Talibã vai adotar Constituição do tempo do rei até escrever nova Carta

Em novo sinal contraditório, grupo adota texto liberal, mas diz que vai adaptá-lo ao islã

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Em mais um sinal contraditório acerca de suas intenções, o Talibã afirmou que irá adotar temporariamente a Constituição de 1964, do tempo em que o país era uma monarquia, considerada um texto liberal para os padrões locais.

Pedinte com burca pede esmola a outras mulheres, com véus islâmicos, em rua de Cabul
Pedinte com burca pede esmola a outras mulheres, com véus islâmicos, em rua de Cabul - Hoshang Hashimi - 26.set.2021/AFP

Por outro lado, afirmou nesta terça (28) à agência Aamaj News o ministro interino da Justiça, Abdul Hakim Sharae, a Carta será adaptada à interpretação que o grupo extremista faz do islã —o que deixa óbvias dúvidas se instrumentos como o voto feminino e o reduzido poder do clero muçulmano ficarão de pé.

O novo texto, até a confecção de um definitivo, deve remeter à lei islâmica, cuja leitura aberrante feita pelo Talibã tornou famoso seu governo de 1996 a 2001 pela brutalidade.

O documento de 1964 foi aprovado em uma loya jirga, ou grande assembleia de anciãos tribais, no reinado de Mohammed Sahir Shah (1933-1973). A Carta limitava o poder de religiosos e indicava que não havia rituais ou normas islâmicas obrigatórias a serem seguidas. O Parlamento ganhava autonomia.

Quando governou a maior parte do país, ao emergir vitorioso de uma guerra civil, o Talibã basicamente aplicou uma versão medieval das leis religiosas, removendo mulheres do espaço público.

O grupo acabou derrubado pela invasão americana de 2001, por ter apoiado a Al Qaeda, que havia perpetrado os atentados do 11 de Setembro nos EUA. A presença ocidental acabou neste ano. A retirada gradual das últimas tropas a partir de abril levou o Talibã a montar uma ofensiva devastadora, que em duas semanas derrubou o governo apoiado pelos EUA de Ashraf Ghani.

Em 15 de agosto, o grupo retomou Cabul, acelerando a retirada de ocidentais e afegãos aliados a eles, em um festival de imagens chocantes em torno do aeroporto da capital —e o mais mortífero atentado já realizado na cidade, atribuído ao rival Estado Islâmico.

Desde então, os talibãs tentam se colocar como uma força mais moderada e interessada em integrar-se ao mundo. Prometeram espaço para mulheres na sociedade e anistia geral, mas a realidade se mostrou diferente até aqui.

Perseguições a adversários e colaboradores de ocidentais são frequentes, mulheres passaram a ser estritamente separadas de homens em locais como universidades e proibidas de fazer esportes. Execuções e amputações de membros de criminosos foram reinstaladas.

A Constituição válida até a chegada do Talibã foi promulgada em 2004, após dois anos de consultas sob o comando dos ocupantes ocidentais. Ela por um lado enfatizava aspectos modernizantes do texto de 1964, mas também ampliava a influência religiosa sobre o Legislativo e setores como a educação.

O presidente tinha poderes bastante amplos também, enquanto o Talibã por ora governa com um colegiado de 12 líderes e 25 ministros, sob a supervisão do líder supremo, o mulá Hibatullah Akhundzada.

O Talibã luta para ter reconhecimento internacional e acesso a verbas e financiamento, mas até aqui conta apenas com a simpatia expressa por China, Rússia e países do Golfo Pérsico, sem apoio efetivo. Há problemas sérios de gestão: a Prefeitura de Cabul disse nesta terça que a cidade corre o risco de um colapso no abastecimento de água.​

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.