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Herói de 'Hotel Ruanda' é condenado a 25 anos de prisão por terrorismo

Paul Rusesabagina, 67, usou fama internacional para dar visibilidade a denúncias contra líder autoritário de Ruanda

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Kigali (Ruanda) | Reuters

O ex-gerente de hotel retratado no filme "Hotel Ruanda", Paul Rusesabagina, 67, foi condenado a 25 anos de prisão depois de ter sido considerado culpado de integrar um grupo responsável por ataques terroristas. A Justiça de Ruanda chegou à decisão nesta segunda-feira (20).

Representado pelo ator Don Cheadle no filme que obteve três indicações ao Oscar, em 2005, Rusesabagina é um crítico vocal do presidente de Ruanda, Paul Kagame. Ele negou todas as acusações e disse que foi sequestrado em Dubai para ser levado ao julgamento. Seus apoiadores chamam as acusações de farsa e as classificam como provas do tratamento implacável de Kagame contra seus adversários.

O ex-gerente de hotel foi alvo de nove acusações, incluindo terrorismo e incêndio criminoso. Além disso, os promotores afirmaram que ele fez reféns em ações violentas e foi um dos responsáveis pela formação de um grupo rebelde armado que ele próprio dirigiu do exterior.

Paul Rusesabagina é algemado por um policial, após sua sessão de pré-julgamento no tribunal primário de Kicukiro, em Kigali, Ruanda
Paul Rusesabagina é algemado por um policial, após sua sessão de pré-julgamento no tribunal primário de Kicukiro, em Kigali, Ruanda - Stringer - 14.set.2020 / AFP

Rusesabagina foi condenado por oito crimes e absolvido da acusação que o apontava como criador de uma facção armada. A promotoria queria prisão perpétua, mas os juízes determinaram uma sentença de 25 anos. Assim, o ativista poderá sair vivo da prisão se chegar aos 92 anos de idade.

Ele reconheceu ter um papel de liderança no Movimento para a Mudança Democrática de Ruanda (MRCD, na sigla em francês), um grupo que se opõe ao governo de Kagame, mas negou responsabilidade pela violência cometida por seu braço armado, a Frente de Libertação Nacional (FLN).

Entre outros réus julgados no mesmo processo está Callixte Nsabimana, popularmente conhecido como Sankara, que era um porta-voz da FLN e afirmou ao tribunal que Rusesabagina não era membro do braço armado. Os juízes, no entanto, afirmaram que os dois grupos são indistinguíveis e se referiram a eles como MRCD-FLN. Sankara foi condenado a 20 anos de prisão.

Rusesabagina se recusou a participar do julgamento e não compareceu ao tribunal. Desde que foi preso, em agosto de 2020, ele só esteve nas primeiras audiências sobre seu caso, onde apareceu algemado e vestindo o uniforme da prisão.

O julgamento começou em fevereiro, seis meses depois de o ativista chegar a Kigali em um voo com origem em Dubai. Ele afirma ter embarcado em um jato particular cujo destino ele acreditava ser o Burundi. Ao pousar, no entanto, estava na capital ruandesa, onde foi detido.

À época, a ONG Human Rights Watch disse que a prisão, nessas circunstâncias, equivalia a um desaparecimento forçado e, portanto, era uma grave violação do direito internacional, ainda que Rusesabagina tenha embarcado voluntariamente no avião em Dubai.

O filme "Hotel Ruanda" o retratou como o gerente de um hotel cinco-estrelas onde 1.268 pessoas se abrigaram para escapar do genocídio de 1994 na capital do país. Estima-se que extremistas da etnia hutu mataram mais de 800 mil tutsis, além de hutus moderados.

Os críticos de Rusesabagina o acusam de usar seu sofrimento para parecer heroico. "Esse filme é ficção", afirmou Naphtal Ahishakiye, secretário-executivo da Ibuka, uma associação de sobreviventes do genocídio, à agência de notícias Reuters. "Ele dramatizou seus feitos em um filme e ganhou prêmios que não merecia".

Em novembro de 2005, Rusesabagina recebeu do então presidente dos EUA, George W. Bush, a Medalha Presidencial da Liberdade, o maior prêmio civil do país, onde vivia como exilado até o ano passado.

Ele usou sua fama para denunciar o que descreve como violações de direitos no governo de Kagame, um comandante rebelde tutsi que assumiu o poder depois que suas forças capturaram Kigali e interromperam o genocídio.

Em um vídeo publicado no YouTube em 2018, o ex-gerente de hotel diz que a política fracassou em Ruanda e que a mudança não poderia ser alcançada por meios democráticos. "Chegou a hora de usarmos todos os meios possíveis para realizar mudanças. É hora de tentarmos nosso último recurso."

A declaração de Rusesabagina foi vista como uma convocação à resistência armada. Um ano antes, Kagame havia sido reeleito com 98% dos votos.

O ator Don Cheadle (à dir.) representa o ex-gerente de hotel Paul Rusesabagina em cena de 'Hotel Ruanda' (2004)
O ator Don Cheadle (à dir.) representa o ex-gerente de hotel Paul Rusesabagina em cena de 'Hotel Ruanda' (2004) - Blid Alsbirk/MGM Pictures/Reuters

O líder ruandês nega todas as acusações de abuso e conta com apoio de doadores ocidentais para restaurar a estabilidade e impulsionar o crescimento do país que comanda há quase 30 anos. Grupos de direitos humanos o acusam de uma série de detenções arbitrárias e episódios de maus-tratos e tortura.

A família de Rusesabagina já sabia qual seria o veredicto, disse sua filha, Carine Kanimba, à Reuters. Ela afirma que o pai teve acesso negado a advogados dentro e fora do país e ficou em confinamento solitário por 250 dias.

Seu advogado ruandês acusa as autoridades do país de interceptar documentos legais e negar acesso a uma equipe jurídica internacional. A defesa ainda vai se encontrar com o ativista para saber se ele deseja recorrer da decisão desta segunda.

Um porta-voz da promotoria insistiu que o julgamento foi justo, mas a HRW disse que houve "múltiplas violações" no processo e que "os tribunais de Ruanda são dominados pela influência política".

Em comunicado, a ministra das Relações Exteriores da Bélgica, Sophie Wilmes, disse que Rusesabagina, que tem cidadania belga, "não recebeu um julgamento justo e equitativo, particularmente no que diz respeito aos direitos da defesa".

Já para o porta-voz do Departamento de Estado americano, Ned Price, "a relatada falta de garantias de um julgamento justo põe em questão a justiça do veredicto".

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