EUA falam em risco iminente de invasão da Ucrânia pela Rússia

Moscou nega intenção e ambos os lados parecem estar blefando, mas há risco de confronto

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São Paulo

Subindo mais um degrau da crise entre o Ocidente e a Rússia, os Estados Unidos disseram a seus aliados europeus que o presidente Vladimir Putin está pronto para mandar invadir a Ucrânia, se assim o desejar.

Tal operação poderia ocorrer em janeiro ou fevereiro, segundo um relato feito na semana passada pela inteligência americana e vazado à agência Bloomberg.

Ele coincide com as alegações do secretário de Estado americano, Antony Blinken, de que os EUA temem a repetição de 2014 —quando, reagindo ao golpe que derrubou o governo pró-Moscou em Kiev, Putin anexou a Crimeia e fomentou a guerra civil que fez do leste ucraniano uma terra regida por separatistas.

Avião de transporte dispara iscas contra mísseis em treino das Forças Armadas da Ucrânia na região de Jitomir
Avião de transporte dispara iscas contra mísseis em treino das Forças Armadas da Ucrânia na região de Jitomir - Comando das Forças de Assalto Aéreas da Ucrânia via Reuters - 21.nov.2021

A nova leva de acusações joga água no moinho da crise, que tem outros aspectos em curso, como a disputa entre a Belarus, aliada de Putin, e a Polônia, membro da Otan (aliança militar ocidental) acerca de refugiados e a suspensão da certificação alemã do mais recente gasoduto russo.

O alarme tem fundamento na movimentação de tropas russas em regiões a cerca de 300 km das fronteiras ucranianas, desde o começo do mês. Kiev diz que há cerca de 100 mil soldados mobilizados.

O Kremlin não nega e diz que como posiciona suas forças é problema seu, mas nesta segunda voltou a negar que tenha intenção de atacar o vizinho. Repetindo o discurso linha-dura de Putin na semana passada, o porta-voz Dmitri Peskov acusou o Ocidente de estar tocando tambores de guerra ao fornecer armas como mísseis antitanque Javelin à Ucrânia.

Mais significativo do impacto do assunto, o serviço de inteligência internacional russo, o SVR, divulgou nesta segunda (22) uma raríssima nota pública negando a intenção. "Os americanos estão pintando um quadro assustador de hordas de tanques russos que irão começar a esmagar cidades ucranianas. Os burocratas americanos estão assustando a comunidade global", diz o texto.

De seu lado, o governo do impopular presidente Volodimir Zelenski realiza exercícios militares em torno de Kiev desde domingo (21), simulando ataques aerotransportados na área de Jitomir. Na semana passada, usou munição real em manobras perto da fronteira da Crimeia.

Toda essa movimentação está agitando os meios diplomáticos, pelo temor real de um confronto que possa testar o grau de comprometimento da Otan com Kiev. Os ucranianos querem fazer parte do clube militar, o que é inaceitável para a Rússia.

"Com ou sem a entrada na Otan, ver a Ucrânia como um porta-aviões inafundável controlado pelos EUA, estacionada a poucas centenas de quilômetros de Moscou, não é mais aceitável ao Kremlin do que foi Cuba [com mísseis soviéticos] para a Casa Branca quase 60 anos atrás", escreveu Dmitri Trenin.

Diretor do Centro Carnegie de Moscou, ele diz em artigo que "qualquer líder russo iria buscar impedir essa ancoragem, usando qualquer meio a seu dispor".

Trenin, contudo, é daqueles que não sabem se Putin está disposto a ir às vias de fato ou apenas blefando com seu poderio militar, que hoje enfrenta uma faixa de atrito com a Otan do mar Negro ao Báltico.

Outros, como Ekaterina Zolotova, da consultoria americana Geopolitical Futures, são mais assertivos. "A Rússia entende suas capacidades, limites e objetivos melhor que ninguém, e esses objetivos não incluem a desestabilização caótica da Ucrânia", disse.

"Moscou prefere uma desestabilização controlada, por meios econômicos ou usando os rebeldes no leste, que leve à implementação dos acordos de Minsk", completou, referindo-se aos acordos de 2015 que visam acabar com a guerra civil ora congelada.

O conflito já matou mais de 13 mil pessoas. Pelo texto de Minsk, Kiev voltaria a controlar o leste, mas na prática as áreas separatistas seriam autônomas, o que para o governo ucraniano é inaceitável por manter o país dividido.

Tanto Trenin quanto Zolotova concordam que uma invasão colocaria o arranjo, que está à mão e foi chancelado pelo Ocidente lá atrás, a perder. "Ação militar direta provavelmente nem está no radar do Kremlin", diz a consultora.

Já o diretor do Carnegie tem dúvidas, lembrando que Putin pode querer resolver de vez a situação com a Ucrânia de forma a colocar fim à viabilidade do vizinho como um Estado funcional. Da forma com que o status quo está colocado, a situação de todo modo favorece Putin, já que a Otan só aceita como membros países sem conflitos territoriais.

No começo deste ano, Zelenski testou Putin ao mover tropas para perto da fronteira e ao assinar contratos para receber armas americanas e drones de ataque turcos. A resposta foram 100 mil homens se exercitando em torno de seu país, numa manobra que só acabou quando ficou claro que Kiev não atacaria as áreas separatistas.

O jogo agora é diferente, contudo. Não há exercícios militares anunciados, e especialistas veem na mobilização de divisões blindadas uma ameaça de invasão para os meses mais frios do ano, quando o terreno fica congelado e é mais facilmente transposto.

Há, é claro, o interesse ocidental em pintar Putin como vilão. "Em toda primavera ou outono desde os acordos de Minsk, Kiev vai à mídia e a seus aliados dizer que a Rússia está preparando a próxima guerra", afirma Zolotova.

Há outros fatores. Zelenski tem apoio de apenas um terço da população, segundo pesquisas, e pode buscar algum tipo de mobilização nacional. Em 2008, o então presidente georgiano, Mikheil Saakashvili, fez algo semelhante ao tentar retomar o encrave russo étnico da Ossétia do Sul, e acabou derrotado por Moscou.

Tudo indica que ambos os lados estão gritando lobo, para ficar na metáfora da fábula. O problema é que o bicho já apareceu no passado recente e nada impede que um erro de cálculo o tire da toca novamente agora.

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