Visita de Scholz à China testa histórico de erros da Alemanha com Rússia

Premiê faz 1ª viagem de um líder europeu em 3 anos ao país asiático sob críticas devido ao risco de criar nova dependência

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Madri

Na primeira visita de um líder europeu à China desde o início da pandemia, há quase três anos, o primeiro-ministro alemão, Olaf Scholz, aterrissa nesta sexta-feira (4) em Pequim em busca de estreitar laços comerciais entre os países.

Mas a visita não está sendo bem recebida na Europa e tem gerado uma onda de críticas. As condenações vêm de aliados de seu governo, de outros países do continente e de Bruxelas, sede da União Europeia.

O que tem preocupado é a possibilidade de transferência da dependência econômica alemã para um outro país autoritário. Dependente da energia russa —metade do gás natural consumido vinha do país de Vladimir Putin, por meio dos gasodutos Nord Stream—, Berlim viu a Guerra da Ucrânia fechar essa torneira e agora espera um inverno difícil nos próximos meses.

O premiê alemão, Olaf Scholz, durante entrevista coletiva após encontro em Berlim
O premiê alemão, Olaf Scholz, durante entrevista coletiva após encontro em Berlim - Jens Schluete/AFP

Ao canal de TV ARD a ministra das Relações Exteriores, Annalena Baerbock, do partido Os Verdes, disse ser "extremamente importante que nunca mais nos coloquemos tão dependentes de um país que não compartilhe de nossos valores". Para Bijan Djir-Sarai, secretário-geral dos Democratas Livres, outro que faz parte da coligação governista, a decisão de fazer a viagem agora é ingênua e profundamente infeliz.

"Se a Ucrânia nos ensinou algo é que somos mais fortes quando nós, europeus, estamos unidos, quando os 27 [membros da União Europeia] falam juntos com a mesma voz forte", criticou o deputado belga Samuel Cologati. "Não será esse o caso se Scholz for por conta própria apenas para representar seu país. Isso é realmente lamentável."

O sucessor de Angela Merkel viaja com uma delegação de empresários à China, maior parceira comercial da Alemanha desde 2016, com um volume de € 246,5 bilhões (R$ 1,2 trilhão) negociados em 2021, o que representa mais de um terço do comércio do país asiático com a União Europeia. Pesquisa recente de um think tank apontou que quase metade das empresas da indústria alemã hoje depende significativamente de material chinês.

Pequim, por outro lado, importa muita maquinaria pesada e carros da Alemanha.

Sob tanto fogo cerrado, o site Politico e o jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung publicaram de forma conjunta nesta quinta-feira (3) o artigo "Não queremos nos dissociar da China, mas não podemos ser excessivamente dependentes".

Nele, Scholz diz que o mundo passou por transformações profundas nos últimos anos —notadamente a pandemia de Covid e a guerra no Leste Europeu— e, "porque o 'comércio de sempre' nessas circunstâncias não é mais uma opção", ele decidiu ir a Pequim.

"Um volume significativo do comércio Alemanha-China diz respeito a itens com fornecedores alternativos, sem risco de monopólios perigosos. China, Alemanha e Europa se beneficiam igualmente", escreveu. "A política alemã sobre a China só pode ser bem-sucedida se inserida na política europeia sobre a China."

Em Pequim, Scholz se reunirá com o primeiro-ministro Li Keqiang e com o líder do país, Xi Jinping, que consolidou seu poder no Partido Comunista ao ser indicado a um terceiro mandato à frente da ditadura no mês passado.

Segundo uma fonte anônima do governo informou à agência de notícias Reuters, o premiê alemão tentará fazer com que a China ajude a persuadir a Rússia a encerrar a Guerra da Ucrânia, em "uma viagem exploratória para descobrir onde o país se coloca, aonde ele vai e quais formas de cooperação serão possíveis".

Nos bastidores, conta-se que o presidente francês, Emmanuel Macron, havia sugerido a Scholz que eles fossem juntos a Pequim. A ideia seria enviar um sinal da unidade europeia e conter tentativas da China de colocar um país contra o outro. Scholz, porém, não concordou com essa visão e só confirmou a visita após ficar claro que ele seria o único líder europeu na Ásia, em vez de ser apenas mais um de uma série.

O episódio pode ser mais um elemento a azedar a relação entre Berlim e Paris. A despeito de mesuras aqui e ali, recentemente Macron ressaltou que o isolamento alemão "não é bom para a Europa" e um encontro bilateral chegou a ser adiado —oficialmente por motivos logísticos, mas especulações apontam também para divisões em temas de energia e defesa.

A delegação alemã inclui executivos de empresas como Volkswagen, BMW, Deutsche Bank, Siemens, Basf, Merck e BioNTech. Apesar disso, não se planeja o fechamento de nenhum negócio envolvendo essas firmas.

"A decisão de levar uma delegação de empresários mostra que, para a Alemanha, os lucros continuam a prevalecer sobre os direitos humanos", disse o presidente de uma ONG ligada à defesa dos direitos dos uigures, Dolkun Isa. Os ativistas acusam Scholz de negligenciar o que é apontado como um genocídio, por parte do regime, dessa minoria muçulmana na região de Xinjiang —o que Pequim nega.

A visita acontece uma semana após o governo alemão dar sinal verde para a compra de 25% de um dos terminais do porto de Hamburgo pela empresa chinesa Cosco. O negócio, de € 45 milhões (R$ 223 milhões), teve o apoio de Scholz, mas foi visto com reservas por alguns de seus aliados.

"Esse é o momento de reduzir as dependências da China. Não deveríamos nos tornar mais dependentes e nos enredar no sistema econômico chinês. É isso que intriga as pessoas sobre essa viagem, já que não se sabe qual é a intenção disso tudo", resumiu o pesquisador Andrew Small, do German Marshal Fund.

Erramos: o texto foi alterado

O comércio entre Alemanha e China movimenta € 246,5 bilhões, não € 245 milhões. O texto foi corrigido.

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