Morre aos 91 anos Mikhail Gorbatchov, o último líder da União Soviética

Ao comandar o fim do regime comunista, ele acabou mais prestigiado no exterior do que na Rússia

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Moscou | Reuters

O ex-líder soviético Mikhail Gorbatchov, que encerrou a Guerra Fria sem derramamento de sangue, mas não conseguiu evitar o colapso da União Soviética, morreu nesta terça-feira aos 91 anos, disseram agências de notícias russas, citando autoridades de um hospital.

Gorbatchov, o último presidente soviético, firmou acordos de redução de armas com os Estados Unidos e parcerias com potências ocidentais para remover a Cortina de Ferro que dividia a Europa desde a Segunda Guerra Mundial e promover a reunificação da Alemanha.

O ex-líder soviético Mikhail Gorbatchov discursa durante evento na Cidade do México em 2004
O ex-líder soviético Mikhail Gorbatchov discursa durante evento na Cidade do México em 2004 - Jorge Uzon - 4.mai04/AFP

Mas suas amplas reformas internas ajudaram a enfraquecer a União Soviética a ponto de desmoronar, um acontecimento que o atual presidente russo, Vladimir Putin, chamou de "maior catástrofe geopolítica" do século 20.

O líder expressou "suas mais profundas condolências", segundo o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov. "Amanhã ele enviará um telegrama de condolências a sua família e amigos", disse. Putin afirmou em 2018 que reverteria o colapso da União Soviética se pudesse, segundo agências de notícias na época.

Outros líderes mundiais foram rápidos em prestar homenagens, incluindo a chefe da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson.

Após décadas de tensão e confrontos da Guerra Fria, Gorbatchov aproximou a União Soviética do Ocidente mais do que em qualquer momento desde a Segunda Guerra. Mas ele viu esse legado naufragar nos últimos meses de vida, quando a invasão da Ucrânia provocou sanções ocidentais contra Moscou, e políticos na Rússia e no Ocidente começaram a falar de uma nova Guerra Fria.

"Gorbatchov morreu de forma simbólica quando o trabalho de sua vida, a liberdade, foi efetivamente destruído por Putin", diz Andrei Kolesnikov, membro-sênior do Carnegie Endowment for International Peace.

Vencedor do Prêmio Nobel da Paz em 1990, ele será enterrado no cemitério Novodevitchi, em Moscou, ao lado de sua esposa Raíssa, que morreu em 1999, disse a agência Tass, citando a fundação que o ex-líder soviético criou quando deixou o cargo.

Quando protestos pró-democracia varreram as nações do bloco soviético na Europa Oriental comunista em 1989, ele se absteve de usar a força, ao contrário de líderes anteriores do Kremlin, que enviaram tanques para esmagar revoltas na Hungria em 1956 e na Tchecoslováquia em 1968.

Mas os protestos alimentaram aspirações de autonomia nas 15 repúblicas da União Soviética, que se desintegrou nos dois anos seguintes de forma caótica. Gorbatchov lutou em vão para evitar esse colapso.

"A era de Gorbatchov é a era da perestroika, da esperança, da nossa entrada em um mundo livre de mísseis. Mas houve um erro de cálculo: não conhecíamos bem nosso país", diz à agência Reuters Vladimir Shevtchenko, que chefiou o escritório de protocolo de Gorbatchov quando ele era líder soviético.

Ao se tornar secretário-geral do Partido Comunista em 1985, com 54 anos, ele se propôs a revitalizar o sistema de governo introduzindo liberdades políticas e econômicas limitadas, mas suas reformas saíram do controle.

"Ele era um bom homem —um homem decente. Acho que sua tragédia está no sentido de que era decente demais para o país que liderava", afirma à Reuters seu biógrafo William Taubman, professor emérito do Amherst College.

Sua política da glasnost (transparência) permitiu críticas anteriormente impensáveis ao partido e ao Estado, mas também encorajou nacionalistas que começaram a pressionar pela independência nas repúblicas bálticas —Letônia, Lituânia, Estônia— e de outros lugares.

Muitos russos nunca perdoaram Gorbatchov pela turbulência que suas reformas desencadearam, considerando a queda subsequente em seus padrões de vida um preço alto demais a pagar pela democracia.

Depois de visitar Gorbatchov no hospital em 30 de junho, o economista liberal Ruslan Grinberg disse ao jornal das Forças Armadas, o Zvezda: "Ele nos deu toda a liberdade, mas nós não sabemos o que fazer com ela".


Principais fatos da vida de Gorbatchov

  • 1931: Nasce em 2 de março, na área rural de Privolnoie; é batizado na igreja ortodoxa
  • 1951: Passa a integrar o Partido Comunista Soviético
  • 1955: Conclui a faculdade de direito em Moscou
  • 1967: Conclui a faculdade de dconomia em Stavropol
  • 1985: É eleito o mais jovem secretário-geral do Partido Comunista Soviético, aos 54 anos; no cargo, torna-se na prática o líder da União Soviética
  • 1986: Dá início à doutrina de glasnost e perestroika, em tentativa de tirar a União Soviética da estagnação —a primeira defendia a transparência e a segunda se voltava para a abertura econômica; no mesmo ano, autoridades soviéticas levam três dias para admitir a explosão nuclear em Tchernóbil, colocando em dúvidas a promessa da glasnost
  • 1987: Assina um tratado com o então presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, para limitar armas nucleares; pelo pacto, mísseis de médio alcance americanos e soviéticos devem ser desmontados
  • 1989: Retira as tropas soviéticas do Afeganistão depois de nove anos; no mesmo ano, movimentos de independência ganham tração nas repúblicas bálticas, na Geórgia e na Ucrânia, prenunciando o início da queda do regime soviético; celebra o fim da Guerra Fria com o americano George H. W. Bush
  • 1990: Torna-se presidente da União Soviética; o Parlamento aprova o plano de abandonar o planejamento central comunista da economia em favor de uma economia de mercado; no mesmo ano, ganha o prêmio Nobel da Paz, por ter ajudado a colocar fim à Guerra Fria
  • 1991: Renuncia à Presidência, dias depois da dissolução oficial da União Soviética; Ucrânia declara independência
  • 1996: Concorre à Presidência da Rússia, mas recebe apenas 0,5% dos votos; Boris Ieltsin sai vencedor
  • 2004: Ganha um Grammy por melhor álbum falado para crianças
  • 2007: Aparece em um anúncio de artigos de couro da grife Louis Vuitton
  • 2013: Critica Vladimir Putin em entrevista para a BBC, anos depois de ter apoiado sua candidatura a presidente
  • 2016: É banido pela Ucrânia depois de apoiar a anexação da Crimeia pela Rússia
  • 2022: A Fundação Gorbatchov pede que a Rússia cesse hostilidades contra a Ucrânia e afirma que "não há nada mais precioso no mundo do que vidas humanas"
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