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Presidente da Tunísia prorroga suspensão do Parlamento e aprofunda temor de golpe

Após destituir premiê e assumir o Executivo há um mês, Saied ainda não formou novo governo

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Túnis | AFP e Reuters

Em mais um capítulo da crise pela qual passa a Tunísia, o presidente Kais Saied prorrogou, na noite desta segunda-feira (23), a suspensão do Parlamento, em vigor desde 25 de julho, medida que gerou mais denúncias de golpe.

Por meio de um decreto, Saied estendeu as medidas de exceção relativas à suspensão das atividades de todos os deputados, bem como da imunidade dos parlamentares, até nova ordem, segundo comunicado da Presidência. Foi anunciado ainda um pronunciamento à nação nos próximos dias, sem maiores detalhes.

O presidente da Tunísia, Kais Saied, durante reunião em Túnis
O presidente da Tunísia, Kais Saied, durante reunião em Túnis - 19.ago.21/Divulgação Presidência da Tunísia via Xinhua

Há um mês, o presidente tunisiano suspendeu o Legislativo por 30 dias, destituiu o primeiro-ministro Hichem Mechichi e assumiu plenos poderes pelo Executivo —a Tunísia funciona em um sistema parlamentar misto em que cabem ao presidente apenas as funções diplomáticas e militares, e o país é governado pelo primeiro-ministro.

A decisão foi denunciada como um golpe de Estado por juristas e opositores do presidente, em particular pelo partido islâmico Ennahda, que tem a maior bancada do Parlamento. Após as medidas, o presidente não nomeou um novo primeiro-ministro nem apresentou seus planos, exigidos por aliados ocidentais, partidos políticos e organizações da sociedade civil.

Diante das reivindicações da oposição, Saied repetiu que agiu estritamente "dentro do quadro da lei" e da Constituição de 2014. Desde que suspendeu o Parlamento há um mês, o presidente defende que suas medidas estão asseguradas pelo artigo 80 da Carta.

O artigo não fala que o presidente pode suspender o Parlamento, mas diz que, em caso de "perigo iminente que ameaça a integridade do país e sua independência e segurança, [o presidente] pode tomar medidas necessárias para essa situação excepcional", com a condição de consultar o primeiro-ministro e o chefe do Legislativo. Nesta terça (23), Saied defendeu que "o Parlamento é um perigo para o Estado".

A suspensão foi o ponto culminante de uma crise política que se estende há mais de seis meses, com Saied, o líder do Ennahda e presidente do Legislativo, Rashed Ghannouchi, e o primeiro-ministro Mechichi em constante conflito, o que paralisou o governo em meio à alta de contágios de Covid-19 —o país é o sexto do mundo em mortes por 100 mil habitantes, segundo dados do New York Times.

Nas semanas anteriores às medidas de Saeid, o país registrava uma série de atos contra o premiê e Ghannouchi, motivados também pela má gestão da pandemia de coronavírus. À época, o presidente afirmou em nota, para justificar suas decisões, que "muitos foram enganados pela hipocrisia, pela traição e pelo roubo dos direitos do povo".

Em protesto contra o mandatário, tunisianos foram às ruas, o que levou o governo a acionar tropas militares para conter manifestações. Em meio à crise, também foram determinadas novas restrições contra a Covid-19 —anúncio visto como uma tentativa de conter os protestos.

Entre outras ações, o Executivo decretou um toque de recolher cujo prazo final é sexta (27), com proibição de movimentação à noite, entre as 19h e as 6h, com exceção para emergências e trabalhadores noturnos. Também ficou proibida a circulação de veículos entre uma cidade e outra e reuniões de mais de três pessoas em vias ou praças públicas.

Exasperados com a classe política, muitos tunisianos, por outro lado, acolheram com entusiasmo as determinações de Saied na esperança de que ele tome medidas firmes contra a corrupção e a impunidade. O presidente foi eleito em 2019 como um outsider do sistema político, com um discurso anticorrupção.

Mas, embora o presidente goze de grande popularidade, suas medidas preocupam a comunidade internacional, que teme que o país volte ao autoritarismo de uma década atrás, quando estourou a Primavera Árabe, série de protestos que sacudiu o norte da África e o Oriente Médio a partir do fim de 2010. O chamado “expurgo anticorrupção” lançado pelo presidente após as medidas de julho aumenta a preocupação e o medo de um declínio das liberdades na Tunísia.

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Autoridades, empresários, juízes e deputados foram alvo de detenções, proibições de viagens e prisões domiciliares sem justificativa por decisão do Ministério do Interior, denunciaram defensores dos direitos humanos.

Os partidos políticos estão entre os mais afetados pelas ações do presidente, principalmente o Ennahda, que já estava enfraquecido. Nesta segunda-feira (23), pouco antes do anúncio de Saied, a sigla islâmica anunciou a saída de seus dirigentes.

O líder Ghannouchi decidiu encerrar as funções de todos os membros e formar uma nova diretoria "para responder às demandas do período atual com a eficiência necessária", informou a legenda num comunicado.

Em meio à mais grave crise política da última década, o país também precisa lidar com os problemas econômicos constantes desde a Primavera Árabe —no ano passado, a economia sofreu uma retração de 8%. Berço do movimento, a Tunísia é considerada o exemplo mais bem-sucedido daquelas revoluções.

Na ocasião, os manifestantes conseguiram tirar do poder o então ditador Zine el-Abidine Ben Ali e mudar o sistema político do país, com uma nova Constituição, em 2014, que estabeleceu a divisão de Poderes entre o presidente, o primeiro-ministro e o Parlamento.

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