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Em ultimato a Nicarágua, ONU publica relatório confidencial sobre tortura

Especialistas independentes apontam falta de colaboração do regime de Daniel Ortega para combater prática no país

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São Paulo

A recusa do regime de Daniel Ortega na Nicarágua em colaborar com órgãos independentes da ONU que trabalham na prevenção da prática de tortura levou especialistas da organização a divulgarem um relatório até então confidencial que descreve maus-tratos sistemáticos contra presos no país.

O Comitê contra Tortura (CAT, na sigla em inglês) e o Subcomitê de Prevenção da Tortura (SPT) divulgaram nesta terça-feira (29) declaração conjunta na qual criticam a postura de Manágua de não liberar informações nem trabalhar em conjunto com os órgãos.

Homem caminha perto de mural com ilustração do ditador da Nicarágua, Daniel Ortega, em Manágua - Oswaldo Rivas - 30.mar.20/Reuters

Segundo os comitês, trata-se da primeira vez que uma ação do tipo é tomada conjuntamente. A Nicarágua é signatária das duas convenções que dão origem aos órgãos —a Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos Desumanos e Degradantes, que tem 173 membros, e o Protocolo Contra a Tortura, com 91.

Mas, na última década, o país centro-americano tem refutado as recomendações dos especialistas da ONU. Um dos mais recentes episódios ocorreu em julho, quando um dos órgãos pediu à Nicarágua que investigasse alegações de tortura praticada por funcionários públicos contra opositores do governo.

A resposta do regime de Ortega, que em novembro passado foi reeleito em um pleito de fachada, veio em uma carta acusando a ONU de fazer ataques vis ao Estado e dar voz a uma retórica imperialista.

No comunicado desta terça, o presidente do CAT, o mexicano Claude Heller, afirma que o alerta público é feito para refletir a gravidade da situação e a necessidade de uma resposta para prevenir a tortura.

O relatório divulgado como forma de alertar a comunidade internacional e pressionar Manágua data de 2014. É incomum que material do tipo, sigiloso, seja tornado público, mas há uma cláusula do Protocolo Contra a Tortura que permite divulgar relatórios quando o país em questão fechar portas para diálogo.

No material de 23 páginas, o SPT afirma ter colhido relatos de torturas sofridas por detentos em todas as instituições prisionais visitadas. Os presos teriam afirmado, em comum, que as agressões incluem socos, golpes com cassetetes e estrangulamento. Um dos detidos à época relatou ter sofrido abuso sexual ao ser transferido a outra cela por ordem de um guarda que queria, em suas palavras, castigá-lo. O material afirma ter relatos de pessoas trans sendo submetidas a práticas vexatórias no momento da prisão.

Os especialistas que realizaram a visita teriam visto nos corpos de alguns presos cicatrizes compatíveis com as agressões relatadas. Em alguns casos, uma barra de ferro teria sido envolta em fita ou pano para que as impressões digitais não ficassem no corpo da vítima.

Os presos também relataram ter dificuldade para se comunicar com suas famílias e para receber assistência médica. Também proliferaram relatos de que os detidos não foram levados a audiências de sentença dentro de 48 horas, como prevê o Código Penal local.

Já nesta quarta (30), a Corte Interamericana de Direitos Humanos declarou a Nicarágua um Estado "em desacato permanente" por não liberar os 46 opositores presos ao longo do último processo eleitoral, entre os quais os ex-candidatos à Presidência Cristiana Chamorro, Félix Maradiaga e Juan Sebastián Chamorro.

A maioria dos opositores e críticos presos no ano passado recebeu penas de até 13 anos de prisão. Ortega está no poder desde 2007. Antes de assumir, ele participou da primeira junta que governou a Nicarágua após a queda da ditadura Somoza, em 1979.

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