No aniversário de dois anos dos megaprotestos que ocuparam as ruas do Chile em 2019 e resultaram na convocação de um plebiscito para formular uma nova Constituição, chilenos organizaram um novo dia de manifestações nesta segunda-feira (18).
Desde o início da madrugada, atos se espalharam pelo país —em especial na capital, Santiago, berço da onda de mobilizações de dois anos atrás. O movimento estudantil, que deu o pontapé inicial dos protestos em 2019 ao exigir a suspensão do aumento da tarifa do metrô, foi um dos grupos nas ruas.
“O único caminho é o exemplo de outubro”, dizia uma das faixas carregadas, segundo relatos da agência de notícias AFP. Cerca de cem manifestantes também interromperam o trânsito na avenida Alameda, a principal da capital, para exigir moradia digna.
Mais de 50 convocatórias eram para concentrações na praça Itália (ou Dignidad), epicentro das manifestações —onde, segundo a polícia, havia 10 mil pessoas. Muitos dos atos foram realizados em estações de metrô, algo comum nas mobilizações de 2019 e de 2011.
Por volta das 13h30, manifestantes também se reuniram em frente ao Congresso chileno para pedir a liberdade dos ativistas presos há dois anos, de acordo com informações do jornal La Nación, e ao menos 5.000 policiais foram mobilizados pelo país para acompanhar os atos.
Na noite desta segunda, a imprensa chilena falava em 30 detidos em razão de confusões pontuais.
Os megaprotestos de 2019 deixaram mais de 30 mortos e dezenas de feridos. Centenas de pessoas ficaram parcialmente cegas após serem atingidas por balas de borracha e gás que policiais dispararam, e o governo de Sebastián Piñera foi acusado internacionalmente por violações de direitos humanos.
Como marco simbólico da data, a Assembleia Constituinte escolheu esta segunda-feira para iniciar os debates das comissões temáticas que vão redigir o conjunto de leis. A líder mapuche Elisa Loncón, presidente do colegiado, felicitou a data, que descreveu como histórica.
“Pela primeira vez, nós, povos do Chile, sentamos na mesma mesa, em condições de igualdade e horizontalidade, para discutir e pensar um país em que a dignidade vire algo comum”, disse. “Hoje, esta Assembleia, filha da mobilização popular, começa um diálogo esperado há décadas —até mesmo séculos.”
A nova Carta deve substituir a que vigora desde 1981, escrita sob a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990). Ainda que a Constituinte tenha sido atrasada por debates para definir seu funcionamento interno, a redação do documento, que terá de ir a votação popular, é vista com esperança por analistas políticos.
"Essa agitação social está sendo canalizada para a construção da nossa democracia", disse a cientista política Pamela Figueroa, da Universidade de Santiago. "É um momento de comemoração, mas sabemos que também traz dor para muitas pessoas, em razão da violação de direitos humanos [em 2019]."
O presidente Piñera chegou a reconhecer, ainda naquele ano, que as forças de segurança do país descumpriram os protocolos de uso da força. A Anistia Internacional denunciou uma "política deliberada" para castigar manifestantes, e a Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet –ex-presidente do Chile–, investigou as denúncias de violência estatal.
A celebração de dois anos da onda de protestos que culminaram na Constituinte se dá, ainda, em meio a uma nova crise política. Há pouco menos de uma semana, partidos de oposição pediram o impeachment de Piñera, investigado pelo Ministério Público pela suposta prática de suborno e crimes fiscais.
Os possíveis crimes foram revelados após a publicação de uma apuração jornalística global —os Pandora Papers— que mostrou operações de ao menos 35 líderes mundiais em paraísos fiscais. Piñera é investigado por possível conflito de interesses na venda de uma mineradora que pertencia à sua família.
Também nos últimos dias, em meio a protestos do povo mapuche, o presidente determinou a militarização de quatro zonas das regiões ao sul do país onde eles se concentram, medida pela qual foi criticado.
Em menos de um mês, o país latino-americano terá eleições presidenciais. Os principais candidatos são o esquerdista Gabriel Boric, 35, o advogado de ultradireita José Antonio Kast, 55, e o governista Sebastián Sichel, 44 —este, impactado pela insatisfação com o atual chefe do Executivo, em queda nas pesquisas.
No Twitter, Boric celebrou o marco dos protestos. “Já faz dois anos que o Chile cansou dos abusos, e iniciamos um processo de mudanças que ainda está em disputa”, escreveu. “Vamos vencer, porque a força do povo é a unidade, não a violência.”
Já Kast disse que “não há nada para comemorar”. “É um dia para ser condenado. Nunca mais podemos voltar a aceitar a chantagem à institucionalidade do nosso país”, escreveu o presidenciável.
Sichel, por sua vez, afirmou que se trata de um dia que “deveria doer em todos, não sendo uma comemoração”, e fez uma defesa contra os “extremos políticos”. “É o fracasso da classe política, e os violentos puderam tomar a agenda porque a classe política não resolveu os problemas urgentes.”
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