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Ditador Daniel Ortega vence eleição de fachada na Nicarágua

Pleito ocorreu neste domingo (7) sem opositores nem observadores internacionais

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Buenos Aires

O ditador da Nicarágua, Daniel Ortega, 75, ganhou a eleição presidencial de fachada organizada neste domingo (7), em que disputou o quarto mandato consecutivo. De acordo com os resultados oficiais, o ex-líder sandinista obteve 76% dos votos —divulgados inicialmente às 3h no horário local (6h em Brasília), eles foram revisados em um ponto percentual para cima na tarde desta segunda (8).

"Não podemos nos esquecer quem são os que provocam terror e quem são os que promovem a paz", afirmou Ortega, ao votar na capital, Manágua, na tarde de domingo. "O voto não mata ninguém, não fere ninguém. Não ouçam os que conspiram, os que semeiam a morte e o ódio. São demônios que não querem paz nem tranquilidade para o nosso país."

Após a apuração de metade das urnas, a presidente do Conselho Supremo Eleitoral (CSE), Brenda Rocha, anunciou que o candidato liberal Walter Espinoza —apontado como colaborador do governo— aparece em segundo lugar, com 14,4% dos votos. Com bandeiras da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN), simpatizantes de Ortega festejaram durante a madrugada no centro de Manágua.

Imagem divulgada pela assessoria de Daniel Ortega mostra o ditador da Nicarágua ao lado da mulher, a número 2 do regime, Rosario Murillo, após votar em Manágua
Imagem divulgada pela assessoria de Daniel Ortega mostra o ditador da Nicarágua ao lado da mulher, a número 2 do regime, Rosario Murillo, após votar em Manágua - Cesar Perez - 7.nov.21/Divulgação Presidência/AFP

Ortega votou ao lado da mulher, Rosario Murillo, 70, que ocupa formalmente o cargo de vice e tem se tornado o rosto e a voz do regime. A chapa dos dois disputou o cargo contra cinco outros candidatos —todos parte do teatro do pleito de fachada, já que são aliados do governo. Nos últimos seis meses, o regime prendeu outros sete postulantes de oposição, acusados de lavagem de dinheiro e traição à pátria.

Entre eles estão Cristiana Chamorro, filha da ex-presidente Violeta Chamorro, que derrotou Ortega em 1990; Miguel Mora, fundador do canal 100% Notícias, desapropriado pelo regime; e o ex-embaixador Arturo Cruz. Também estão detidos outros 32 políticos opositores e mais de cem sindicalistas, jornalistas e ativistas de direitos humanos.

A repressão contra críticos de Ortega, no poder de forma ininterrupta desde 2007, acirrou-se em 2018, quando mais de 300 manifestantes foram mortos em confronto com as forças de segurança e grupos paramilitares alinhados ao ditador. Embora o regime tenha feito um acordo com a oposição no ano seguinte, prometendo eleições livres, o pacto não foi cumprido.

Ortega hoje domina, além do Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Além dele, a eleição deste domingo apontou 90 membros da Assembleia Nacional. Segundo relatou o jornal La Prensa, houve apreensões na madrugada de domingo de integrantes dos partidos opositores Aliança Cidadã e Coalizão Internacional.

O pleito não contou com observadores internacionais, que, na visão da Justiça local, alinhada ao regime, poderiam intervir no processo. Poucos jornalistas estrangeiros puderam entrar no país, e veículos independentes locais, a exemplo do site El Confidencial, impedidos de operar nos últimos meses, noticiaram sobre o pleito a partir da Costa Rica.

Ainda na noite de domingo, o presidente dos EUA, Joe Biden, chamou o pleito de Manágua de farsa e disse que seu governo e a comunidade internacional devem usar "ferramentas diplomáticas e econômicas" para auxiliar os nicaraguenses e responsabilizar Ortega e Murillo. A União Europeia adotou o mesmo tom e afirmou, em comunicado, que as eleições "carecem de legitimidade" e "completam a conversão da Nicarágua num regime autocrático".

O governo espanhol considerou o processo eleitoral um "escárnio" e a Costa Rica declarou que não reconhece o resultado das eleições.

Por outro lado, o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, felicitou o aliado, e a Rússia chamou de inadmissíveis as contestações de países ocidentais. "Pelo que sei, quando terminou a votação a Casa Branca declarou sua recusa em reconhecer a eleição e convocou outros países a fazerem o mesmo. Consideramos isso inadmissível e condenamos veementemente tal política", disse o ministro de Relações Exteriores russo, Serguei Lavrov.

​Ao assumir, Biden manteve sanções impostas por seu antecessor, Donald Trump, que incluem multas e impedimento de entrada no país de altos funcionários do regime e familiares do ditador. Agora, o democrata assinará um arsenal de medidas, com base na lei Renascer, para aumentar a pressão sobre o governo de Ortega. A situação na Nicarágua será debatida nesta semana na Assembleia-Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), que pode suspender o país do bloco regional.

Analistas advertem, contudo, que um isolamento vai piorar a situação socioeconômica e provocará novo aumento da migração. Com 6,6 milhões de habitantes, a Nicarágua é um dos países mais pobres da América Latina e enfrenta recessão há três anos, agravada pela pandemia. Segundo o Banco Mundial, o país deve sofrer a terceira pior contração econômica do hemisfério ocidental em 2021, ficando atrás só de Haiti e Venezuela. Em 2020, o PIB encolheu 8,8% e, para este ano, projeta-se cifra negativa de dois dígitos.

A escalada autoritária e a crise têm feito crescer a migração —legal e ilegal. Os destinos preferidos são a Costa Rica, onde está a maioria dos perseguidos políticos, e os EUA, que receberam mais de 50 mil nicaraguenses só neste ano, segundo a agência de notícias Reuters. Em San José, capital costa-riquenha, na Cidade da Guatemala e em Miami foram registrados protestos neste domingo de exilados e opositores.

Antes de assumir, em 2007, Ortega participou da primeira junta que governou a Nicarágua após a queda da dinastia Somoza, em 1979. Estavam com ele o hoje escritor Sergio Ramírez, o empresário Luis Alfonso Robelo Callejas, Violeta Chamorro e Moisés Hassan Morales, entre outros.

Em 1984, foram convocadas eleições gerais, e Ortega ganhou com 63% dos votos. No pleito seguinte, foi derrotado por Violeta Chamorro e, em 2007, voltou à Presidência, com a preferência de 38% dos eleitores (na Nicarágua não há segundo turno). Nos pleitos seguintes, venceu com 62% (2011) e 72% (2016).

Opositores exilados organizaram uma campanha instando a população a não sair para votar. "Uma grande abstenção é tudo o que podemos fazer agora. Mostrar ao regime que o rejeitamos e à comunidade internacional que precisamos de ajuda", disse Ivania Álvarez, do Aliança Nacional, a partir de San José.

O Conselho Supremo Eleitoral calculou em 65% a taxa de participação. O observatório independente Urnas Abertas afirmou, no entanto, que a abstenção alcançou 81,5%, mas não foi possível verificar os dados. Pesquisa recente do instituto Gallup indicou que 78% dos nicaraguenses consideravam a reeleição de Ortega ilegítima e que 65% diziam que votariam na oposição, se fosse possível.

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