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Ben Smith

Venda por US$ 1 bi coroa trajetória de improvável magnata da mídia americana

Robert Allbritton chegou a acordo para ceder Politico para a companhia de mídia alemã Axel Springer

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Ben Smith
The New York Times

Eu estava sentado em um bar ao lado de John Harris, um ex-editor da seção nacional do jornal The Washington Post. Era o final de 2006, e ele estava me recrutando para um novo projeto, um superblog chamado The Politico. Eu achei interessante, mas tinha algumas perguntas sobre o proprietário.

Nunca tinha ouvido falar em Robert Allbritton e questionei se ele seria do tipo de publisher bilionário que quer ter sua própria coluna na primeira página ou se seria do outro tipo de dono rico, um amador que enjoa rapidamente de seu brinquedo novo. Harris me respondeu na linguagem críptica de Washington: "Ele estudou em Wesleyan". E me pareceu que essa menção à heterodoxa faculdade de artes liberais em Connecticut significava algo como "ele é geralmente inofensivo".

Ao final, Allbritton era um pouco mais que isso. O herdeiro de Washington, cuja existência e influência moderada em Georgetown o colocavam a uma distância considerável dos personagens memoráveis do centro nervoso da mídia digital, conseguiu o tipo de negócio que seus homólogos em Nova York e Los Angeles apenas sonham: uma venda de US$ 1 bilhão.

Escritórios do Politico em Arlington, na Virgínia
Escritórios do Politico em Arlington, na Virgínia - Ting Shen - 27.ago.21/The New York Times

Em agosto, ele chegou a um acordo para vender Politico (o "The" foi abandonado logo no início) por US$ 1 bilhão em dinheiro para a companhia de mídia alemã Axel Springer, o que significa que ele provavelmente conseguiu a saída de maior sucesso da nova mídia de sua geração, em termos puramente econômicos. Allbritton, que tinha enterrado mais de US$ 50 milhões da fortuna da família no Politico até 2018, hoje está entre os mais bem-sucedidos investidores do século em mídia —embora o Politico, que nunca entrou na disputa ruidosa do capital de risco, raramente fosse citado entre as startups de mídia mais quentes.

"Nós nos prejudicamos um pouco por não pegar dinheiro de investidores de risco, porque simplesmente não participamos da conversa", disse Allbritton. Agora, acrescentou, ele está satisfeito por entregar sua companhia à Axel Springer, uma organização imponente de Berlim cuja torre por muito tempo representou um reluzente dedo médio erguido para o Leste comunista. "De certas maneiras, eles são mais americanos que a maioria dos americanos hoje em dia", disse Allbritton. "Eles representam a liberdade de imprensa, a liberdade de pensamento, são abertamente a favor da aliança transatlântica."

A Axel Springer publica o polêmico tabloide alemão Bild, e seu presidente, Mathias Döpfner, me disse que o negócio com o Politico cimentou o futuro da companhia na América. Allbritton comentou que a Redação não será submetida a uma característica notável da empresa alemã —uma declaração que os empregados são obrigados a assinar em apoio à aliança transatlântica e a Israel, entre outros valores favoritos.

Conversei com Allbritton, 52, por telefone durante 90 minutos. Haviam me prometido a primeira entrevista desde que a venda foi divulgada, e admito que esperava um drama. A história dele há muito me intrigava. Quando começou o Politico, Allbritton era conhecido como o herdeiro de uma dinastia ascendente de Washington que disputava com a mais aristocrática família Graham, dona do Washington Post.

O pai dele, Joe, foi um magnata da televisão de Houston, no Texas, que comprou o Washington Star em 1975, esperando transformá-lo em um concorrente combativo, mais à direita, do principal jornal da cidade.

Como editor, ele realmente fazia pressão para colocar sua coluna na primeira página, porque pertencia a "uma geração diferente" e era um sujeito do tipo mais "no comando e controle", segundo Allbritton filho.

Quando os reguladores federais o obrigaram a vender o Star em 1978, devido a regras de propriedade cruzada que impediam as companhias de mídia de possuir canais de televisão e jornais na mesma cidade, ele ficou arrasado —e atribuiu tudo a uma "ligeira conspiração", lembrou seu filho.

