Governador de Nova York renuncia após denúncias de assédio sexual

Investigação apontou que democrata Andrew Cuomo assediou sexualmente 11 mulheres

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Guarulhos

Pressionado por membros de seu partido e por um possível processo de impeachment, o governador de Nova York, Andrew Cuomo, 63, renunciou ao cargo nesta terça-feira (10). O anúncio foi feito uma semana após virem a público os resultados de uma ampla investigação contra ele sobre assédio sexual.

Em um discurso de 20 minutos, transmitido ao vivo, o democrata voltou a negar que tenha cometido crimes, embora tenha dito que aceita "total responsabilidade" por ter ofendido mulheres em meio ao que caracteriza como tentativas malsucedidas de ser afetuoso.

Cuomo servia desde 2011 como governador do quarto estado mais populoso dos Estados Unidos. Na última terça-feira (3), a procuradora-geral de Nova York, Letitia James, divulgou os resultados de um inquérito de cinco meses que concluiu que o político havia assediado sexualmente 11 mulheres e violado leis estaduais e federais enquanto criava um “clima de medo” no ambiente de trabalho.

O governador de Nova York, Andrew Cuomo, em vídeo em que anuncia sua renúncia ao cargo - Reprodução/Reuters

A investigação revelou que o democrata apalpou, beijou e abraçou mulheres sem seu consentimento e fez comentários inapropriados em conversas com elas. Diversas autoridades, inclusive o presidente Joe Biden e a presidente da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, manifestaram-se publicamente dizendo que Cuomo deveria renunciar.

Na tarde desta terça, após comentar sobre a aprovação de um pacote de infraestrutura trilionário no Senado americano, Biden disse que respeita a decisão de Cuomo e que ele fez um grande trabalho no governo de Nova York, especialmente no acesso à votação e na área de infraestrutura. "É por isso que é tão triste", disse. Questionado por uma repórter, emendou que seus elogios não se referiam ao comportamento pessoal do democrata, e sim à sua atuação pública.

No domingo (8), uma das principais assessoras do governador, Melissa DeRosa, também renunciou. O nome dela foi mencionado 187 vezes no relatório de 168 páginas preparado pela procuradoria-geral do estado. DeRosa teria participado dos esforços para encobrir as ações de Cuomo e retaliar uma de suas acusadoras.

Durante o pronunciamento desta terça, o governador disse ter concluído que lutar contra as investigações enquanto permanece no cargo paralisaria o governo estadual em um momento delicado, quando a pandemia ainda ameaça o país com o avanço da variante delta e a hesitação vacinal.

"Dadas as circunstâncias, a melhor maneira de ajudar é me afastar e deixar o governo", disse ele. A renúncia entra em vigor em 14 dias.

O governador alegou também que devem ser observadas as motivações políticas por trás da pressão para que renunciasse. Dando a entender que a opinião pública influenciou as investigações e a posição de seus colegas, disse que “o Twitter se tornou a praça pública para o debate político”. E seguiu: “Há uma discussão inteligente sobre gênero a ser feita nas diferentes gerações e culturas, mas o ambiente político é muito quente e reacionário para isso agora. É lamentável”.

Lindsey Boylan, ex-assessora de Cuomo e uma das mulheres que apresentaram as denúncias, agradeceu o trabalho da procuradoria-geral. "Desde o início, eu simplesmente pedi ao governador que parasse com o comportamento abusivo, mas ficou claro que ele era incapaz de fazer isso em vez de atacar e culpar as vítimas", escreveu em uma rede social. "É uma tragédia que tantos tenham ficado parados e assistindo a esses abusos acontecerem."

A saída de Cuomo marca a segunda vez em 13 anos que um governador do estado de Nova York renuncia ao cargo em meio a um escândalo —em 2008, o também democrata Eliot Spitzer renunciou após vir à tona seu envolvimento com uma rede de prostituição de luxo.

Cuomo se viu pressionado por membros do partido e também estava prestes a ser cassado pelo legislativo estadual —a Assembleia de Nova York trabalhava em investigações próprias para abrir um processo de impeachment.

Um dia após a divulgação do relatório com o resultado das investigações, pesquisa do instituto Marist mostrou que 59% dos moradores do estado defendiam a renúncia do governador. Outros 32% disseram que ele deveria cumprir o mandato, e 9% disseram estar inseguros para responder. Entre os democratas, 52% eram a favor da renúncia.

O escândalo vira a página de uma trajetória bem-sucedida, ao menos aos olhos da opinião pública, de Cuomo. Em 2020, o democrata surfou em índices de aprovação por sua conduta no combate à pandemia, que se contrapunha ao negacionismo do republicano Donald Trump, então à frente da Presidência.

Com discurso técnico e transparente, o governador de Nova York se transformou no rosto do combate à crise e chegou a ser sondado como possível candidato democrata à Presidência, ainda que negasse estar "fazendo política" ao impor medidas consistentes de combate ao avanço da Covid-19.

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Nascido em Nova York, ele começou a carreira política como conselheiro de campanha de seu pai, o político Mario Cuomo, que também foi governador de Nova York por três mandatos, de 1983 a 1994. A família tem atuação pública em diferentes áreas —o irmão de Cuomo, Chris, é âncora da emissora CNN.

Depois de um tempo atuando como promotor e advogado, Cuomo ingressou no governo do então presidente Bill Clinton e se tornou secretário de Habitação e Desenvolvimento Urbano. Serviu ainda como procurador-geral de Nova York, até que foi eleito para o governo do estado em 2010.

