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Guerra na Ucrânia: Debate sobre como julgar crimes envolve até criação de tribunal

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São Paulo

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Os apelos internacionais para se investigar, julgar e punir as suspeitas de crimes, incluindo os de guerra e contra a humanidade, cometidos na invasão da Ucrânia pela Rússia cresceram neste 40º dia de conflito.

Em visita a Butcha, onde o governo ucraniano diz ter contabilizado quase 300 corpos de civis em ruas e valas comuns no fim de semana —na região de Kiev, foram mais de 400—, o presidente Volodimir Zelenski declarou que o cenário é de crimes que devem "ser reconhecidos pelo mundo como genocídio".

Na esteira da comoção gerada pelas imagens, líderes mundiais cobraram a abertura de procedimentos para responsabilizar o presidente Vladimir Putin e outras autoridades russas. Além das apurações anunciadas por organismos existentes da ONU, uma das propostas em debate é a criação de um tribunal extraordinário para o conflito.

A iniciativa não seria uma novidade na história recente: são exemplos de cortes especiais, criadas exclusivamente para determinados eventos políticos, a de Nuremberg, que julgou os crimes cometidos pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, e os tribunais penais para a ex-Iugoslávia e para a Ruanda, nos anos 1990.

As suspeitas de violações dos tratados internacionais para a situação de conflitos já são objeto de uma investigação do TPI (Tribunal Penal Internacional), em Haia (Holanda), aberta no início de março após o pedido de 39 países —Japão e Macedônia do Norte se juntaram à petição depois.

No caso da guerra na Ucrânia, o tribunal investiga três tipos de crimes:

  • Crimes de guerra: englobam, entre outros, ataques à população ou a objetos civis (como prédios residenciais e hospitais) que não fazem parte do objetivo de uma ação militar;

  • Crimes contra a humanidade: ataques generalizados ou sistemáticos dirigidos contra qualquer população civil;

  • Genocídio: atos cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso.

Entenda: a investigação aberta pelo procurador britânico Karim Khan abrange alegações desses três tipos de crime cometidos por qualquer pessoa em qualquer parte do território ucraniano desde novembro de 2013, época em que a Rússia disputou o território da Crimeia —anexada por Putin no ano seguinte. Vale lembrar, o TPI julga indivíduos, e não países.

Mas por que a proposta de criar mais um tribunal se o conflito já está sendo investigado pelo Tribunal de Haia?

Existe um outro tipo de crime de competência que não está incluído na apuração em andamento no Tribunal Penal Internacional: o crime de agressão, ou seja, a tomada de controle político ou militar de um Estado —caso em que se enquadraria simplesmente o ato de invasão do território ucraniano pela Rússia.

Esse é um crime mais novo no tribunal. E especificamente para o caso de agressão, o Estatuto de Roma (1998) estabelece que a corte não tem jurisdição para julgar casos cometidos por ou em países que não fazem parte do estatuto —caso da Rússia.

Para os outros crimes, essa restrição não existe porque o vínculo ocorre com o país onde os atos são cometidos (nesse caso, a Ucrânia).

Outras medidas:

O que a Rússia afirma: nega responsabilidade sobre as mortes na cidade, alega que há uma manipulação da Ucrânia e pediu uma reunião no Conselho de Segurança da ONU para discutir o episódio. O encontro deve ocorrer nesta terça.

Não se perca

Convidamos o professor Lucas Carlos Lima, coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Cortes e Tribunais Internacionais da UFMG, para esclarecer a atuação dos tribunais internacionais.

Quais são as controvérsias por trás da proposta de criar um tribunal extraordinário para a Ucrânia? Os precedentes significativos desse tipo de tribunal, como os de Nuremberg e da ex-Iugoslávia, trabalharam sob a tensão de oferecer justiça e punir crimes, por um lado; e com o fato de serem tribunais criados exclusivamente para julgar certos conflitos (diferentemente do TPI), sendo acusados de serem "tribunais de exceção".

No caso da Ucrânia, as controvérsias são diversas. Desde o fato de que os principais proponentes são nações europeias envolvidas em outros casos de invasão (fala-se da participação de Gordon Brown, então primeiro-ministro britânico durante a invasão do Iraque) quanto qual órgão teria poder para criá-lo, uma vez que o Conselho de Segurança (que criou o de Ruanda e o da ex-Iugoslávia) estaria bloqueado pelo veto russo.

A crítica que poderia ser feita é o risco de uma "justiça seletiva", diminuindo a legitimidade do tribunal.

Em relação à investigação aberta pelo TPI, qual alcance e quanto tempo levaria para uma eventual condenação? No Tribunal Penal Internacional existe um procedimento específico que passa pelas fases de investigação, de pré-julgamento, o julgamento em si e uma fase final de apelação. No atual estágio de investigação, é fundamental assegurar o máximo de provas possíveis.

Isso não significa que mandados de prisão não possam ser emitidos diante de certas evidências. Mas estamos certamente falando de um período de anos até que decisões finais sejam emitidas em relação aos possíveis crimes de guerra e contra a humanidade cometidos em território ucraniano.

Outro tribunal de Haia, a Corte Internacional de Justiça já emitiu uma decisão cautelar ordenando que a Rússia interrompa a ação militar, o que não foi cumprido. Quais podem ser as consequências para a Rússia? Ao decretar que sua ordem impondo uma obrigação foi descumprida, a corte poderá estabelecer consequências para a Rússia, até mesmo com o pagamento de indenização.

O que aconteceu nesta segunda (4)

  • Novos ataques na região do mar Negro deixaram ao menos 8 mortos, disse Ucrânia;

  • Prefeito de Mariupol disse que 90% da cidade está destruída;

  • Orbán chamou Zelenski de adversário em discurso após reeleição;

  • Jornalista que gravou ataque russo em Odessa foi expulso da Ucrânia.

Imagem do dia

Usando colete à prova de balas e cercado de seguranças, o presidente ucraniano Volodimir Zelenski visita Butcha, cidade perto de Kiev onde foram encontrados corpos de civis no fim de semana - Ronaldo Schemidt/AFP

O que ver e ouvir para se manter informado

O discurso virtual de Zelenski na cerimônia do Grammy, na noite de domingo, e o depoimento dos soldados ucranianos que lutam nas trincheiras, em dois vídeos da TV Folha:

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