Negacionista republicano é preso por atirar contra casas de democratas nos EUA

Solomon Peña, apoiador de Trump, foi candidato nas midterms, mas recusou-se a aceitar derrota avassaladora no Novo México

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Alan Feuer Simon Romero
Albuquerque | The New York Times

Um republicano acusado de orquestrar ataques a casas de adversários democratas citou a necessidade de ameaçar uma "guerra civil" para chegar à mudança política. Segundo a polícia, uma bala disparada nos ataques passou perto de uma menina que estava dormindo, deixando seu rosto salpicado de poeira.

A série de ataques a tiros após as eleições legislativas de novembro nos EUA se seguiu a outros episódios de violência com motivação política em todo o país nos últimos meses –incluindo um ataque a Paul Pelosi, marido da então presidente da Câmara, Nancy Pelosi– e abalou o establishment no Novo México, onde os democratas mantêm o controle de ambas as Casas do Legislativo e o cargo de governador.

Depois de disputar um assento no Legislativo estadual, Solomon Peña, 39, apoiador de Donald Trump que foi ao comício em Washington em 6 de janeiro de 2021 que antecedeu a invasão do Capitólio, recusou-se a reconhecer sua derrota apesar de perder por 48 pontos percentuais em um distrito que há muito tempo vota nos democratas. Ele foi preso na segunda (16) em conexão com os tiroteios nas casas de quatro democratas, acusado na terça (17) e deve passar por uma audiência de custódia nesta quarta (18).

Eleitores durante votação em centro comunitário de Albuquerque, no Novo México (EUA) - Adria Malcolm - 8.nov.22/The New York Times

"Ele acreditava ter sido alvo de trapaça", disse o delegado Harold Medina, do Departamento de Polícia de Albuquerque, em entrevista na terça. A polícia apresentou uma série de acusações contra Peña, incluindo incitação ao crime, tentativa de agressão agravada, tiroteio em uma residência ocupada, disparos de um veículo em movimento e formação de quadrilha.

Peña, que já cumpriu pena de prisão por roubo e outros crimes, participou pessoalmente de pelo menos um dos ataques, de acordo com a denúncia criminal do caso, tentando disparar um fuzil AR-15 contra a casa de Linda Lopez, uma senadora estadual do Partido Democrata.

"As ações dele e o impacto que elas poderiam ter em nossa democracia são muito preocupantes", disse Medina. "Ele estava tentando intimidar alguns de nossos representantes eleitos." Peña, que ainda estava detido, não foi encontrado para comentar, e não ficou claro se um advogado o representa no caso.

Não se sabe como ele se tornou o único candidato republicano a disputar uma cadeira legislativa estadual representando parte de Albuquerque. Mas quando os democratas tentaram, sem sucesso, desqualificá-lo para concorrer, citando sua ficha criminal, o porta-voz da liderança republicana na Câmara estadual saiu em sua defesa, insistindo que Peña deveria ser autorizado a concorrer. Ele recebeu 26% dos votos, contra 74% de seu oponente, mostraram os resultados da eleição.

Solomon Peña foi preso pela polícia de Albuquerque por ataques a casas de democratas no Novo México
Solomon Peña foi preso pela polícia de Albuquerque por ataques a casas de democratas no Novo México - 17.jan.23/Centro Metropolitano de Detenção via Reuters

"As acusações recentes contra Peña são sérias, e ele deve ser responsabilizado se as acusações forem validadas no tribunal. Somos gratos por ninguém ter sido ferido. Se Peña for considerado culpado, ele deve ser processado em toda a extensão da lei", disse em nota o Partido Republicano do Novo México.

A prisão do republicano ocorre no momento em que as preocupações com a violência política aumentam após vários incidentes de alto perfil, incluindo o ataque a Paul Pelosi, uma conspiração para sequestrar a governadora Gretchen Whitmer, de Michigan, e acusações de perseguição apresentadas contra um homem armado na casa em Seattle da deputada Pramila Jayapal, do estado de Washington.

Embora tenha havido alguns ataques e ameaças de violência por parte de pessoas de esquerda, estudiosos que estudam a violência política dizem que a maioria dos episódios violentos com viés político nos últimos anos foi cometida por extremistas de direita ou por pessoas com tendências conservadoras.

Peña estava no meio da multidão ouvindo o discurso de Trump em 6 de janeiro de 2021, segundo vídeos coletados por detetives, antes que os apoiadores do ex-presidente atacassem o Capitólio na tentativa de manter o então líder americano no poder. Não há evidências, no entanto, de que Peña tenha entrado com a multidão em alguma área restrita no terreno ou no prédio do Capitólio naquele dia.

Peña cumpriu quase sete anos de prisão no Novo México sob acusações de roubo e furto. Depois de ser solto, em 2016, ele se formou em ciência política pela Universidade do Novo México.

Os ataques que pareciam ter como alvo autoridades democratas começaram em 4 de dezembro, quando alguém disparou oito tiros contra a casa de Adriann Barboa, comissária do condado de Bernalillo, segundo a polícia de Albuquerque. Em 8 de dezembro, tiros foram disparados contra a casa do deputado estadual Javier Martinez. Três dias depois, outro ataque teve como alvo a residência de outra comissária do condado de Bernalillo, Debbie O'Malley. Então vieram os tiros na casa de Lopez no início de janeiro.

A filha de 10 anos de Lopez disse à mãe após o ataque que achava que tinha sido acordada por uma aranha rastejando em seu rosto. Mas na manhã seguinte, Lopez encontrou buracos de bala em sua casa. "Como se viu, pó de gesso caiu no rosto e na cama da filha de Linda" devido a uma bala que passou por seu quarto acima de sua cabeça, diz a denúncia da polícia.

Os investigadores disseram em um comunicado após a prisão de Peña na segunda-feira que eles o ligaram aos homens acusados de realizar os disparos por meio de mensagens de texto que enviou "com endereços de casas nas quais queria que atirassem", além do dinheiro que lhes pagou. Em uma mensagem de texto que Peña enviou a um dos atiradores acusados em novembro, segundo a denúncia criminal, ele destacou uma passagem enigmática de um livro que os investigadores desconheciam.

"Foi apenas o incentivo adicional de uma ameaça de guerra civil que autorizou um presidente a concluir o projeto reformista." Essa citação aparece no livro "Stuffing the Ballot Box" (enchendo a urna), um estudo acadêmico de 2002 sobre fraude e reforma eleitoral na Costa Rica.

A tese de que a guerra civil é inevitável nos EUA ou deve ser travada para proteger os valores conservadores tem sido um grito de guerra frequente da direita nos últimos meses, se não há anos.

Barboa, a comissária do condado cuja casa foi alvo do primeiro ataque, disse que Peña foi à sua residência após a eleição para argumentar que o pleito tinha sido fraudado. "Ele foi agressivo e parecia agir de forma errática. Alegou que não tinha como ele ter sido derrotado, apesar de ter perdido de lavada."

Ela disse ainda que Peña parecia ter visitado sua casa, assim como a de O'Malley, que também foi alvo de ataques, porque o Conselho de Comissários do Condado de Bernalillo certifica os resultados eleitorais. Peña concorreu contra outro democrata, Miguel Garcia, que não parece ter sido atacado.

Medina, da polícia de Albuquerque, disse que o republicano pode enfrentar mais acusações enquanto a polícia prossegue com a investigação. "Continuamos a descascar camadas, como uma cebola."

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