Entre seus feitos à frente do governo, um colide diretamente com as atuais denúncias que o tiraram do cargo. Em 2019, na esteira do movimento #MeToo, Cuomo assinou uma legislação para endurecer o combate ao assédio sexual no ambiente de trabalho. À época, declarou: "Tem havido uma cultura contínua e persistente de assédio sexual, agressão e discriminação no local de trabalho, e agora é hora de agir".

Pouco após o anúncio da renúncia nesta terça, autoridades começaram a se manifestar. Em uma rede social, o prefeito da cidade de Nova York, o também democrata Bill de Blasio, disse que o episódio é resultado de sobreviventes que contaram corajosamente suas histórias —em referência às mulheres que apresentaram as denúncias. "Já era hora de Andrew Cuomo renunciar para o bem de toda Nova York."

Eric Adams, ex-policial e candidato democrata à Prefeitura de Nova York, disse que a renúncia era o melhor a se fazer para o interesse dos nova-iorquinos.

A procuradora-geral do estado, Letitia James, que capitaneou as investigações, agradeceu ao governador pelos serviços prestados, mas também enfatizou a importância do seu afastamento. "Hoje se fecha um capítulo triste para toda a cidade de Nova York, mas é um passo importante em direção à justiça."

Já a advogada de Cuomo, Rita Glavin, alegou em um vídeo que a mídia criou um ambiente injusto para seu cliente e que o relatório da procuradoria-geral errou. "Omitiu as principais evidências e não incluiu testemunhas cujo depoimento não apoiaria a narrativa que, estava claro, esse relatório defenderia desde o primeiro dia."

Com a saída do democrata, Nova York terá a primeira mulher à frente do governo. A vice-governadora Kathy Hochul, 62, ocupará o cargo até o fim de 2022, quando deveria ser encerrado o mandato de Cuomo caso ele não tivesse renunciado ou não fosse impedido pelo legislativo.

Advogada de formação, ela trabalhou com questões ligadas a gênero, inclusive com uma campanha para combater justamente o assédio sexual nas universidades americanas.

Poucas horas após virem à tona os resultados da investigação contra Cuomo, ela escreveu em uma rede social: "Assédio sexual é inaceitável em qualquer ambiente de trabalho, especialmente no serviço público. A investigação da procuradora-geral documentou comportamentos repulsivos e ilegais do governador contra uma série de mulheres. Eu acredito nessas mulheres e admiro sua coragem de seguir em frente".

A renúncia, porém, não isenta Cuomo das acusações. A depender do curso das investigações, ele ainda pode responder nas esferas civil e criminal. Cinco procuradores já indicaram que investigariam dentro de seus distritos o comportamento do governador, segundo informações do jornal The New York Times.

Além das acusações de assédio sexual, que ganharam maior amplitude e apelo popular, Cuomo também é investigado por outros supostos crimes. Pesam contra ele e sua equipe acusações de ter fornecido dados subnotificados sobre mortes de idosos em asilos em meio à pandemia de Covid, e promotores também investigam se o governador teria facilitado o acesso de sua família a resultados de testes de coronavírus no início da crise sanitária.

A Assembleia do estado de Nova York também poderia prosseguir com o processo de impeachment, embora nenhum indicativo tenha sido dado por ora. Caso condenado, Andrew Cuomo poderia ser impedido de concorrer novamente a um cargo estadual.


A CARREIRA DE ANDREW CUOMO

1982 Trabalha como coordenador da campanha de seu pai, Mario Cuomo, que ganhou a eleição para governador de Nova York

1986 Trabalhando como procurador, funda a Help USA, organização sem fins lucrativos dedicada a construir casas a pessoas sem-teto

1993 Então líder da Comissão dos Sem-Teto da cidade de Nova York, é nomeado secretário-assistente do Departamento de Moradia e Desenvolvimento Urbano (HUD, na sigla em inglês) do então presidente Bill Clinton

1997 É promovido a secretário do HUD

2002 Disputa as eleições para governador de Nova York contra o republicano George Pataki, que tentava a segunda reeleição após derrotar Mario Cuomo em 1994; é alvo de críticas por suas atitudes de campanha e desiste da corrida logo antes das primárias democratas

2006 Após alguns anos na indústria privada, torna-se procurador-geral do estado de Nova York

2010 Ganha a eleição para governador de Nova York; entre as ações de seu primeiro mandato, legaliza o casamento gay no estado e, após o tiroteio em uma escola de Sandy Hooks —um dos maiores na história dos Estados Unidos—, passa uma série de leis de controle de armas

2014 É reeleito e, no segundo mandato, realiza um dos maiores projetos de infraestrutura do país, reformando uma ponte que liga as vilas de Tarrytown e Nyack; um de seus principais assessores é preso por corrupção

2018 Inicia seu terceiro mandato e aprova uma lei a favor dos direitos reprodutivos das mulheres e uma medida que facilita que trabalhadores processem seus empregadores por assédio sexual

2020 Com o início da pandemia, ganha popularidade por seu combate ao coronavírus; em dezembro, uma ex-assessora do governador, Lindsey Boylan, o acusa de assédio sexual

2021 Em janeiro, uma investigação da procuradora-geral do estado, Letitia James, revela que a administração do governador escondeu metade das mortes por Covid de idosos em asilos do estado; em fevereiro, uma ex-assessora, Charlotte Bennett, o acusa de assédio sexual —a partir daí, outras 9 mulheres também o denunciam até que, em agosto, o governador renuncia

Com Reuters e The New York Times

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