Recuperação da Índia no combate à Covid pode sofrer reviravolta com queda na vacinação

Após atingir marca de 1 bilhão de doses aplicadas, campanha de imunização perde força e ameaça progressos no país

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Emily Schmall Hari Kumar
Nova Déli | The New York Times

Há sete meses, a Covid estava matando milhares de pessoas por dia na Índia. Autoridades reformularam então suas políticas e intensificaram fortemente a campanha de vacinação, levando a crise a se abrandar.

Agora, no momento em que o país saúda a aplicação da bilionésima dose de vacina, façanha que há até pouco tempo parecia improvável, sanitaristas lançam um novo alerta: a reviravolta vem perdendo força.

O ritmo de vacinações diminuiu. Enquanto a temperatura esfria e o país se prepara para a temporada mais importante de festas religiosas, pessoas lotam feiras de rua e recebem amigos e familiares em casa sem máscaras. E o governo dispensou voluntários da campanha de vacinação, como Namanjaya Khobragade.

Mural em homenagem aos trabalhadores da linha de frente do combate ao coronavírus em Nova Déli
Mural em homenagem aos trabalhadores da linha de frente do combate ao coronavírus em Nova Déli - Sajjad Hussain - 6.nov.21/AFP

"Não é hora de baixarmos a guarda", comentou Khobragade, coordenador de uma ONG de saúde no Estado oriental de Jharkhand. "Muitas pessoas receberam apenas a primeira dose da vacina. Não podemos deixá-las assim. Precisamos intensificar [a campanha]."

O progresso da Índia é um passo importante na direção de encerrar a crise global de Covid e representa uma vitória política significativa para o premiê Narendra Modi, cujo governo foi fortemente criticado por não ter feito preparativos adequados para enfrentar uma devastadora segunda onda de Covid neste ano.

Depois de o vírus ter dizimado dezenas de milhares de pessoas, o governo indiano investiu no aumento da produção de vacinas, sustou as exportações de vacinas e revogou regras que dificultavam a obtenção de imunizantes pelos governos estaduais e a adesão das pessoas aos fármacos.

As cifras oficiais indicam que os novos casos diários caíram para cerca de 12 mil, sendo que quatro meses atrás eram 42 mil. O número de óbitos também caiu pela metade, para cerca de 400 por dia.

Especialistas consideram que casos e mortes por Covid na Índia são muito subnotificados. Mesmo assim, a vida retornou ao normal em muitas partes do país. Os shoppings estão lotados, o trânsito é intenso, e neste mês as crianças que estavam distantes da escola desde março de 2020 enfim retornaram às aulas.

Mas, com apenas um quarto de sua enorme população plenamente vacinada, o país ainda está profundamente vulnerável. A possibilidade de uma variante perigosa emergir ainda preocupa.

O governo central parece reconhecer que a Índia recuou um passo. Pouco depois de retornar da COP26, a conferência climática que vem ocorrendo na Escócia, Modi presidiu uma reunião na qual discutiu a situação das regiões do país onde menos da metade da população está plenamente vacinada.

"Estamos nos preparando agora para levar a campanha de vacinação a cada família", disse ele em comunicado à imprensa, acrescentando que agentes de saúde vão bater à porta de "todas as famílias às quais falta a segurança de uma dose dupla da vacina".

A complacência contribuiu para a devastação deixada pela segunda onda do vírus. Em janeiro, quando os números da Covid no país eram comparáveis aos atuais, Modi declarou vitória sobre o coronavírus.

Encorajado por um modelo matemático falho que indicava que a pandemia teria praticamente acabado no país, o governo priorizou a vacinação de profissionais de saúde e pessoas mais idosas com comorbidades.

