Presidente do Sri Lanka deve renunciar após invasão de palácio em ato contra caos econômico

Aliado afirma que Gotabaya Rajapaksa anunciou que deixará cargo no dia 13; manifestantes incendiaram casa de premiê

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Colombo | Reuters e AFP

Após um dia de caos, em que a insatisfação popular latente há meses estourou em uma convulsão social na forma de ataques diretos a duas residências oficiais em Colombo, o chefe do Parlamento do Sri Lanka anunciou que o presidente do país, Gotabaya Rajapaksa, deixará o cargo no próximo dia 13.

O pronunciamento de Mahinda Yapa Abeywardena foi feito na noite deste sábado (9), horas após milhares de pessoas invadirem a residência da Presidência e um outro grupo forçar a entrada e incendiar a casa do primeiro-ministro Ranil Wickremesinghe —o político também havia oferecido sua renúncia mais cedo.

Os episódios são o ápice, até aqui, de protestos que vinham sendo pacíficos, disparados pela pior crise econômica em sete décadas.

Milhares de pessoas invadem a residência oficial do presidente do Sri Lanka em Colombo - Dinuka Liyanawatte - 9.jul.22/Reuters

O Ministério da Defesa informou que Rajapaksa tinha fugido de casa antes da invasão, escoltado por uma unidade militar, e que o premiê também teria sido transferido para um lugar seguro. O paradeiro dos dois políticos não foi confirmado.

Abeywardena disse ter sido ouvido do próprio presidente, de quem é aliado, a informação sobre sua renúncia. "A decisão foi tomada para garantir uma transferência pacífica do poder", afirmou. "Peço, portanto, que a população respeite a lei e mantenha a paz." Rajapaksa não se manifestou oficialmente, mas fogos de artifício foram estourados nas capitais após o pronunciamento do líder do Parlamento.

Os protestos no Sri Lanka, que já duram meses, são motivados em grande parte pela escassez de combustíveis e vêm pedindo justamente a renúncia do presidente e do premiê —primeiro na linha de sucessão.

Wickremesinghe está no cargo há menos de dois meses: ele assumiu após Mahinda Rajapaksa, irmão mais velho de Gotabaya, ser forçado a renunciar em maio, já em meio à tensão com a população. Neste sábado, ele convocou o Parlamento e líderes de partidos para uma série de reuniões, depois das quais seu gabinete informou que ele estaria disposto a renunciar e abrir caminho para um novo governo de coalizão.

Mais tarde, o próprio premiê, que também é ministro das Finanças, escreveu no Twitter: "Para garantir a segurança de todos os cidadãos, aceito a recomendação dos líderes para dar lugar a um governo de todos os partidos", sem citar uma data para a possível renúncia. A invasão à casa dele ocorreu horas depois.

Ainda não está claro se as renúncias aplacarão os protestos, tampouco como se dará a eventual transição de poder —Abeywardena citou a possibilidade de o Parlamento apontar um presidente interino em eleição indireta e eleger um premiê até a convocação de um novo pleito.

Ao longo do dia, as forças de segurança se mostraram incapazes de conter os protestos, mesmo com o uso de gás lacrimogêneo, canhões de água e até tiros para o alto. Na residência da Presidência, a invasão foi transmitida ao vivo pelas redes sociais, com centenas de manifestantes enrolados em bandeiras do Sri Lanka circulando por corredores, celebrando na piscina e preparando petiscos na cozinha.

Ao menos 39 pessoas, incluindo dois soldados, ficaram feridas; parte precisou ser hospitalizada.

Mesmo em meio à escassez de combustível, muitos ônibus e caminhões foram mobilizados na sexta (8) para transportar manifestantes de todo o país a Colombo. O governo chegou a decretar toque de recolher, mas a medida, ignorada pelos organizadores dos atos, foi suspensa após a oposição e ativistas de direitos humanos ameaçarem processar o chefe da polícia nacional.

A saída de Gotabaya, se concretizada, representará o maior revés para os Rajapaksas, que dominam a política da ilha nas últimas décadas —o patriarca da família foi parlamentar nas décadas de 1950 e 1960.

Mahinda, irmão mais velho de Gotabaya, assumiu uma cadeira no Parlamento pela primeira vez em 1970, aos 24 anos. Em 2005, foi eleito presidente, cargo que ocupou até 2015 e no qual ficou marcado pela vitória sobre os separatistas Tigres Tâmeis em 2009. O episódio, ainda que não tenha enterrado de vez as tensões de uma longa guerra civil, catapultou sua popularidade e rendeu críticas devido a relatos de violência.

Gota, como é conhecido, havia sido ministro da Defesa do irmão e foi eleito presidente em 2019, após um hiato em que a família esteve fora do poder.

Ranil Wickremesinghe, premiê do Sri Lanka, é empossado pelo presidente Gotabaya Rajapaksa como ministro das Finanças - 25.mai.22/Presidência do Sri Lanka via AFP

A ilha de 22 milhões de habitantes mergulhou na pior crise econômica desde sua independência do Reino Unido, em 1948, devido à limitação de importações de combustíveis, alimentos e remédios. A alta da inflação, que atingiu recorde de 54,6% em junho e deve chegar a 70% nos próximos meses, intensificou a insatisfação.

A instabilidade também ameaça minar as negociações com o Fundo Monetário Internacional na tentativa de obter assistência financeira emergencial. A dívida externa, calculada em US$ 51 bilhões, levou o governo a decretar a moratória de pagamentos em 12 de abril.

A pandemia ainda atingiu duramente a economia, que depende do turismo e das remessas de cidadãos que trabalham no exterior. Ainda que a crise sanitária tenha dado um empurrão para o caos político e social, analistas apontam a origem do caos econômico na gestão Rajapaksa.

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