Descrição de chapéu

Parece improvável que expressão 'rainha da Inglaterra' caia em desuso com rei Charles

Sentido metafórico tem presença forte no imaginário político nacional

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O uso da expressão "rainha da Inglaterra" em sentido metafórico, para designar de forma depreciativa alguém cujo poder é apenas simbólico, carregando mais pompa do que peso político real, não é exclusivo do Brasil, mas tem presença forte no imaginário político nacional.

É provável que isso se deva ao fato de ter marcado um dos mais dramáticos episódios políticos brasileiros do século passado. Após a renúncia de Jânio Quadros, em agosto de 1961, as resistências conservadoras à posse do então vice-presidente João Goulart levaram a elite política nacional a conceber um arranjo descaradamente casuístico: Jango tomaria posse como presidente, sim, mas o sistema de governo mudaria para parlamentarista.

O rei Charles 3º em seu primeiro pronunciamento aos súditos, ao lado de foto da mãe, a rainha Elizabeth 2ª - Yui Mok - 9.set.22/Pool/AFP

Falando ao telefone com o deputado Amaral Peixoto, presidente nacional do PSD e um dos artífices da jogada, Jango disse então a frase que ficou famosa: "Comandante, querem me fazer uma rainha da Inglaterra?". Adotado em setembro de 1961 em nome de evitar um golpe de Estado —que de todo modo acabaria por vir menos de três anos depois—, o sistema parlamentarista seria revogado num plebiscito em janeiro de 1963.

Curiosamente, a última vez que a expressão esteve na boca de um presidente da República brasileiro foi em junho de 2019, quando Jair Bolsonaro —defensor do golpe militar que derrubou João Goulart— queixou-se numa entrevista de que os à época presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, estavam tentando reduzir o poder do Executivo, transformando-o em rainha da Inglaterra.

Não há motivo para crer que Jango tenha sido o criador da expressão, mas certamente foi seu grande divulgador no país.

Quando disse aquela frase a Peixoto, Elizabeth 2ª era uma rainha jovem que ainda nem completara dez anos no trono —e antes disso não haveria por que chamar de "rainha da Inglaterra" o detentor de um cargo vistoso, merecedor de honras e paparicos, mas esvaziado de poder. A rainha anterior, Vitória, tinha morrido em 1901. Tudo indica que a expressão ainda não era usada com tal sentido no século 19.

O parlamentarismo vigente na Inglaterra é a explicação óbvia para a expressão, também empregada com razoável frequência, com o mesmo sentido, no jornalismo político dos EUA.

No país em luto por Elizabeth 2ª os monarcas têm um papel de representação, não de governo, muito distante do absolutismo. No entanto, convém frisar que a expressão é informal e passa longe de ser um retrato rigoroso da realidade política britânica. Para começar, devia-se falar em "rainha do Reino Unido". Além disso, há controvérsias sobre ser tão fraco o poder da Coroa.

Será que, no reinado do rei Charles 3º, a expressão "rainha da Inglaterra" acabará por cair em desuso? Só o tempo vai dizer, mas parece improvável.

Expressões idiomáticas tendem a sobreviver às circunstâncias históricas que as engendraram. Ainda se fala em "cair a ficha", embora os mais jovens nem saibam mais o que é um orelhão, e o "cheque em branco" parece bem aparelhado para resistir à era do cartão de débito e do Pix.

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