O Allbritton mais moço entrou para a empresa da família depois de se formar em Wesleyan em 1992, com diploma em governança. Em 2007, ele aproveitou uma brecha nos regulamentos de propriedade cruzada que permitia que uma companhia dona de canais de TV tivesse uma publicação que não saísse com regularidade (a edição impressa do Politico acompanha o calendário do Congresso).

Ele apostou na visão de dois ex-astros do Post, Harris e Jim VandeHei, que trouxeram Mike Allen, colunista da revista Time que já era conhecido como um repositório de notícias e fofocas de Washington, e ele encheu a newsletter Playbook do Politico com o tipo de material privilegiado que sustentava assessores da Casa Branca, anfitriões de Georgetown, lobistas da K Street e funcionários do Capitólio, igualmente.

O velho ficou encantado. Antes de sua morte, em 2012, ele usava um boné do Politico pela cidade.
Em 2013, Robert Allbritton, então presidente da Allbritton Communications, uma empresa privada, vendeu as estações de TV da família e se dedicou a seu próprio bebê, o Politico. Na semana passada, a venda por US$ 1 bilhão lhe deu o tipo de justificativa que os herdeiros nem sempre conseguem.

O drama entre pai e filho foi pequeno em comparação com a explosão que abalou o Politico em 2015. Naquele ano, a Axel Springer —já sócia no Politico Europe— fez uma proposta para comprar a publicação em um negócio avaliado em cerca de US$ 250 milhões, como confirmou Allbritton.

Robert Allbritton, proprietário e fundador da Capitol News Company, a empresa-mãe do Politico, nos escritórios da empresa em Arlington
Robert Allbritton, proprietário e fundador da Capitol News Company, a empresa-mãe do Politico, nos escritórios da empresa em Arlington - Ting Shen - 27.ago.21/The New York Times

VandeHei, então CEO do Politico, já estava impaciente por trabalhar em uma empresa familiar —e queria levar o negócio adiante. Allbritton recusou, assim como tinha recusado propostas da CNN e da Reuters.

Antigos ressentimentos entre VandeHei, Harris e Allbritton chegaram ao ponto de fervura. VandeHei, Allen e o tesoureiro Roy Schwartz deixaram o Politico e começaram a Axios, um sucesso imediato que se tornou um sério concorrente. A medida causou o fim do que para muitos parecia uma amizade estreita entre Allbritton e VandeHei, apesar de o primeiro ter dito que não levou a coisa para o plano pessoal.

"Muitas outras pessoas tiveram reações emocionais muito maiores que eu", disse ele, alegremente.

Allbritton também disse que não considerava a Axios uma concorrente, já que sua cobertura era "mais ampla" que a do Politico, e citou artigos recentes da Axios sobre a Apple News e o furacão que se aproximava de Nova Orleans. "Nós nunca faríamos uma matéria sobre meteorologia", afirmou.

Mas a saída de VandeHei não caiu bem com seu antigo sócio editorial, Harris, e com a nova editora do site, Carrie Budoff Brown. "Politico implode", gabou-se o Post. E quando a Axios assumiu o brilho da grande novidade quente, a rivalidade entre as duas publicações azedou. (Nesta altura, atribuir a culpa pela ruptura é um pouco como tentar arbitrar numa conversa o conflito Israel-Palestina.)

Harris passou o ano seguinte convencendo os repórteres e editores de Politico a não abandonar o navio, enquanto Budoff Brown reestruturava a Redação e trabalhava para melhorar a cultura do local de trabalho, que alguns empregados descreviam como triturante e às vezes sexista.

Em maio, Allbritton disse saber que VandeHei estava em negociações para vender a Axios para a Axel Springer. Teria ele começado a negociar com os alemães para atrapalhar o negócio? Suponho que talvez fizesse parte do interesse. E, no comunicado do Politico anunciando o plano da venda, uma frase de Allbritton sugeria isso: "Particularmente nos últimos anos demos ênfase a fazer, mais que a nos gabar".

Um porta-voz negou que a frase fosse destinada a seus ex-colegas, e Allbritton afirmou que, após anos de flerte com a Axel Springer, estava pronto para admitir que sua empresa familiar não tinha a "potência" necessária para continuar crescendo. "Ficaremos melhor com uma grande empresa global", afirmou.

