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Taleban avança, e EUA dizem que vitória militar vai isolar o grupo

Fundamentalistas conquistaram a oitava capital provincial em cinco dias no Afeganistão

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São Paulo

O Taleban conquistou a oitava capital provincial do Afeganistão em cinco dias, ampliando o cerco aos bolsões governistas no país. Os Estados Unidos, por sua vez, advertiram que uma vitória militar irá isolar o grupo fundamentalista islâmico.

A bola da vez nesta terça (10) foi Farah, capital da província homônima perto da fronteira com o Irã, um ponto importante para aumentar o cerco a Herat —cidade importante ao norte dela.

Tanques tadjiques fazem exercício militar com a Rússia e o Uzbequistão perto da fronteira afegã
Tanques tadjiques fazem exercício militar com a Rússia e o Uzbequistão perto da fronteira afegã - Didor Sadulloev/Reuters

"Eles capturaram o escritório do governador e o quartel-general da polícia", disse à agência France Presse Shahla Abubar, membro do conselho local. Outros órgãos, como a rede qatari Al Jazeera, confirmaram a informação.

Também passou ao controle dos insurgentes a cidade de Pul-e-Khumri, capital de Baghlan. Segundo relatos, as forças de segurança afegãs se retiraram após duas horas de combate.

O jornal New York Times diz ainda que o Taleban tomou Faizabad, na província de Badakhshan —se a informação for confirmada, terá sido a nona capital capturada em menos de uma semana.

O avanço dos talebans, 20 anos após terem sido expulsos do poder pela invasão americana em retaliação à guarida que o grupo dera à rede Al Qaeda nos atentados do 11 de setembro de 2001, vem sendo vertiginoso.

Até porque negociava um tratado de paz enfim assinado com os Estados Unidos em outubro passado, o grupo vinha moderando suas ações e as limitando a áreas de interior. Desde o domingo retrasado, lançou uma grande ofensiva contra centros urbanos.

O motivo foi a retirada norte-americana e de seus aliados ocidentais do país, decidida em abril e que já chegou a 95% das tropas, devendo acabar no dia 31. O presidente Joe Biden manteve o arranjo feito por Donald Trump e avisou que os afegãos deveriam cuidar de seu destino.

Na prática, entregou o país ao Taleban. De sexta para cá, caíram Zaranj, Sheberghan, Sar-e-Pul, Kunduz, Taloqan, Aybak e, agora, Farah e Pul-e-Khumri. Com o oeste e o norte sendo dominados, está sendo fechado o cerco à mais importante cidade do noroeste do país, Mazar-i-Sharif.

Segundo o Taleban, já há combates em sua periferia. Centros ao sul como Kandahar seguem sob ataque, assim como Lashkar Gah, mais a oeste. A União Europeia estima que 65% do território afegão já está fora do controle do governo em Cabul —o país tem ao todo 34 províncias, mas muitas são minúsculas.

O presidente afegão, Ashraf Ghani, apelou nesta terça a líderes tribais para que não mudem de lado e apoiem o Taleban, como já foi registrado em alguns pontos.

Essas lealdades móveis sempre foram centrais nas disputas de poder no Afeganistão desde que a guerrilha islâmica ajudou a expulsar os soviéticos em 1989, quando o país entrou em um período de guerra civil.

Em 1996, apoiados pelo Paquistão, os talebans chegaram ao poder e instituíram um regime medieval de extrema violência contra mulheres e minorias. Só caiu por ter dado abrigo a Osama bin Laden e seus terroristas, mas nunca deixou de existir.

O avanço taleban deixa o grupo numa posição de força. No seu acordo com os EUA, teoricamente ele deveria ser incluído num governo nacional, mas tudo indica que isso talvez não seja necessário.

Nesta quarta (11), EUA, Rússia, China e Paquistão farão um encontro em Doha (Qatar) para debater a questão. Ao chegar ao emirado, o representante americano, Zalmay Khalilzad, disse que o Taleban ia virar um pária internacional se tomasse o poder à força.

É um fato relativo, como as conversas em separado entre o grupo e a China apontaram há duas semanas. Os chineses têm interesse em manter a estabilidade em sua fronteira e os investimentos que pretendem fazer para engolir economicamente o vizinho, a exemplo do que fazem no Paquistão.

Os paquistaneses são centrais, pelo seu laço com o Taleban, nas conversas. O governo afegão se queixa deste apoio e pediu ajuda à arquirrival do Paquistão, a Índia, para que usasse sua Força Aérea em ataques ao Taleban.

O pedido foi ignorado, pois Nova Déli não quer envolvimento militar no atoleiro afegão, mas mostra uma dinâmica política nova. Os indianos têm diversos investimentos no Afeganistão, mas por ora fecharam seus consulados e pediram para que seus cidadãos deixem o país.

Pesa na memória coletiva o tratamento dado pelo Taleban às minorias hindu e sikh no seu tempo de governo, comparado por muitos com o que os nazistas dispensaram aos judeus antes do Holocausto, mas daí ao governo de Narendra Modi se envolver diretamente parece haver uma certa distância.

A intervenção americana custou estimadas 170 mil vidas, a maioria esmagadora de afegãos, e pelo US$ 2,6 trilhões aos cofres de Washington. Politicamente, desde a execução de Bin Laden por comandos americanos no Paquistão em 2011, ficou bastante indefensável.

Ao mesmo tempo, há o temor generalizado da volta do Taleban, que em sua versão 2021 tem contatos com organizações extremistas mais desenvolvido do que há duas décadas —apesar de ser anfitrião de Bin Laden, até pelo papel que o saudita tivera na resistência contra Moscou, o foco do grupo era domínio territorial.

Agora, aponta Ghani, seus elementos estariam mais radicalizados. "As pessoas com razão temem que a tomada de poder pelo Taleban apague os ganhos de direitos humanos das últimas duas décadas", afirmou a alta comissária das Nações Unidas para Direitos Humanos, Michelle Bachelet.

Enquanto tudo isso se desenrola, a Rússia comanda exercícios militares no Tadjiquistão com forças do país e do Uzbequistão, perto da fronteira afegã, visando dar um recado para que o Taleban não leve a guerra civil para seu flanco estratégico na Ásia Central.

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