Macron poderá liderar a União Europeia após a saída de Angela Merkel?

Primeira-ministra alemã deixa cargo como figura dominante da política do bloco

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Steven Erlanger
Paris | The New York Times

Depois de os alemães irem às urnas neste domingo (26) e um novo governo ser formado, a primeira-ministra Angela Merkel vai deixar o poder, após passar 16 anos como a figura dominante na política europeia. É o momento pelo qual o presidente francês Emmanuel Macron espera.

Apesar de ser vista como responsável por ter controlado múltiplas crises, a alemã é criticada há muito tempo por falta de visão estratégica. Macron, cujo estilo mais ousado e bombástico às vezes irrita seus parceiros europeus, sem falar em Washington, tem proposto ideias para uma Europa mais independente e integrada, mais capaz de tomar as rédeas de sua própria defesa e promover seus próprios interesses.

Porém, como deixou claro a “traição” anglo-americana no caso dos submarinos australianos, Macron às vezes nutre ambições que estão fora de seu alcance. Apesar do vácuo que Merkel deixará, é pouco provável que tenha início uma era de Macron.

Em vez disso, opinam analistas, a União Europeia se encaminha para um período de incerteza prolongada e potencial fraqueza, se não necessariamente de indefinição de seus rumos. Nenhuma figura isolada —nem mesmo Macron ou um novo premiê alemão— será tão influente quanto foi Merkel em seus momentos mais fortes: uma líder respeitada e bem informada que administrou compromissos discretamente e construiu consensos entre uma sequência longa de colegas mais agressivos e movidos por suas ideologias.

Emmanuel Macron e Angela Merkel durante encontro de cúpula da UE - John Thys -24.mai.2021/AFP

Esse fato levanta a perspectiva de uma paralisia ou de a Europa não conseguir administrar corretamente seus desafios –o que fazer em relação a uma América cada vez mais indiferente, em relação à China e Rússia e em relação a comércio e tecnologia. Ou mesmo a perspectiva de uma fragmentação mais perigosa da união sempre tênue do pró prio bloco europeu.

E isso significará que Macron, que será candidato à reeleição em abril e estará ocupado nessa campanha incerta, será obrigado a esperar por um governo alemão que talvez só esteja instalado em janeiro ou ainda mais adiante, para então cooperar estreitamente com um chanceler alemão mais fraco.

“Teremos um premiê alemão fraco presidindo uma coalizão maior e menos unificada”, comentou Mujtaba Rahman, diretor-gerente para a Europa da consultoria de risco político Eurasia Group. “Um premiê mais fraco será menos capaz de exercer influência na Europa, e então, com a eleição de Macron, os ciclos políticos desses dois países-chaves não estarão em sincronia.”

É provável que essa incerteza se prolongue até depois das eleições parlamentares francesas, em junho de 2022 –isso presumindo que Macron saia vencedor.

Macron tem argumentado com veemência que a Europa precisa fazer mais para proteger seus próprios interesses em uma região onde a China está em ascensão e os EUA estão voltados à Ásia. Seus subordinados já estão tentando preparar o terreno em algumas questões-chaves, de olho em janeiro, quando a França assumirá a presidência rotativa da União Europeia.

Mas, dada a probabilidade de negociações prolongadas para a formação de uma coalizão governante na Alemanha, a janela para realizar algo concreto é pequena.

Macron precisará de ajuda da Alemanha. Embora França e Alemanha juntas não possam mais comandar a União Europeia sozinhas, quando elas estão de acordo, tendem a ganhar a adesão do restante do bloco.

Por isso mesmo, construir um relacionamento com o novo premiê alemão, mesmo que seja uma figura mais fraca, será uma das metas primordiais de Macron. Como destacou Daniela Schwarzer, diretora-executiva para a Europa e Eurásia da Open Societies Foundations, o líder francês precisará tomar cuidado para não assustar os alemães.

“A liderança de Macron é do tipo que promove rupturas, enquanto o estilo alemão consiste em transformar instituições de maneira incremental”, diz. “As duas partes precisarão refletir sobre como criar condições para a outra parte reagir construtivamente.”

As autoridades francesas entendem que transformações substanciais serão lentas. Elas vão querer construir em cima de iniciativas que já estão em curso, como a análise dos interesses da Europa conhecida como a “bússola estratégica”, um aumento modesto mas constante nos gastos militares com novas capacidades, por meio do novo Fundo de Defesa Europeia, e um programa chamado Pesco que vista promover projetos conjuntos e interoperabilidade europeia.

A França também quer se tornar mais assertiva usando as ferramentas econômicas e financeiras que a Europa já possui, especialmente o comércio e a tecnologia, dizem autoridades. A ideia, explicam, é não pressionar muito forte e rápido, mas endurecer o jogo europeu em relação à China e aos EUA e procurar encorajar uma cultura que se sinta à vontade com o poder.

Mas os parceiros alemães da França vão estar passando por um período de incerteza e transição. A previsão é que um novo chanceler alemão conquiste apenas um quarto dos votos, sendo provável que seja obrigado a negociar um acordo de coalizão com três partidos políticos. A expectativa é que esse processo se prolongue até o Natal ou mesmo depois disso.

O novo chanceler também vai precisar se colocar a par das questões europeias, que mal foram citadas na campanha, e construir credibilidade como o líder novato em meio a 26 outros governantes.

“Assim, é importante agora começar a pensar em vitórias franco-alemãs concretas durante uma Presidência francesa que Macron possa utilizar de maneira positiva em sua campanha”, disse Schwarzer. “Porque Berlim não quer cogitar de um cenário em que Macron perca” para a líder de extrema direita Marine Le Pen ou em que eurocéticos como Matteo Salvini cheguem ao poder na Itália.

Seja quem for o vencedor, a política alemã em relação à Europa vai continuar mais ou menos a mesma –a de um país profundamente engajado com os ideais da União Europeia, cauteloso e interessado em preservar a estabilidade e unidade. A questão real é se qualquer líder europeu poderá ser a força de coesão que foi Angela Merkel –e, se não, o que isso vai significar para o futuro do continente.

“A própria Merkel foi importante para conservar a UE unida”, comentou Ulrich Speck, do think tank German Marshall Fund. “Ela zelava pelos interesses de muitos na Europa, especialmente da Europa central, mas também da Itália, para que todos pudessem se conservar unidos.”

Merkel enxergava a União Europeia como a base fundamental de sua política, disse um político europeu sênior, que a descreveu como a guardiã dos verdadeiros valores da UE, disposta a ceder para conservar o bloco unido, conforme foi evidenciado pelo apoio que ela deu ao endividamento coletivo –até então algo totalmente rejeitado pelos alemães— para financiar um fundo de recuperação do coronavírus.

“Merkel atuou como mediadora, sendo que houve e há muitas forças centrífugas que enfraquecem a Europa”, disse Thomas Kleine-Brockhoff, diretor da representação em Berlim do German Marshall Fund. “Não está igualmente claro como o próximo chanceler vai posicionar-se e posicionar a Alemanha.”

Mas Mark Leonard, diretor do European Council on Foreign Relations, destacou que “seja quem for o premiê, a Alemanha ainda é responsável por mais de metade do comércio chinês com a Europa.” Para ele, a Alemanha é “vastamente mais importante que os outros países em todos os temas principais, desde como lidar com a China até as guerras tecnológicas e a mudança climática”.

Por isso, disse Leonard, Macron “sabe que terá que ganhar a adesão do poder alemão para sua visão”.

Tradução de Clara Allain 

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