regime, vence primeira eleição multipartidária em 30 anos e é impedida de assumir o poder
  • 1991: Aung San Suu Kyi, da LND, ganha o Nobel da Paz
  • 1997: EUA e UE impõe sanções contra Mianmar por violações de direitos humanos e desrespeito aos resultados das eleições
  • 2008: Assembleia aprova nova Constituição
  • 2011: Thein Sein, general reformado, é eleito presidente e o regime militar é dissolvido
  • 2015: LND conquista maioria nas duas Casas do Parlamento
  • 2016: Htin Kyaw é eleito o primeiro presidente civil desde o golpe de 1962 e Suu Kyi assume como Conselheira de Estado, cargo equivalente ao de primeiro-ministro
  • 2018: Kyaw renuncia e Win Myint assume a Presidência
  • 2020: Em eleições parlamentares, LND recebe 83% dos votos e derrota partido pró-militar
  • 2021: Militares alegam fraude no pleito, prendem lideranças da LND, e assumem o poder com novo golpe de Estado
Erramos: o texto foi alterado

A reportagem apontou incorretamente o dia 1º de abril como a data do golpe de Estado em Mianmar. A manobra ocorreu no dia 1º de fevereiro. O texto foi corrigido.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.