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Rodrigo Zeidan

Moradores de Xangai enfrentam lockdown com ajuda de vizinhos e kit de comida do governo

Confinamento, realizado sem preparação adequada, revela senso de comunidade de famílias chinesas

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Rodrigo Zeidan

Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.

Xangai

Dia 2 de abril, tocam a campainha. Tomamos um susto, afinal minha família está no meio de um dos lockdowns mais severos do mundo, em Xangai, na China. Para muitos, receber uma visita no meio do dia significa um grupo de enfermeiros em uniforme de astronautas. Todos que recebem o diagnóstico de Covid, sintomáticos ou não, são levados para uma quarentena de ao menos 14 dias.

Felizmente, era um voluntário entregando pacotes de comida enviados pelas autoridades de Pudong, a parte leste da cidade —Puxi é a porção oeste. Em Xangai, transportes públicos estão indisponíveis, supermercados, fechados, e as pessoas não podem sair, a não ser em pouquíssimas situações.

Pessoa com traje de proteção passeia com cachorro em área residencial sob lockdown em Xangai, na China
Pessoa com traje de proteção passeia com cachorro em área residencial sob lockdown em Xangai, na China - Aly Song/Reuters

A razão é simples: o objetivo é levar os números de infecções a zero, e, nesse contexto, qualquer movimentação de pessoas poderia espalhar o vírus. Supermercados em funcionamento, com estrutura de entregas, significam a circulação de dezenas de milhares de pessoas. Só pode sair de casa quem realmente faz parte dos serviços básicos de infraestrutura, como hospitais e empresas de energia e água, por exemplo.

A questão é que a onda atual foi tão violenta que o fechamento da cidade não se deu com planejamento adequado. Inicialmente, o governo anunciou que o lockdown mais pesado seria de cinco dias em Pudong, e só então Puxi seria fechada. O problema é que várias comunidades, como a minha, já estavam em confinamento mais leve, por abrigar moradores que eram contatos indiretos de casos confirmados.

Na fase leve, podíamos fazer pedidos online e passear pelo condomínio. Mas logo veio o anúncio do lockdown pesado, que nos pegou de surpresa. Em Puxi, muitos correram para lojas e supermercados para se abastecer. Outro erro das autoridades foi separar famílias caso apenas a criança ou o adulto estivesse contaminado —a pessoa ou a criança infectada seria levada para quarentena em local específico.

A separação de famílias causou grande comoção na cidade, e as autoridades só mudaram a política nesta terça (5), quase dez dias depois da fase mais aguda da crise e após muita reclamação online.

Infelizmente, não pudemos nos preparar. Da noite para o dia, voltei ao passado, para o Brasil de meados da década de 1980. Naquela época, estocar comida era a forma racional de sobreviver à hiperinflação, e era só a minha mãe receber o salário que saíamos correndo para fazer as compras do mês.

Hoje, parte do nosso dia em Xangai é procurar os pouquíssimos lugares abertos para comprar o que encontrarmos e gerenciar os muitos grupos de WeChat —o WhatsApp daqui— do condomínio, criados para compras comunitárias. Há os grupos das frutas, os dos legumes, os dos ovos e o do leite, entre outros.

O pacote enviado pelo governo foi muito bem-vindo, não porque precisávamos de calorias, mas por trazer alguma variedade, com macarrão, espinafre e cogumelos.

Porém, é fascinante descobrir o senso de comunidade na China, país de 5.000 anos de história e que já passou por várias calamidades. Sem contar com os vizinhos, poucos sobreviveriam a pragas e guerras. Hoje, ninguém está perto de passar necessidade, mas é simpático ver como muitos estão dispostos a ajudar.

Já emprestamos faca para uma vizinha, enquanto outra nos deu dez maçãs, porque tinha 15 kg da fruta. Vizinhos dos alunos da NYU Shanghai, universidade na qual sou professor, mobilizaram-se para ajudar alunos estrangeiros, dando a eles comidas saudáveis, para que não se alimentassem só de porcaria.

Com erros ou não, o mais importante é o lockdown atingir seu propósito: reduzir os casos a zero.

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