Descrição de chapéu Guerra na Ucrânia Rússia

Ucrânia e Rússia anunciam nova rodada de negociações e Zelenski cita neutralidade

Segundo Kiev, conversas serão nesta semana na Turquia; ucranianos dizem que Putin quer partir país em dois

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Lviv, Kiev e Jerusalém | Reuters e AFP

A Ucrânia afirmou que começará uma nova rodada de negociações com a Rússia a partir desta segunda-feira (28) na Turquia, depois de as conversas anteriores não terem obtido progressos significativos, com os dois lados se acusando mutuamente de não cooperar.

Em entrevista à imprensa russa neste domingo, o presidente Volodimir Zelenski acrescentou que o país está preparado para discutir a adoção de um status de neutralidade e debater o status da região do Donbass como parte de um acordo de paz —desde que isso seja garantido por uma terceira parte e submetido a um referendo.

O líder ucraniano ressaltou em seu já tradicional pronunciamento noturno que as prioridades do país nas negociações são conhecidas. A saber, "soberania e integridade territorial e garantias efetivas de segurança". Segundo ele, "o objetivo é a paz e a volta à vida normal o mais rápido possível".

O presidente ucraniano Volodimir Zelenski em entrevista a jornalistas russos - Divulgação Presidência - 27.mar.22/Reuters

Resta saber quando exatamente se darão as sessões. O negociador por parte de Kiev David Arakhamia escreveu nas redes sociais que, em videoconferência, "ficou decidido realizar, na Turquia, uma próxima rodada presencial entre os dias 28 e 30 de março".

Vladimir Medinski, do lado russo, também falou em novas conversas, segundo agências de notícias do país, mas disse que elas ocorreriam na terça e na quarta-feira —e sem especificar o lugar.

Além de reuniões na Belarus, uma sessão presencial de negociações já foi realizada na Turquia, na cidade de Antália, no dia 10 de março, entre os ministros de Relações Exteriores dos dois países. O encontro não conduziu a avanços concretos.

O presidente Recep Tayyip Erdogan entrou no circuito neste domingo e disse, em ligação a Vladimir Putin na qual ofereceu a cidade de Istambul para sediar as conversas russo-ucranianas, que defende melhores condições humanitárias e um cessar-fogo na região.

Moscou afirma que um progresso substancial nos diálogos é uma condição para que Putin e Zelenski possam se reunir para negociar um possível fim do conflito —o ucraniano vem pedindo um encontro desde o começo da guerra.

O Kremlin alega que vem mostrando mais disposição a favor das conversas e pediu à comunidade internacional que use a influência sobre Kiev para tornar sua posição "mais construtiva" nas negociações.

Aos jornalistas de Moscou e falando em russo, numa videochamada de 90 minutos, Zelenski disse que se recusa a discutir outras condições impostas por Putin, como a desmilitarização do Estado. O presidente voltou a pedir ao Ocidente que forneça à Ucrânia tanques, aviões e mísseis, afirmando também que as tropas invasoras têm atacado depósitos de combustível e alimentos do país —o Ministério da Defesa russo confirmou ter atacado estruturas do tipo em Lviv no sábado.

A Otan e seus integrantes, como os EUA, têm repassado algum material militar a Kiev, ao mesmo tempo que rejeita outras intervenções maiores —a exemplo do fornecimento de aviões ou de patrocinar o fechamento do espaço aéreo ucraniano— por temor de que o conflito escale e ultrapasse fronteiras, tornando-se uma Terceira Guerra Mundial.

O órgão regulador das comunicações na Rússia orientou a mídia do país a não reproduzir a entrevista do presidente ucraniano.

Em meio ao aceno de Zelenski, o chefe do setor de inteligência militar ucraniano, Kirilo Budanov, acusou Putin de tentar dividir o país em dois para criar uma região controlada por Moscou, depois de não conseguir dominar todo o território.

"É uma tentativa de criar as Coreias do Norte e do Sul na Ucrânia", disse em comunicado no qual defendeu que o Exército de seu país use "táticas de guerrilha" para fazer as tropas russas recuarem.

Enquanto isso, o líder da autoproclamada República Popular de Lugansk, no leste do país, sinalizou que a região poderá em breve realizar um referendo sobre a adesão à Rússia, assim como foi feito na Crimeia depois que Putin tomou a península em 2014 —com resultado esmagador, mas que grande parte do mundo se recusou a reconhecer .