No dia do anúncio, o New York Times relatou que a Axel Springer ainda poderia tentar um acordo com a Axios —talvez VandeHei fosse o CEO após a fusão das duas publicações? (Eu sempre imaginei que um dia desses ele disputaria um cargo político em sua Wisconsin natal.) Executivos do Politico em Washington pressionaram a companhia alemã para acrescentar uma firme negação da história, o que ela fez.

Questionado por que havia escolhido o Politico em vez da Axios, Döpfner me disse em entrevista por telefone: "É uma decisão fácil você preferir a número 1". Em uma mensagem para mim, VandeHei chamou a venda de "uma grande notícia" para as companhias que produzem jornalismo de qualidade.

Conforme mergulhei no acordo, chamou a minha atenção que a parte mais dramática da coisa toda talvez seja a solidez do negócio do Politico. O salto de uma oferta de US$ 250 milhões em 2015 para outra de US$ 1 bilhão em 2021 pode ser atribuído em parte a um mercado borbulhante e em parte ao desejo da ambiciosa empresa alemã de queimar o dinheiro que recebeu quando o gigante de private equity KKR a tornou privada em 2020. Mas a valorização está principalmente nas margens de lucro do Politico.

A Allbritton Communications vinha fazendo cheques para cobrir os prejuízos do Politico havia alguns anos em 2017, quando o CEO da empresa, Patrick Steel, disse que precisava de cerca de US$ 8 milhões para cobrir o buraco no orçamento do ano seguinte —e Allbritton se recusou a preencher mais um cheque.

"Nós raramente fomos os que conseguiram as manchetes do setor nos últimos cinco anos", disse Budoff Brown. "A estratégia não era especialmente atraente, e nós não éramos mais os novatos ambiciosos."

De fato, a força da empresa não está enraizada no tipo de reportagem política sensacional, o "furo", que fez de Politico um ator. Cerca da metade de sua receita vem de um projeto que VandeHei fez decolar em 2014, os produtos chamados Politico Pro Plus e Politico Pro Premium.

Essas plataformas digitais podem manter uma pessoa informada —por uma assinatura anual de meros US$ 10 mil ou mais— minuto a minuto sobre o funcionamento interno da Comissão de Agricultura, ou da Comissão das Forças Armadas ou qualquer coisa de interesse urgente aos lobistas e banqueiros de Washington. Os clientes assinam contratos por dois anos, de cinco a seis dígitos, e não são necessários tantos para formar uma empresa de mídia de rentabilidade e estabilidade invejáveis.

As margens de lucro foram superiores a 20% no ano passado e deverão superar 30% neste ano, sobre receitas de cerca de US$ 200 milhões, segundo a companhia. O influxo de caixa compensou os prejuízos iniciais de Allbritton. E uma próxima medida lógica para os novos proprietários, segundo ele, seria avançar no negócio de fornecer informação mais pura de dados especializados a insiders de Washington.

O modelo de negócios também permitiu que Politico —quer você goste ou não— ficasse amplamente fora das discussões nos últimos anos sobre se os jornalistas devem ser politicamente neutros em suas declarações públicas. "Culturalmente, o que fazemos está se tornando cada vez mais estranho para as pessoas", disse Allbritton. Muitos leitores, acrescentou ele, "ou vão para a esquerda dura ou para a direita dura —está quase se tornando uma discussão religiosa. De outro modo, por que as pessoas não estão se vacinando?". "O bonito é que nosso público real é a turma profissional do distrito federal", disse ele.

Allbritton recusou minhas tentativas de revelar seus sentimentos pessoais. Ele passa uma vibração de escoteiro e diz que mesmo que este texto fosse crítico não importaria muito para ele. "Se eu ficar chateado, é por uma hora e meia, no máximo", disse.

Houve um assunto, porém, que provocou alguns palavrões. A companhia de Allbritton opera locais sindicalizados e não sindicalizados, e o Politico hoje enfrenta uma campanha de organização da NewsGuild, que representa trabalhadores de mais de uma dúzia de canais de notícias, incluindo o Times.

"Se você está trabalhando num armazém, faz sentido", disse ele. "Mas quando você está falando de gente inteligente, que usa suas mentes para um projeto muito criativo, não entendo."

No melhor dos casos, acrescentou, a ameaça de um sindicato manteria os executivos da Axel Springer de prontidão. "Eles vão se esforçar mais para manter a flexibilidade", disse ele. E se a campanha sindical tiver êxito? "É aí que os caras da KKR vão aparecer", afirmou Allbritton.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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