Descrição de chapéu Guerra da Ucrânia Rússia

Explosão na Polônia provavelmente foi causada por míssil da Ucrânia, diz líder da Otan

Aliança, porém, não tira responsabilidade da Rússia; Moscou culpa Kiev e elogia EUA por 'reação comedida'

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São Paulo

O secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, afirmou nesta quarta-feira (16) que a explosão que matou duas pessoas na Polônia provavelmente foi causada por um míssil de defesa aérea da Ucrânia. O foguete foi lançado por um S-300, antigo modelo soviético que é também o principal sistema antiaéreo de Kiev, antigo membro da URSS.

Na véspera, a chancelaria de Varsóvia disse ter identificado o míssil como sendo de fabricação russa —o que elevou as tensões no conflito, por incorrer na hipótese de um ataque de Moscou a um membro da aliança militar ocidental.

Para o norueguês, porém, isso não significa, que o Exército de Volodimir Zelenski possa ser culpado pelo incidente na cidade de Przewodow, no leste do país e a 6 quilômetros da fronteira ucraniana. "A Rússia carrega, em última instância, a responsabilidade, já que segue com sua guerra ilegal contra a Ucrânia."

Área atingida por míssil em Przewodow, no leste da Polônia - Reuters

A fala resume a confusão retórica ao redor da explosão, que aumentou os temores de uma escalada do conflito ao ocorrer em um integrante da Otan. A aliança militar tem como princípio a defesa coletiva, isto é, a garantia de proteção militar a qualquer membro do bloco. Assim, um ataque direto a um Estado da organização poderia ser considerado uma ofensiva contra todos os demais e desencadear uma Terceira Guerra Mundial.

Por ora, a hipótese do Ocidente é de que o sistema de defesa aérea da Ucrânia tenha falhado enquanto o país tentava se defender da série de mísseis lançados pelos russos na terça (15). Na ocasião, a Rússia fez seu maior ataque em número de mísseis contra várias regiões ucranianas, inclusive em Lviv, perto da fronteira com a Polônia. O Kremlin, porém, disse que nenhum de seus projéteis atingiu áreas a menos 35 quilômetros do membro da Otan.

A Ucrânia nega que o míssil tenha vindo de seu país, e continua a dizer que a hipótese não passa de "teoria da conspiração" difundida pela Rússia. "Ninguém deveria acreditar na propaganda russa ou amplificar suas mensagens", escreveu o ministro das Relações Exteriores Dmitro Kuleba no Twitter, na noite da explosão. Moscou, por sua vez, rebate a acusação afirmando que toda a confusão é uma artimanha de Kiev para intensificar o conflito e acirrar os ânimos do Ocidente contra os russos.

A avaliação de Kuleba foi endossada pelo presidente Volodimir Zelenski. Nesta quarta ele disse ter certeza que o incidente não foi causado por um míssil ucraniano e pediu que equipes do país tenham acesso ao local da explosão para que possam participar ativamente das investigações. Em relação a uma eventual negociação para o fim do conflito, o líder disse não ter recebido nenhuma sinalização de Moscou. "Eles não se comunicam conosco", afirmou.

Zelenski se reuniu com William Burns, diretor da CIA (agência de inteligência americana), para tratar do assunto. O americano visitou Kiev enquanto a Rússia atacava a cidade e precisou se proteger em um abrigo antiaéreo antes de encontrar o presidente.

Após a declaração da Otan, o Ministério da Defesa da Ucrânia afirmou que o país tem evidências do envolvimento russo no incidente e que vai exigir acesso às informações que levaram seus aliados às conclusões de agora. Kiev deseja um "estudo abrangente e completamente transparente da situação", escreveu o secretário de Segurança Nacional e do Conselho de Segurança ucraniano, Okesii Danilov.

Além da coalizão ocidental, outros membros da comunidade internacional repetiram as suspeitas de que o foguete partiu da Ucrânia. O presidente da Polônia, Andrzej Duda, afirmou o mesmo a jornalistas, acrescentando que "absolutamente nada indica que isso foi um ataque proposital" contra o seu país.

Falas semelhantes foram feitas pela ministra da Defesa da Bélgica, Ludivine Dedonder, e, segundo fontes da Otan, pelo próprio presidente americano, Joe Biden, a aliados. Em um rápido pronunciamento após uma reunião de emergência às margens da cúpula do G20, na Indonésia, o democrata havia dito que informações preliminares sugeriam que o míssil podia não ter sido disparado do território russo.

Paralelamente, a Casa Branca voltou a manifestar apoio ao governo polonês. "Temos plena confiança na investigação realizada pela Polônia sobre a explosão e louvamos o profissionalismo e o rigor com os quais a estão conduzindo", disse Adrienne Watson, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional.

A "reação comedida" dos EUA foi elogiada pelo porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov. Ele, que responsabilizou a Ucrânia pela explosão, acusou altos funcionários de países ocidentais de fazerem alegações sem provas sobre o envolvimento russo no caso. "Estamos testemunhando mais uma reação histérica, delirante e russofóbica que não tem base em nenhum dado real", disse.

Ainda que o governo americano tenha adotado cautela em relação à explosão na Polônia, autoridades do país reiteraram o apoio a Kiev no conflito que se desenrola há quase nove meses. O chefe do Estado-Maior dos EUA, general Mark Milley, disse acreditar que os ucranianos continuarão a resistir e que não vão recuar.

Ele descartou, porém, chances de vitória da Ucrânia a curto prazo —com a expulsão total das tropas russas, inclusive da Crimeia ocupada em 2014— e reforçou que a ajuda ao país invadido permanecerá pelo "tempo que for necessário".

A indicação de que a explosão não foi um ataque premeditado da Rússia diminui a possibilidade de desdobramentos mais graves. O primeiro-ministro polonês, Mateusz Morawiecki, afirmou que seu governo ainda analisa se acionará o Artigo 4 da Otan, mas que isso não parece necessário a essa altura.

O procedimento prevê que membros da aliança façam consultas internas sempre que, na opinião de qualquer um deles, "a integridade territorial, a independência política ou a segurança de qualquer uma das partes estiver ameaçada".

Fato é que as ressalvas do Ocidente aliviaram até mesmo os moradores da cidade de Przewodow, alvo dos disparos sem autoria confirmada. Uma declaração formal de guerra contra a Rússia exporia ainda mais a região, que provavelmente se tornaria um dos principais cenários do eventual conflito militar.

Nesta quarta, moradores do povoado de 500 habitantes relataram cenas de pânico com a explosão. "Ouvi uma grande explosão, um estouro terrível. Subi para a janela e vi uma enorme nuvem de fumaça escura", contou à agência AFP Joanna Magus, 60, professora de uma escola primária de Przewodow. O padre Bogdan Wazny explicou que a cidade se esvaziou assim que as pessoas souberam do míssil. Ninguém foi à missa na tarde de terça-feira, algo inédito na região muito católica.

A comunidade local anunciou três dias de luto.

Com Reuters e AFP

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