Com todas as outras pessoas, o governo agiu com menos urgência. Em janeiro, o Instituto Serum da Índia, maior fabricante de vacinas no mundo, reservou 100 milhões de doses da vacina AstraZeneca/Oxford para o próprio país. Naquele mês, o governo comprou apenas 11 milhões de doses e exportou mais de cinco vezes esse número para destinos tão distantes como o Caribe. "Lamentavelmente, acreditamos que a pandemia já havia acabado", disse K. Srinath Reddy, presidente da Fundação de Saúde Pública da Índia.

Então chegou a segunda onda. Em seu auge, em maio, mais de 400 mil casos novos de Covid estavam sendo notificados a cada dia. A demanda por vacinas subiu vertiginosamente. Para enfrentar a demanda, o governo lançou um sistema de preços que visava direcionar as doses aos setores mais necessitados.

Mas, em vez disso, as cidades passaram a disputar vacinas, e grandes empresas formaram estoques, agravando a escassez. Em junho, cinco meses depois do início da campanha nacional de vacinação, apenas 3% da população estava imunizada.

Em meio a críticas crescentes dos partidos oposicionistas, Modi centralizou a aquisição e a distribuição da vacina. O programa de imunização se fortaleceu, valendo-se dos sistemas e know-how que possibilitaram o sucesso de campanhas passadas de vacinação contra a pólio e outras doenças.

Modi reservou bilhões de dólares (o governo não revelou o montante exato) do orçamento nacional para fechar um acordo de pagamento adiantado que permitiu ao Instituto Serum elevar sua produção para 220 milhões de doses por mês. Um acordo semelhante foi feito com outra fabricante indiana, a Bharat Biotech.

Com os estoques reforçados, o governo recrutou um exército de voluntários, incluindo paramilitares, professores e líderes religiosos, para ajudar a levar a vacina à população. ONGs e entidades beneficentes com histórico de apoiar campanhas de saúde pública foram convocadas para ajudar a organizar a iniciativa. Padres e clérigos foram despachados para tranquilizar camponeses hesitantes.

Os habitantes de um vilarejo no Estado de Himachal Pradesh, no Himalaia, só concordaram em ser vacinados depois de autoridades terem escalado uma montanha para consultar divindades locais. No remoto nordeste do país, moradores de povoados receberam doses de vacina levadas por drones.

O Instituto Serum diz que o governo já adquiriu ao todo 1 bilhão de doses. Mais de três em cada quatro adultos no país já receberam pelo menos uma dose. O governo de Modi está tão confiante de que vai vacinar toda a população adulta do país, cerca de 900 milhões de pessoas, até o final do ano que suspendeu a proibição de exportação de vacinas, que vigorou por oito meses.

Em Roma, no mês passado, numa reunião do G20, Modi disse que em 2022 a Índia poderá fornecer 5 bilhões de doses para contribuir com o esforço mundial de vacinação. Pode ser boa notícia para o mundo, mas sanitaristas na própria Índia avisam que o governo precisa continuar alerta. Profissionais de saúde estão tendo dificuldade em persuadir milhões de pessoas a voltar para receber uma segunda dose.

O índice de vacinação caiu fortemente do pico que alcançou em setembro, quando foram aplicadas 25 milhões de doses, tanto que hoje é de 3 milhões de doses diárias. O país ainda precisa aplicar mais de 700 milhões de vacinas para alcançar a meta até o final do ano, e, se os níveis atuais se mantiverem, isso parece cada vez menos provável, a não ser que a proeza há dois meses se repita algumas vezes.

O governo parece saber que ainda tem um longo caminho a percorrer. Recentemente, a Índia pediu um empréstimo de US$ 2 bilhões ao Banco de Desenvolvimento Asiático e ao Banco Asiático de Infraestrutura e Investimento para financiar a compra de doses de vacina para outros 300 milhões de pessoas.

A aplicação de 1 bilhão de doses "é um marco importante", escreveu em um editorial de jornal o diretor do Grupo Nacional de Especialistas em Vacinação, N.K. Arora, "mas a verdade é que ainda temos um longo caminho a percorrer para chegar ao controle real da Covid".

Tradução de Clara Allain

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