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Indústria da maconha na Alemanha se empolga com promessa de legalização

Novo governo deve propor venda controlada de cânabis a adultos para fins recreativos

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Guy Chazan
Berlim | Financial Times

Lars Müller quer criar a Starbucks da cânabis: uma rede de lojas que vão oferecer uma gama completa de produtos ligados à maconha, de tinturas a flores e balas de goma.

"Queremos construir uma rede com nível de qualidade idêntico em toda a Alemanha —algo que tenha o profissionalismo de uma Apple Store", afirma. "Não será um antro de ópio."

Müller é executivo-chefe da Synbiotic, uma das empresas líderes no crescente setor alemão dos canabinoides. A empresa investe em tudo, da produção de cânabis a pesquisas e distribuição. Trata-se de uma indústria que vive uma alta de dimensões épicas.

Manifestantes durante ato a favor da descriminalização da maconha em Berlim, na Alemanha - Rainer Jensen - 9.ago.14/AFP

A alta foi provocada pelo anúncio, feito no final de novembro pelos três partidos que formam o novo governo alemão de coalizão, de que pretendem legalizar a maconha. Com a notícia, o preço das ações da Synbiotic dobrou.

As intenções exatas do governo ainda não estão claras: ele diz apenas que vai permitir "a venda controlada de cânabis a adultos para fins recreativos, em lojas licenciadas". Não foram dados mais detalhes nem se apresentou um cronograma para ação legislativa.

Mesmo assim, o plano pode criar um precedente que vire o jogo no negócio global do cultivo e venda de maconha —algo que será observado de perto por outros países que estudam a possibilidade de liberalizar suas próprias leis sobre drogas.

"A Alemanha se tornará o país mais populoso do mundo a permitir a venda de cânabis", diz Constantin von der Groeben, gerente da produtora local Demecan. "É uma oportunidade tremenda."

Se o plano for aprovado, a Alemanha passará a integrar um grupo seleto de nações que permitem a comercialização da substância para fins recreativos —os únicos outros são Canadá e Uruguai, além de alguns estados dos EUA. Para a maioria dos outros, esse ainda é um território virgem.

Mas, para os partidos que formam a coalizão governante alemã —o SPD, de centro-esquerda, o libertário FDP e os Verdes—, a legalização da maconha é algo cujas vantagens não estão em dúvida, sendo uma das poucas causas sobre as quais podem concordar facilmente.

Argumentos fiscais também fizeram parte do cálculo. De acordo com estudo recente da Universidade Heinrich Heine em Dusseldorf, a descriminalização da maconha pode proporcionar ao Estado um benefício líquido de 4,7 bilhões de euros (R$ 30 bi) por ano, incluindo 2,8 bilhões de euros (R$ 17,8 bi) em receita tributária e 1,36 bilhão de euros (R$ 8,6 bi) em despesas policiais e judiciais que poderão ser poupados.

Previsivelmente, o anúncio feito pela coalizão suscitou uma onda de interesse no setor. Stefan Langer, fundador da pequena produtora de cânabis Bavaria Weed, foi destaque do tabloide Bild Zeitung neste mês, ostentando uma coroa de folhas e carregando sacolas de brotos de maconha, sob a manchete "quero ser o rei da maconha na Alemanha".

Mas céticos pedem cautela e apontam para o Canadá, onde a onda de interesse provocada pela legalização em 2018 perdeu força em pouco tempo. Apesar de 73 empresas de cânabis terem começado a vender suas ações na Bolsa de Valores do país entre 2016 e 2019, o entusiasmo inicial se desfez quando o crescimento ficou aquém do que se esperava.

"Foi um hype financeiro grande, e material demais foi colocado no mercado", diz Muller. "A maioria das empresas ainda não está ganhando dinheiro."

A situação nos EUA também desempenhou um papel. "Havia grande expectativa que o presidente [Joe] Biden legalizasse a cânabis em nível federal, e o fato de isso não ter acontecido decepcionou muita gente", afirma Kyle Detwiler, executivo-chefe da Clever Leaves Holding, produtora na Colômbia.

Mas é pouco provável que um ciclo de alta e queda semelhante ao do Canadá se reproduza na Alemanha. Neste ano, empresas puderam cultivar cânabis medicinal no país, e os médicos alemães são autorizados desde 2017 a prescrever a maconha sob apresentações diversas. Mas, até agora, apenas três empresas receberam a licença de cultivo: a Demecan e as subsidiárias das canadenses Aphria e Aurora.

As três precisam respeitar a "boa prática manufatureira", ou GMP, padrão internacionalmente acordado para produtos farmacêuticos. Algumas pessoas consideram-no inapropriado para a maconha para fins recreativos.

"O GMP é totalmente excessivo", diz Muller. "Precisamos de um padrão totalmente novo, algo intermediário entre qualidade alimentar e farmacêutica." Ele sugere que seja seguida a legislação alemã de pureza, em vigor há 500 anos, que define os ingredientes que podem ser usados na produção de cerveja.

Já Von der Groeben, da Demecan, encara o GMP como emblema essencial de qualidade. "Precisamos conquistar a confiança do público. Não podemos jogar fora essa confiança, degradando os padrões. O fato de a cânabis provocar euforia significa que precisamos garantir que ela seja da mais alta qualidade possível, sem substâncias contaminantes."

Por outro lado, ele destaca, algumas das regras contidas nas rígidas "diretrizes de manuseio de narcóticos" alemãs podem ter que ser relaxadas após a legalização.

Essas regras obrigam, por exemplo, as instalações de produção de cânabis no país a parecerem fortes militares, com o produto armazenado no equivalente a cofres bancários de alta segurança. A unidade produtora da Demecan ocupa uma área de 5.000 metros quadrados num antigo matadouro nos arredores de Dresden, encerrada dentro de muros e telhados de concreto reforçado e cercada por câmeras de vigilância e sistemas de alarme de última geração.

"Vigilância por vídeo e alarmes antirroubo são importantes, mas o tipo de sistemas parecidos com bunkers que temos hoje talvez não sejam necessários", diz Von der Broeben.

Especialistas preveem que a Alemanha agirá com cautela, pelo menos na fase inicial da indústria. Berlim fará o possível para evitar incidentes como o surto de "lesões pulmonares ligadas ao uso do cigarro eletrônico" ocorrido nos EUA em 2019.

"O que aconteceria se uma balinha que deveria conter 5 mg de THC contivesse 100 mg?", questiona Detwiller, aludindo ao componente da cânabis que provoca euforia. "Como ficariam os jovens e as crianças que consumissem as balas? Se eu fosse o governo alemão, começaria devagar. Acho que o governo vai tomar muito cuidado com isso."

​Tradução de Clara Allain

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