"Acredito que em um futuro próximo será organizado um referendo no território da república. O povo exercerá seu direito constitucional supremo e expressará sua opinião sobre a adesão à Federação Russa", disse Leonid Pasechnik, citado por agências de notícias russas.

Kiev reagiu à declaração, dizendo que esse tipo de consulta não terá base legal. "Todos os referendos falsos nos territórios temporariamente ocupados são nulos e sem validade legal", disse o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Oleg Nikolenko. "Em vez disso, a Rússia enfrentará uma resposta ainda mais forte da comunidade internacional, aprofundando seu isolamento global".

No front, Zelenski voltou a acusar Moscou de usar bombas de fósforo, e um boletim das Forças Armadas ucranianas afirmou que a Rússia continuou neste domingo com uma "agressão armada em grande escala" e que forças de Kiev repeliram sete ataques nas regiões separatistas de Donetsk e Lugansk.

Ainda que não tenha havido registro de grandes ataques, sirenes de alerta foram ouvidas na noite local em diversas cidades. Relatos pontuais acusaram explosões em Lutsk, Jitomir e Kiev. O governo ucraniano disse que ao menos 1.100 pessoas foram retiradas do país em dois corredores humanitários no domingo, incluindo um na cidade de Mariupol, sob intenso cerco.

Boletim da inteligência britânica afirmou que Moscou "está mantendo um bloqueio na costa do mar Negro, isolando a Ucrânia do comércio marítimo internacional".

O escritório de direitos humanos das Nações Unidas divulgou um novo balanço de vítimas civis do conflito: ao menos 1.119 morreram e 1.790 ficaram feridos, de acordo com contagem atual, que vai de 24 de fevereiro até a meia-noite de 26 de março. Desse total, 99 eram crianças —15 meninas, 32 meninos e 52 cujo sexo ainda é desconhecido.

Acredita-se que os números reais de baixas sejam consideravelmente maiores, disse o órgão, devido ao atraso dos relatórios em algumas regiões onde ocorrem intensas hostilidades e ao fato de que muitas notificações ainda precisam ser verificadas.

Declarações de Biden sobre Putin geram reação

Neste domingo, as duras declarações feitas pelo presidente americano, Joe Biden, contra o russo Vladimir Putin na véspera continuaram repercutindo. Os comentários de Biden, que chamou Putin de "carniceiro" e disse que ele não poderia permanecer no poder, marcaram uma escalada no tom usado pelos EUA contra a Rússia desde o início da guerra.

O jornal The Washington Post noticiou que a frase do presidente pegou autoridades diplomáticas de surpresa —a Casa Branca vinha evitando interferências diretas no front militar na Ucrânia e na política interna russa.

"Eu não usaria esse tipo de formulação porque continuo mantendo discussões com o presidente Putin", disse o francês Emmanuel Macron ao canal de TV France 3.

"Queremos parar a guerra que a Rússia lançou na Ucrânia sem escalada —esse é o objetivo", acrescentou, dizendo que um cessar-fogo e a retirada das tropas devem ser obtidos por meios diplomáticos. "Se é isso que queremos, não devemos escalar as coisas —nem com palavras nem com ações."

A diplomacia britânica também buscou se afastar do tom usado por Biden.

Mesmo os americanos continuaram neste domingo a contemporizar a escalada retórica. Em visita a Jerusalém, o secretário de Estado Antony Blinken minimizou o ponto mais forte do discurso de Biden. "Acho que o presidente afirmou que, simplesmente, o presidente Putin não pode ter poderes para fazer guerra ou se envolver em agressão contra a Ucrânia ou qualquer outro país", afirmou.

"Como vocês sabem, e como vocês nos ouviram dizer repetidamente, não temos uma estratégia de mudança de regime na Rússia ou em qualquer outro lugar. Nesse caso, como em qualquer outro, cabe ao povo do país em questão."

A Casa Branca já havia lançado um comunicado à imprensa dizendo que Biden "não pediu uma mudança de regime na Rússia", apenas "argumentou que Putin não pode exercer poder sobre seus vizinhos ou sobre a região".

Ao ser questionado sobre o discurso pela agência Reuters, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, disse que "não cabe a Biden decidir isso". "O presidente da Rússia é eleito pelos russos", afirmou.

À noite, o presidente americano foi seco ao ser perguntado sobre se teria pedido por uma mudança de regime na Rússia: "Não".

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