Descrição de chapéu Rússia

Rússia cerceia repórteres horas após jornalista do país ganhar Nobel da Paz

Governo rotulou nove repórteres e três veículos como 'agentes estrangeiros'

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São Paulo

Horas depois de o Nobel da Paz ser entregue a um jornalista russo, Dmitri Muratov, por sua "coragem de lutar pela liberdade de expressão", o Ministério da Justiça da Rússia anunciou ter passado a rotular uma série de repórteres e publicações como "agentes estrangeiros".

A designação era usada na Guerra Fria para classificar dissidentes e hoje é dada a veículos de imprensa e ONGs críticos ao governo Putin. Nesta sexta (8), nove jornalistas e três empresas receberam a etiqueta.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin; governo do país rotulou jornalistas como 'agentes estrangeiros' - Evgeny Biyatov/Kremlin/via Reuters

O portal Bellingcat publicou nos últimos anos investigações sobre a participação do governo russo nos envenenamentos do opositor Alexei Navalni, em 2020, e do ex-agente secreto Serguei Skripal, em 2018. O site também apurou a responsabilidade de Moscou na derrubada do voo MH17, que deixou 298 mortos.

Eliot Higgins, britânico fundador do site hoje baseado na Holanda, fez piada no Twitter. "O Bellingcat foi considerado uma ameaça tão grande para a Rússia que fomos declarados agentes estrangeiros", escreveu. "Imagino que este seja o Nobel da Paz russo?"

Os portais MNews.world, com sede nos EUA, e Caucasus Knot também ganharam a tarja, junto a nove jornalistas, alguns dos quais famosos no país, como o repórter do serviço em russo da BBC Andrei Zakharov. Daniil Sotnikov, da Dojd TV, disse que a decisão "é desagradável, mas não é o fim do mundo".

Quem recebe o rótulo deve fornecer ao governo um relatório detalhado de suas atividades e de suas movimentações financeiras a cada seis meses. Além disso, todo o material publicado, tanto reportagens quanto mensagens em redes sociais, deve conter um longo aviso que indica o status de agente externo.

Muratov, vencedor do Nobel ao lado da filipina Maria Ressa, afirmou a um site russo após receber o prêmio que "tentará ajudar as pessoas declaradas agentes que estão sendo reprimidas e exiladas".

O laureado é cofundador e editor-chefe do Novaia Gazeta (novo jornal, em russo), um dos principais veículos de oposição ao governo do presidente Vladimir Putin. O comitê norueguês descreveu o jornal como o mais independente da Rússia atualmente.

Conhecido por investigações sobre corrupção no governo russo e coberturas sobre o conflito na Ucrânia, o Novaia Gazeta já viu seis de seus profissionais serem mortos desde 2001, um dos quais Anna Politkovskaia, assassinada a tiros no dia do aniversário de Putin em 2006. O prêmio a Muratov vem um dia após expirar o prazo para que os suspeitos pela morte da repórter fossem indiciados.

O editor russo dedicou a premiação aos colegas mortos e disse que pretende transferir parte do dinheiro do prêmio para uma fundação russa que ajuda crianças com doenças graves e raras.

Ainda que seja alvo de críticas de Muratov, o Kremlin parabenizou o jornalista pela premiação. "Ele trabalha persistentemente de acordo com seus próprios ideais, é dedicado a eles, talentoso e corajoso", afirmou o porta-voz Dmitri Peskov a repórteres pouco após o anúncio do comitê norueguês.

Muratov é o primeiro russo a ganhar o prêmio Nobel da Paz desde o ex-líder soviético Mikhail Gorbatchov, laureado em 1990 pelo papel desempenhado nas mudanças radicais nas relações Leste-Oeste. O político, aliás, ajudou a fundar o Novaia Gazeta em 1993, com parte do dinheiro que recebeu do prêmio.

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