Descrição de chapéu 8 bilhões no mundo

ONU está certa ao dizer que mundo tem 8 bilhões de pessoas?

Margens de erro e defasagem interferem em projeções, mas estimativa é crucial para formulação de políticas públicas

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São Paulo

A ONU estima que o mundo alcançará nesta terça (15) a marca de 8 bilhões de pessoas. Simbolismos à parte, especialistas avaliam ser bastante improvável que o número seja atingido exatamente neste dia, neste mês e quiçá neste ano, ainda que a cifra real não varie muito nem para cima nem para baixo.

Em 2012, por exemplo, as Nações Unidas estimavam que o mundo atingiria a marca de 8 bilhões de pessoas apenas em 2024. Cinco anos depois, a projeção foi antecipada para 2023 e, neste ano, foi recalculada para novembro.

Multidão acompanha homem tocando tuba em um shopping de Shatin, em Hong Kong
Multidão acompanha homem tocando tuba em um shopping de Shatin, em Hong Kong - Nicolas Asfouri - 11.set.19/AFP

O mesmo desvio aconteceu quando a ONU projetava o marco dos 7 bilhões. O anúncio oficial foi em 2011, mas revisões da própria organização cravaram que esse número havia sido atingido um ano antes. Tal variação se justifica pelas constantes mudanças nas taxas de mortalidade e de fecundidade globais.

Segundo Enrique Pelaez, professor de demografia da Universidade Nacional de Córdoba, a ONU tende a se equivocar no segundo índice, que mede o número de filhos por mulher. A atual taxa de fecundidade mundial é de 2,3 e deve continuar acima de 2 até 2068.

Para Pelaez, porém, o índice real deve cair mais rápido do que o anunciado. Ele dá exemplos da década de 1990, quando a ONU estimava uma queda muito mais lenta no número de filhos por mulher do que de fato ocorreu. A defasagem afetou projeções da população global em anos seguintes: em 1992, a entidade apontava que 2025 começaria com 8,5 bilhões de pessoas; hoje prevê 400 milhões de pessoas a menos.

Outro fator que contribui para a margem de erro das projeções é a qualidade dos dados de países subdesenvolvidos na África, na Ásia e na América Latina. Bolívia, Paraguai e República Dominicana, por exemplo, não têm sistemas avançados para filtrar estatísticas vitais, o que interfere nas taxas de fecundidade e de mortalidade e no número de casamentos e de divórcios em tais países e, consequentemente, no mundo.

Além disso, a ONU estima que mais da metade do aumento projetado da população global até 2050 estará concentrado em apenas oito países: República Democrática do Congo, Egito, Etiópia, Índia, Nigéria, Paquistão, Filipinas e Tanzânia –países ou emergentes ou subdesenvolvidos com coletas de dados geralmente desqualificadas. A margem de erro na Nigéria, por exemplo, é tão grande que as Nações Unidas projetam que o país africano pode ter em 2100, no limite, entre 300 milhões e 1,3 bilhão de pessoas.

Também pesa na defasagem a demora na renovação de censos, intensificada pela pandemia –como ocorreu no Brasil. Todos as projeções da ONU, aliás, são oriundas de pesquisas e censos nacionais.

Fato é que as variações dos índices globais têm pouca ou quase nenhuma influência na formulação de políticas públicas futuras. Isso porque ações governamentais são tomadas em âmbito local e, assim, a defasagem nas contas da Bolívia, por exemplo, não afeta em nada as políticas públicas dos outros países.

"Não existe política pública para todo o mundo, a não ser o Acordo de Paris e outros tratados ambientais. Na prática, pouco importa se a população global é de 100 milhões a mais ou 100 milhões a menos", diz José Eustáquio Alves, doutor em demografia e ex-professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas.

Além disso, as projeções globais não são influenciadas pelos impactos das migrações, um dos movimentos mais flexíveis e difíceis de serem projetados pelos demógrafos. Na Venezuela, destaca Pelaez, a ONU considera que as pessoas que buscaram refúgio em países vizinhos nos últimos anos irão retornar em algum momento –a previsão considera o padrão detectado em situações semelhantes em outras nações. "Mas e se elas não voltarem?"

Nesse caso, a soma de 8 bilhões não mudaria nada, uma vez que o refugiado venezuelano continuaria sendo contabilizado pelo país em que está e, consequentemente, pela projeção populacional global.

Mas essas variações podem, sim, gerar desarranjos em políticas públicas locais. Exemplos simples são as taxas de vacinação acima de 100% em alguns municípios na pandemia de Covid-19 –o que pode ser explicado pela defasagem entre projeções populacionais e o número real de moradores.

Erros e defasagens à parte, o certo é que as projeções da ONU são fundamentais na formulação e no monitoramento das políticas públicas. Elas são usadas, por exemplo, no cálculo de quase um quarto dos indicadores que monitoram o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável —ferramentas para cumprir metas de diminuição da desigualdade social.

"Para fazer qualquer política, é necessário saber o tamanho da população que vai recebê-la. Sem essas projeções, é impossível monitorar políticas públicas", afirma Pelaez.

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