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Oposição no Chile entra com pedido de impeachment de Piñera por caso Pandora Papers

Presidente é acusado de legislar em causa própria em transação milionária envolvendo propriedades de sua família

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BAURU (SP)

O presidente do Chile, Sebastián Piñera, tornou-se alvo de uma "acusação constitucional" —equivalente a um pedido de impeachment— movida pela oposição nesta quarta-feira (13) em decorrência de possíveis irregularidades cometidas em um caso revelado pelos Pandora Papers.

A apuração realizada pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês) revelou um potencial conflito de interesses na venda de uma mineradora que pertencia à família de Piñera. O chefe do Executivo é um dos homens mais ricos do país –a revista Forbes estima que ele seja dono de uma fortuna de US$ 2,8 bilhões (R$ 15,4 bilhões).

Na semana passada, o Ministério Público chileno abriu uma investigação contra o presidente pela suposta prática de suborno e crimes fiscais, o que pode resultar, caso Piñera seja condenado, em cinco anos de prisão.

O presidente chileno, Sebastián Piñera, durante entrevista coletiva no Palácio de La Moneda, em Santiago
O presidente chileno, Sebastián Piñera, durante entrevista coletiva no Palácio de La Moneda, em Santiago - Cristobal Escobar/Agencia Uno via Xinhua

A apresentação do pedido de impeachment à Câmara dos Deputados é o primeiro passo de um processo de destituição que pode demorar várias semanas. Para avançar, a solicitação deve ser aprovada por ao menos 78 dos 155 deputados chilenos —atualmente, a oposição tem maioria na Casa. Segundo fontes do Congresso ouvidas pela agência de notícias AFP, é esperado que a votação seja realizada na primeira semana de novembro.

Em seguida, o pedido segue para o Senado, no qual, segundo a Constituição chilena, o processo só avança se tiver ao menos dois terços dos votos dos senadores —cenário considerado improvável por analistas, a menos que haja pressão popular nas ruas, por exemplo. Caso Piñera seja considerado culpado pelo Senado, será obrigado a deixar o cargo e ficará inelegível por cinco anos.

Para Jaime Naranjo, deputado pelo Partido Socialista do Chile e um dos autores do pedido, o presidente "infringiu abertamente a Constituição, comprometendo seriamente a honra da nação".

“Em nosso país, felizmente, existe o Estado de Direito, e as instituições estão funcionando. A Receita Federal e o Ministério Público estão fazendo o seu trabalho, e nós também, como Câmara e órgão de fiscalização", disse o parlamentar. "O presidente, que deve dar o exemplo, mina a imagem do país. Causa-nos muita dor que o Chile passe por esta situação devido ao presidente da República”.

A deputada Emília Nuyado, também socialista, pediu que os colegas votem contra Piñera. Além do caso revelado pelos Pandora Papers, a congressista também criticou o estado de exceção decretado nesta terça (12) em uma região reivindicada por indígenas que tem sido palco de conflitos com as forças de segurança.

"O presidente deveria ter sido acusado de violações de direitos humanos no âmbito da eclosão social e por todos os mutilados, assassinados e privados de liberdade", disse Nuyado, que tem ascendência mapuche.

Em defesa de Piñera, o porta-voz do governo, Jaime Bellolio, pediu que "os parlamentares que acreditam na democracia não se curvem a este clima de instabilidade". Para ele, a acusação contra o líder chileno é um "golpe suave", além de infundada e improcedente.

"Os presidentes são eleitos por mandato popular, e seu mandato termina após quatro anos, não quando um grupo de parlamentares de extrema esquerda deseja", afirmou.

Embora Piñera não seja candidato nas eleições presidenciais marcadas para novembro, o avanço do processo de acusação constitucional representaria mais uma derrota política para o líder conservador.

De acordo com as últimas pesquisas eleitorais, o esquerdista Gabriel Boric se mantém na liderança das intenções de voto, enquanto o governista Sebastián Sichel tem perdido apoio e vê a vaga no segundo turno ameaçada pelo candidato da ultradireita, José Antonio Kast.

Piñera nega qualquer irregularidade. No dia seguinte à publicação das primeiras reportagens baseadas nos Pandora Papers, ele disse desconhecer a transação milionária apontada nos documentos.

Segundo a investigação jornalística, o comprador da mineradora —Carlos Alberto Délano, amigo íntimo de Piñera— que pertencia à família do presidente exigiu que fosse barrada a criação de uma área de proteção ambiental na zona de operação da empresa, o que atrapalharia a extração de minérios na região.

A negociação, ainda segundo a reportagem, movimentou US$ 152 milhões (R$ 838 milhões) e foi dividida em três parcelas, e a última delas seria liberada apenas caso não fosse estabelecida a área de proteção.

À época, Piñera estava no primeiro ano de seu primeiro mandato na Presidência do Chile e acabou não delimitando a região como zona verde. O pagamento, portanto, teria sido confirmado.

Além disso, todo o acordo foi conduzido nas Ilhas Virgens Britânicas, um paraíso fiscal no Caribe. Em tese, esse tipo de atividade financeira não é ilegal, mas pode ser usado para evitar o pagamento de impostos, esconder a real identidade do proprietário das offshores envolvidas e facilitar lavagem de dinheiro para atividades ilícitas.

O governo de Piñera descreveu a investigação iniciada pelo Ministério Público como um "movimento plantado" e disse ter "plena confiança" de que a Justiça "confirmará a total inocência do presidente".

PANDORA PAPERS

Capitaneada por mais de 140 veículos jornalísticos de 117 países, a investigação, batizada de Pandora Papers em referência ao mito grego da caixa que continha todos os males da humanidade, expôs centenas de empresários, celebridades e políticos que possuem contas em paraísos fiscais —como Suíça, Singapura, Chipre, Belize e Ilhas Virgens Britânicas.

Entre os principais líderes mundiais que apareceram nas apurações estão, além de Piñera, o presidente russo, Vladimir Putin; o rei Abdullah, da Jordânia; o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski; e Guillermo Lasso, presidente do Equador.

No Brasil, foram expostos o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. No caso de Guedes, as investigações apontam que ele abriu, em 2014, uma offshore nas Ilhas Virgens Britânicas em que depositou US$ 9,55 milhões (R$ 23 milhões na época).

Com AFP e Reuters

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