Mais de um mês após o anúncio da renúncia do então primeiro-ministro Ariel Henry, o governo transitório assumiu o comando do Haiti. Nesta quinta-feira (25), os nove membros do Conselho Presidencial de Transição prestaram juramento no Palácio Nacional, na capital Porto Príncipe, para serem empossados. O comitê inicia uma nova fase com a dura missão de tentar restaurar a ordem em um país assolado por uma grave crise de violência.
Enquanto o Haiti aguarda a nomeação de um novo premiê pelo Conselho Presidencial nos próximos dias, o país funcionará com um governo provisório, nomeado na quarta-feira (24). A começar pelo ministro das Finanças de Henry, Michel Patrick Boisvert, que será o premiê interino.
"Hoje é um dia importante na vida de nossa querida República. Este dia, de fato, abre uma perspectiva para uma solução para as crises multidimensionais que o país enfrenta", disse Boisvert após o juramento formal do conselho de transição no Palácio Nacional.
Ainda não se sabe se o Conselho conseguirá chegar a um consenso sobre a nomeação de um primeiro-ministro ou mesmo se entregará o poder a um governo eleito até 7 de fevereiro de 2026, o prazo estipulado para fim do mandato de transição. O país não tem eleições deste 2016.
E também há uma preocupação local com a reação das gangues locais para esse novo momento. Essas facções já expressaram descontentamento por terem sido excluídas das negociações de transição.
Foram esses grupos, aliás, que causaram a queda de Henry. O ex-premiê havia assumido o cargo em julho de 2021, cerca de duas semanas após assassinato a tiros do presidente Jovenel Moïse, que o tinha indicado ao posto. Desde então, o país passou a enfrentar uma crise profunda na política e na segurança pública.
A nação caribenha tem sofrido uma explosão de violência desde o final de fevereiro, quando gangues lançaram ataques a delegacias de polícia, prisões, sedes oficiais e ao aeroporto de Porto Príncipe.
Por causa do conflito, o ex-premiê havia anunciado em 11 de março que renunciaria assim que as novas autoridades fossem empossadas. Assim, oficializou sua saída do governo nesta quinta-feira. "Agradeço ao povo haitiano pela oportunidade de servir ao nosso país com integridade, sabedoria e honra. O Haiti renascerá", escreveu em uma carta.
A criação do governo transitório pode facilitar o envio de forças estrangeiras para lidar com a crise no país. O Quênia disse que poderia enviar policiais desde que fosse instalado algum governo provisório no Haiti com quem dialogar. Até mesmo o governo brasileiro cogita auxiliar no transporte aéreo de policiais ofertados por países do Caribe para ajudar.
Países como Antígua e Barbuda, Bahamas, Barbados, Belize, Jamaica e Suriname já manifestaram intenção de ceder policiais para ajudarem a limitada Polícia Nacional Haitiana (cerca de 10 mil membros, numa conta superestimada) a combater as gangues armadas, reunidas em especial na coalizão intitulada G9, que domina Porto Príncipe.
Essas gangues, que controlam mais de 80% da capital, cometem vários abusos, incluindo assassinatos, estupros, saques e sequestros. De acordo com as Nações Unidas, cerca de 360 mil haitianos estão deslocados internamente em um país com cerca de 11,6 milhões de habitantes.
A violência ainda aprofundou a crise humanitária no Haiti. Segundo relatório divulgado pelo escritório de direitos humanos da ONU, os conflitos entre gangues no país mataram mais de 1.500 pessoas desde o início do ano, incluindo crianças. Algumas dessas mortes foram causadas por linchamentos, apedrejamentos e queimaduras.
"Fatores estruturais e conjunturais levaram o Haiti a uma situação cataclísmica, caracterizada por uma profunda instabilidade política e instituições extremamente frágeis", diz o texto.
Já o relatório da OIM (Organização Internacional para as Migrações) constatou que entre 8 de março e 9 de abril, 94.821 pessoas fugiram da capital com destino principalmente a regiões do sul, que já acolhem 116 mil deslocados nos últimos meses. A agência ressalta que esses números não refletem necessariamente todo o fluxo, já que alguns deslocados não passam pelos pontos de controle em que os dados são coletados.
Apesar da escalada recente, a crise no Haiti vem de séculos, desde a independência da França, em 1804. Depois de uma série de sucessão de governos no século 19 derrubados por revoltas ou assassinatos, o país foi dominado pela ditadura violenta de François "Papa Doc" Duvalier e seu filho, Jean-Claude "Baby Doc" até meados dos anos 1980.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.