O Ministério Público chileno abriu nesta sexta-feira (8) uma investigação contra o presidente do país, Sebastián Piñera, depois que reportagens baseadas nos Pandora Papers revelaram um possível conflito de interesses na venda de uma mineradora que pertencia à família do atual chefe do Executivo.
O negócio envolvendo a firma Dominga foi fechado em 2010, ano em que Piñera também ocupava a Presidência do Chile. Segundo a investigação jornalística, o comprador, amigo próximo do político, exigiu que não fosse criada uma área ambiental na zona de operação da empresa, o que atrapalharia a exploração de minério na região.
Ainda conforme a apuração, realizada pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês), a transação movimentou US$ 152 milhões (R$ 838 milhões) e foi dividida em três parcelas, sendo que a última apenas seria liberada caso não fosse estabelecida a área de proteção, requerida por ativistas.
Na época, o governo de Piñera acabou não delimitando a área como zona verde, e o pagamento, portanto, teria sido confirmado. Também causa suspeita o fato de que todo o acordo foi conduzido nas Ilhas Virgens Britânicas, um paraíso fiscal no Caribe.
De acordo com Marta Herrera, chefe do setor do Ministério Público para casos de corrupção, a apuração será conduzida pela procuradoria regional de Valparaíso, a 120 quilômetros de Santiago. Piñera será investigado pela prática de possível suborno e crimes fiscais, o que pode resultar, caso o presidente seja condenado, em cinco anos de prisão.
Nesta sexta, a Presidência chilena afirmou em comunicado que "é difícil compreender a decisão" do Ministério Público, uma vez que Piñera teria se desligado em 2009 da administração de qualquer empresa e que, como governante, "não executou qualquer ação" em relação à mineradora.
No comunicado, o governo ainda acusa a investigação de ser um movimento plantado. "Temos plena confiança de que, como em todas as ocasiões anteriores, a Justiça ratificará o que já foi decretado por si mesma e confirmará a total inocência do presidente Piñera”, diz o texto.
O próprio político se manifestou pouco depois, dizendo ter "plena confiança que a Justiça confirmará a inexistência de irregularidades" no caso e sua "total inocência". Segundo ele, o episódio já foi conhecido e julgado.
Na segunda-feira (4), um dia depois de o caso vir à tona via Pandora Papers, o presidente conservador já tinha dito desconhecer o negócio. “A decisão da administração de vender a Minera Dominga [nome da empresa] em 2010, da qual não fui informado, foi justamente para evitar qualquer indício de conflito de interesses”, disse Piñera, que também é um dos homens mais ricos do Chile –a revista Forbes estima que ele seja dono de uma fortuna de US$ 2,8 bilhões (R$ 15,4 bilhões).
O projeto de mineração foi aprovado por um tribunal regional, mas ainda tem recursos pendentes na Suprema Corte. O negócio inclui a exploração de duas minas a céu aberto –de ferro e cobre– no deserto do Atacama, na região de Coquimbo, 500 quilômetros ao norte de Santiago.
Além disso, o plano também engloba a construção de um porto de carregamento de minérios próximo a um arquipélago que abriga 80% dos indivíduos da espécie de pinguins-de-humboldt, além de outros animais ameaçados.
Em seu primeiro mandato, Piñera anunciou o cancelamento da construção da termelétrica Barrancones, pertencente à firma franco-belga Suez, que se instalaria perto da Minera Dominga. Porém, depois de suspender o projeto, o presidente não continuou manifestando apoio à proteção ambiental na região.
A oposição chilena no Congresso analisa a possibilidade de apresentar uma denúncia constitucional contra Piñera.
Pandora Papers
Capitaneada por mais de 140 veículos jornalísticos de 117 países, a investigação batizada de Pandora Papers expõe, desde o último domingo (3), centenas de empresários, celebridades e políticos que possuem contas em paraísos fiscais —como Suíça, Singapura, Chipre, Belize e Ilhas Virgens Britânicas.
Entre os principais líderes mundiais que apareceram nas apurações estão o presidente russo, Vladimir Putin; o rei Abdullah, da Jordânia; o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski; e Guillermo Lasso, chefe de Estado do Equador.
No Brasil, foram expostos o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. No caso de Guedes, as investigações apontam que ele abriu, em 2014, uma offshore nas Ilhas Virgens Britânicas em que depositou US$ 9,55 milhões (R$ 23 milhões na época). A empresa foi declarada à Receita.
O Código de Conduta da Alta Administração Federal proíbe funcionários da cúpula do governo de manter aplicações financeiras que possam ser afetadas por políticas governamentais. Depois de Guedes assumir a pasta da Economia, em 2019, a Comissão de Ética Pública, porém, julgou que o caso não configurava conflito de interesses. Já Campos Neto seria dono de uma offshore no Panamá.
Com o enfraquecimento político de Guedes, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou na quarta-feira (6) a convocação do ministro para explicar a existência de recursos dele em um paraíso fiscal.
Na segunda-feira, o procurador-geral da República, Augusto Aras, também determinou a instauração de uma apuração preliminar sobre as empresas ligadas às autoridades brasileiras.
Segundo o ministro, sua offshore é legal, foi declarada à Receita e ele se afastou da gestão da empresa antes de assumir o cargo no governo do presidente Jair Bolsonaro.
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