Descrição de chapéu talibã Ásia terrorismo

Líder do Talibã é radical ultraconservador, mas grupo hoje é multifacetado

Akhundzada foi chefe das cortes islâmicas dos fundamentalistas e assumiu chefia em 2016

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São Paulo

O novo líder supremo do Afeganistão, Hibatullah (ou Haibatullah) Akhundzada, é uma figura misteriosa e associada a tudo o que tornou o Talibã sinônimo de repressão ultrarreligiosa islâmica.

Um pashtun da tribo Noorzai, ele nasceu em algum momento de 1961 no distrito de Panjwayi, na província de Kandahar —que viria a ser o centro espiritual do Talibã após a fundação do grupo, em 1994.

Soldados do Talibã em Cabul junto a poster com a única foto conhecida de Akhundzada
Soldados do Talibã em Cabul junto a poster com a única foto conhecida de Akhundzada - 26.ago.21/Reuters

Filho de um imã, sacerdote e estudioso muçulmano, ele se mudou para Quetta, no Paquistão, quando os soviéticos invadiram o Afeganistão, em 1979, e foi educado num madraçal (escola religiosa).

Segundo os parcos relatos disponíveis, ele teve contato com mujahedin (guerreiros santos) que lutavam contra os ocupantes comunistas de sua terra ao longo dos anos 1980, mas nunca se envolveu em combates, diferentemente de quase todos os líderes talibãs.

Sua autoridade se consolidou de forma espiritual, quando se associou ao Talibã na guerra civil que destroçou o Afeganistão após a retirada soviética de 1989. Já era tratado como mulá, clérigo muçulmano equivalente a chefe de paróquia no catolicismo, e mawlawi (ou maulana), um estudioso islâmico.

Em 1995, virou membro da polícia de vícios e virtudes, a temida força que implementava a visão radical da lei islâmica por parte do grupo fundamentalista nas áreas ocupadas.

Execuções, anulação do papel da mulher na sociedade, perseguições e punições públicas foram a regra do regime aberrante implementado em quase todo o país a partir do ano seguinte.

Atuou na província de Farah e depois mudou-se para Kandahar, onde se ligou ao madraçal Jihadi, o preferido do fundador do Talibã, mulá Mohammed Omar. Ascendeu na hierarquia da legislação religiosa, chegando a número 2 da Suprema Corte do país.

Conhecido por posições extremas na aplicação da sharia, quando o Talibã foi expulso do poder pelos americanos em 2001 ele ganhou ainda mais prestígio. Ocupou o cargo de presidente de todas as cortes islâmicas ligadas ao Talibã e virou assessor pessoal do mulá Omar.

Ganhou fama pelas fatwas, sentenças religiosas, duras para impor disciplina ao grupo durante sua desagregação inicial após a queda. Quando Omar morreu de tuberculose em 2013, foi sucedido por Akhtar Mansur, que manteve Akhundzada na mesma posição.

Em 2015, quando a morte de Omar foi revelada ao mundo, ele virou um dos líderes adjuntos do Talibã. No ano seguinte, um ataque com drone americano matou Mansur, e o clérigo acabou eleito pela shura (assembleia tribal) de Quetta como novo chefe do grupo.

Assim, ele aparentemente pacificou uma disputa entre Mohammad Yaqoob, um dos cinco filhos de Omar e chefe militar dos talibãs, e Sirajuddin Haqqani, líder da poderosa rede terrorista que leva seu sobrenome.

Aparentemente é o termo a ser usado: pouco se sabe das ações de Akhundzada. Assim como Omar depois da queda do Talibã de 2001, ele nunca é visto em público. Só há uma foto conhecida dele. O líder tem um número incerto de filhos, e um deles se matou num atentado suicida com a bênção do pai em 2017, contra uma base militar na província de Helmand, de acordo com a imprensa afegã.

Seu papel no novo regime em consolidação será semelhante ao do fundador do Talibã: líder supremo, com palavra final sobre quaisquer aspectos da vida no país, mas na prática uma figura mais simbólica. É algo semelhante ao posto exercido pelo xiita Ali Khamenei no Irã.

O dia a dia do país estará nas mãos de outro mulá, Abdul Ghani Baradar, que virou a face pública do Talibã ao chefiar a delegação do grupo que negociou a paz com os americanos em Doha, em 2020.

Baradar, cujo sobrenome é um apelido ("irmão") dado pelo mulá Omar, era o principal executivo do Talibã após 2001 e foi preso em 2010 no Paquistão por negociar com o governo afegão sem contar a seus anfitriões do serviço secreto de Islamabad.

Solto em 2018 a pedido dos EUA para trabalhar no processo de paz, virou número 2 do grupo. Foi o primeiro líder exilado a voltar ao país depois da tomada do poder, em 15 de agosto.

Ele deverá concentrar muitos poderes, dada sua interlocução externa e experiência, deixando em tese para Akhundzada uma função mais cerimonial. Mas diziam isso de Omar também, e ele concentrou poderes absolutos na sua gestão do Afeganistão.

Não parece ser o caso agora, já que o Talibã é um grupo mais multifacetado hoje, e o governo deverá parecer mais com uma administração normal, mantendo os ministérios existentes, a acreditar nas declarações de seus porta-vozes desde a volta ao poder. Restará saber também o comportamento do "Amir-ul Monimeen", o "comandante dos fiéis", acerca das barbaridades cometidas no primeiro governo talibã, dado que o grupo tem prometido moderação nessa sua reencarnação.

A divisão interna de poder no Talibã é perceptível na proeminência de alguns de seus líderes. Enquanto o líder da rede Haqqani, Sirajuddin, é recluso e tem uma recompensa de US$ 10 milhões colocada pelos EUA sobre sua cabeça, seu irmão Anas tem tido assento em todas as discussões em Cabul.

A rede, classificada como terrorista pela ONU e pelos americanos, cuida da segurança da capital. Os soldados uniformizados e equipados com material dos EUA vistos na cidade, com aspecto profissional que os distanciam dos homens com vestimentas tradicionais e chinelos associados ao antigo Talibã, são de sua unidade de elite, a Badri-313.

Antigos líderes talibãs, além de Baradar, também dão as cartas. É o caso de Sher Mohammad Abbas Stanikzai. Um veterano da guerra contra os soviéticos, ele foi policial na Índia e é visto como um dos mais diplomáticos integrantes da cúpula talibã —foi o número 2 de Baradar em Doha.

Yaqoob, o filho do mulá Omar, detém grande respeito e, apesar de ser o chefe militar do Talibã desde 2020, tem tropas especificamente leais a si durante suas movimentações em Kandahar. Preterido na disputa anterior pela chefia do grupo pela pouca idade, talvez 25 anos à época, agora é peça central do xadrez.

Em outros tempos, como no pós-retirada soviética, essas divisões foram a receita para uma guerra civil. Além disso, ainda hoje há "senhores da guerra" importantes fora do Talibã no país, como o uzbeque Abdul Rashid Dostum. Se os novos donos do poder conseguirão arrumar o tabuleiro, é algo ainda em aberto.

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