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Alemanha se desculpa por genocídio na Namíbia e oferece 1 bilhão de euros

Repressão de colonizadores a rebeldes, no começo do século 20, dizimou dois povos da região africana

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Bruxelas

A Alemanha reconheceu oficialmente nesta sexta-feira (28) ter sido responsável por um genocídio na Namíbia durante a era colonial. O governo alemão pagará à nação africana 1,1 bilhão de euros (cerca de R$ 7 bilhões) para compensar danos infligidos.

A matança aconteceu entre 1904 e 1907, quando soldados alemães assassinaram de 75 mil a 100 mil pessoas no então território da África do Sudoeste, atual Namíbia, após revolta dos povos herero e nama.

Uma das últimas fronteiras africanas a despertar o interesse de colonizadores europeus, essas áreas semidesérticas foram ocupadas pela Alemanha em 1884. A expansão rumo ao interior levou aos conflitos com povos já estabelecidos, enraivecidos pela perda das poucas terras aráveis do território.

Seis africanos em pé e três agachados ao lado de soldado, em foto em preto e branco
Soldado alemão (dir.) e prisioneiros africanos durante repressão a povos herero e nama na região em que hoje fica a Namíbia; o massacre dos colonizadores durou de 1904 a 1907 - Arquivos Nacionais da Namíbia via AFP

A revolta dos povos herero e dos nama foi contida com assassinatos em massa, internação em campos de concentração insalubres e expulsões para o deserto, onde milhares de homens, mulheres e crianças morreram de sede. O massacre alemão exterminou 80% dos herero e 50% dos nama, reduzindo-os a parcelas relativamente pequenas entre os 2,6 milhões de namibianos atuais. Os herero, por exemplo, passaram de 40% da população para apenas 7%.

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A Organização das Nações Unidas, que define genocídio como “uma série de atos, incluindo assassinato, cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso”, considera desde 1985 o massacre como o primeiro genocídio do século 20, e a Alemanha já havia reconhecido “responsabilidade moral”.

Museus alemães também devolveram em 2018 restos mortais de vítimas herero e nama que haviam sido trazidos para a Alemanha para pesquisas destinadas a “provar a superioridade da raça branca”. As negociações sobre o pagamento da indenização, porém, levaram seis meses, porque a Alemanha temia que o uso do termo “reparação” a deixasse suscetível a novas ações na Justiça.

No anúncio desta sexta, o ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Heiko Maas, disse oficialmente que os eventos, "da perspectiva de hoje", foram "um genocídio". “À luz da responsabilidade histórica e moral da Alemanha, pediremos perdão à Namíbia e aos descendentes das vítimas”, afirmou, antes de enfatizar que "reivindicações legais de compensação não podem ser derivadas disso".

O governo alemão quer desincentivar reclamações como a da Grécia, que pede cerca de € 289 bilhões (R$ 1,84 trilhão) por danos causados durante o período nazista. Por isso, os recursos foram anunciados como “um gesto de reconhecimento do imensurável sofrimento infligido às vítimas”.

“Queremos apoiar a Namíbia e os descendentes das vítimas com um programa substancial de 1,1 bilhão de euros para reconstrução e desenvolvimento”, disse Maas.

A Namíbia ocupa o 130º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano da ONU, entre 189 pesquisados e tem a segunda maior desigualdade do mundo, segundo o Banco Mundial, melhor apenas que a vizinha África do Sul nesse item. Seu índice de Gini é de 59,1, numa escala que vai de 0 a 100 (o do Brasil é 53,4), o desemprego passa de 30%, e a pobreza atinge mais de 20% da população.

Apesar da promessa de participação das populações locais nos investimentos em infraestrutura, o acordo foi rejeitado por líderes dos herero e dos nama. Eles afirmaram considerar o valor insuficiente para compensar o sofrimento de seus ancestrais e a perda de suas terras.

Caveira em meio a telas verdes
Crânio que faz parte de restos mortais de guerreiros dos povos herero e nama, em museu de Berlim, em 2018; os ossos foram devolvidos pela Alemanha à Namíbia - Christian Mang - 29.ago.18/Reuters

O anúncio alemão acompanha o movimento de vários outros países europeus para reconhecer crimes do período colonial e oferecer reparações. Desde o ano passado, estátuas foram derrubadas em vários países, e governos como o da França e da Holanda têm devolvido obras de arte trazidas de países africanos, discussão que ocorre também no Reino Unido.

Nesta semana, o presidente francês, Emmanuel Macron, foi a Ruanda pedir desculpas pelo papel da França no genocídio que deixou 800 mil mortos da etnia tutsi, em 1994. Estudo encomendado pelo governo francês concluiu que o país europeu, embora não tenha sido cúmplice do genocídio, tinha "responsabilidades avassaladoras", por se manter aliado ao governo "racista, corrupto e violento" dos hutus, que se preparavam para massacrar os tutsis.

“A França tem um papel, uma história e uma responsabilidade política. Tem o dever de confrontar a história e reconhecer sua parte no sofrimento que infligiu ao povo ruandês”, disse Macron nesta quinta (27), após visitar o Memorial do Genocídio de Kigali.

Manter e ampliar sua influência na África é uma das prioridades de política internacional de Macron, que gosta de lembrar ser o primeiro presidente francês nascido depois que a maior parte do continente conquistou sua independência. Em 2019, ele visitou a África oriental e assinou acordos de parcerias e investimentos na Etiópia e no Quênia. Na viagem atual, ele visita ainda a África do Sul.

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