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Bar de chinês fascista que idolatra ditador espanhol é atração em Madri

Dono deu ao filho nome de Francisco Franco, que está nas mesas, paredes e estatuetas vendidas como suvenir

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Madri

Entrar pela primeira vez no bar Una Grande Libre, em Madri, leva sua mente a espasmos psicodélicos. O amarelo e o vermelho da bandeira da Espanha explodem de todos os lados. Na TV, pulsa um karaokê com hinos nacionais. Em cima do balcão, quepes militares, fotos antigas, flâmulas e bandeirolas. Numa vitrine, pulseirinhas, isqueiros e inúmeros badulaques com as cores do país como tema.

Para lá e para cá, carregando bandejas e servindo tapas, corre Chen Xianwei, conhecido na cidade como "el chino facha", ou chinês fascista, apelido do qual ele se orgulha e mantém vivo devido à sua devoção ao ditador Francisco Franco (1892-1975).

O chinês Xianwei Chen, conhecido em Madri como chinês fascista, ou 'chino facha', faz saudação fascista na porta de bar Una Grande Libre - Ivan Finotti/Folhapress

Franco, ditador da Espanha por 39 anos, entre 1936 e 1975, está em todo canto de Una Grande Libre —o próprio nome do bar vem de um slogan fascista, "Una, Grande y Libre" (unida, grande e livre). Franco, aliado de Hitler e Mussolini, apesar de não entrar na Segunda Guerra com eles, está em uma enorme foto no vidro que fica junto à porta.

Responsável pelo desaparecimento de 140 mil espanhóis, ele tem seu rosto estampado em mesas, quadros e rótulos de vinhos. Franco, que venceu a Guerra Civil Espanhola (1936-1939), conflito que matou meio milhão de pessoas, está nas estatuetas à venda. Imputado por crime à humanidade em 2008, ele é o herói inconteste de Una Grande Libre.

Simpático, sempre com um sorriso no rosto, Chen conta que ama tanto Franco que deu ao seu filho o nome do ditador. "Franco já está com oito anos" diz, orgulhoso. Clientes interrompem a entrevista a todo momento para cumprimentá-lo, dar as mãos, um abraço de despedida. Clientes esses que são, em boa parte, policiais de Madri. "Esses quepes pendurados são todos presentes de meus fregueses", afirma.

Em troca, Chen entrega aos habituês canetas com o nome do bar e também um calendário 2023 com, é claro, a foto de Franco. Ao lado da imagem, um texto explica como Franco é bacana.

"Com Franco, se pagavam impostos e se construiu uma Espanha nova. Agora, pagamos muito mais e nada é feito. Com Franco, um pai mantinha sua família de 5 ou 6 filhos com residência própria e uma segunda casa para as férias. Agora, pais não conseguem manter um filho. Com Franco, não faltava trabalho e foram criadas riqueza e esperança. Agora, se trabalha para ser pobre." E por aí vai. Chen imprimiu 10 mil calendários de brinde neste ano.

De fato, após os "anos de fome" que se seguiram à guerra civil, a Espanha viveu um milagre econômico nos anos 1960, quando passou a ter um crescimento anual de até 7%. Por outro lado, para dar uma ideia do horror, 140 mil pessoas desaparecidas em seu regime significam 10 pessoas sendo mortas a cada dia —e tendo os cadáveres escondidos pelo governo— durante 39 anos ininterruptos.

Chen só perde a compostura quando a reportagem lhe pergunta se não é crime na Espanha exibir publicamente a bandeira com a águia de San Juan —trata-se da bandeira oficial da Espanha de 1945 a 1977, símbolo da Espanha franquista, que trazia as listras amarelas e vermelha, mas com o brasão de uma águia estilizada no centro.

"A construção da Espanha foi feita com o brasão da águia. Então como pode, hoje em dia, o governo pretender proibir? Essa é a história da Espanha desde 1400", declara. A águia de San Juan foi o brasão de Isabel, a Católica (1451-1504), rainha de Castela e Leão a partir de 1474. Mas foi recuperada pelo regime franquista em 1945.

A bandeira, que cobriu o caixão de Franco 30 anos depois, é proibida em prédios do governo, mas a exibição por particulares é sempre motivo de controvérsias na Espanha. O Partido Popular tentou, em 2003, tipificar a exibição como delito de apologia do franquismo, mas a Câmara dos Deputados não aprovou. O mesmo se passa ao gritar "Viva Franco", encarado como liberdade de expressão por juristas.

No entanto, a lei de crimes de ódio espanhola prevê que, se a bandeira franquista for usada num ambiente para propagar racismo e violência, a pessoa pode passar quatro anos atrás das grades. Na Alemanha, por exemplo, exibir a suástica nazista pode levar a três anos de prisão, com exceção de usá-la num contexto artístico ou de crítica ao Holocausto.

Durante a entrevista, Chen continua a explicar suas ideias. "O governo atual é uma ditadura comunista! Querem que todo mundo pense como eles. Como num país comunista, querem que a gente trabalhe como animais, que viva como escravos, para que eles vivam como Deus, fazendo o que querem."

Nesse ponto, pode-se dizer que Chen trabalha mesmo como um animal. O bar é aberto às 6h30 por sua mulher, mas ele está a postos diariamente às 8h. Fica até o último freguês —o horário oficial é 0h30, ou seja, trabalha pelo menos 16 horas e meia por dia. Todos os dias. De segunda a sexta, sábados, domingos e feriados. Só descansa em agosto, quando, a exemplo de muitos comércios espanhóis, Chen fecha o boteco e tira um mês de férias.

Ele não reclama. Após ter dois bares em que era inquilino, Chen comprou em 2020 o imóvel em que o Una Grande Libre está instalado, no sul de Madri. Diz-se que teve que devolver o imóvel do bar anterior, que se chamava Oliva, porque os locadores ficaram insatisfeitos ao verem que a decoração do espaço estava se tornando motivo de atração.

Chen, 45, chegou à Espanha aos 21, para trabalhar em uma indústria de embalagens que contratava praticamente só chineses. Também foi garçom em restaurante chinês até que, em 2007, abriu seu primeiro negócio na área. Foi ali que clientes idosos, "de 70, 80 e até 90 anos", segundo Chen, esparramavam seu saudosismo do regime franquista, enquanto jogavam cartas. "Noventa por cento deles falavam bem de Franco", lembra. Aos poucos, o chinês se converteu.

Em 2011, abriu o Oliva, já com as tintas carregadas na águia de San Juan. Agora, dono do imóvel do Una Grande Libre, não poderia estar mais feliz. A freguesia não arreda o pé, e, apesar de não confiar em políticos, Chen tirou a nacionalidade espanhola há dois anos e já pode votar.

No lado de fora, ele é convidado a tirar uma foto para esta reportagem. Sem que a Folha solicite, ele estende por vontade própria o braço e faz a saudação fascista para a fotografia. "Viva Franco", ele pensa. Mas não diz nada, apenas sorri.

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